sexta-feira, dezembro 30

Perguntas do povo

Previsivelmente, no espaço Vox populi do PÚBLICO-LOCAL LISBOA de hoje, os quatro interrogados reagem em tom de não à demolição da casa onde morreu Garrett. Se o jornalista quisesse ter tido uma iniciativa menos primária poderia ter perguntado, com mais pertinência: Lembra-se da frase com que começa o Frei Luís de Sousa? ou, para contemporizar com os "novos saberes" e não envergonhar os inúmeros admiradores de Garrett recentemente surgidos entre nós, Acha que o título da novela ninguém como tu se pode considerar uma referência ao final do 2º acto?

Coragem e clarividência

Depois de Soares, Alegre faz a ronda das capelinhas. Ontem, na mesquita de Lisboa, disse-se preocupado com as recentes declarações do presidente do Irão a respeito de Israel e, na sinagoga de Lisboa, declarou que "é preciso fazer uma diferença entre a religião muçulmana e as derivas". Ou terei ouvido mal e troquei os dois lugares? Adivinhem. Já agora, atendendo a que lhe ofereceram um exemplar do Corão, e sabendo-se que a religião assume, por definição, um papel totalizante em todos os aspectos da vida numa sociedade islâmica, esperemos que venha explicar o que entende por "derivas" e se, em sua opinião, os actuais dirigentes do Irão se estão a afastar dos ensinamentos corânicos.

terça-feira, dezembro 27

O amor nos tempos de internet (3)

O encontro com a Margarida P. foi combinado para um domingo à tarde no átrio do Museu Gulbenkian. Já tinha recebido uma fotografia dela por e-mail e eu tinha retribuído, de modo que seria fácil reconhecer-nos. Quando a vi, percebi imediatamente porque é que na foto que me enviara aparecia quase de perfil: tinha uma borbulhagem extensa no lado esquerdo do rosto. Dermatite, explicou ela depois nervosamente, estava em tratamento. Engoli mentalmente em seco enguanto pronunciava o Olá, prazer da praxe. Mas fiquei logo a pensar que a foto devia ter alguns anos, pois a Margarida que estava na minha frente era razoavelmente diferente da Margarida de 35 anos que me tinha sido e-revelada.

Quer ver alguma exposição ou tomamos qualquer coisa? perguntei com delicadeza e formalidade. Margarida preferiu um passeio para tomar um sumo e partimos no meu carro para as docas. Em frente do rio fui assaltado por uma tristeza irreprimível: a memória dos momentos que ali passara com a Sofia e a crueza da humilhação que a vida parecia agora querer-me infligir fizeram-me sentir o mais desprezível dos homens. Já há tanto tempo que não vinha aqui, disse a Margarida entre muitas outras coisas que eu não ouvi. Estou separada há cinco anos e tenho saído muito pouco ultimamente. Falou-me da sua triste profissão (professora de história no ensino básico) e contou-me histórias da criançada enquanto ria muito. Contou-me também como quase ia caindo, inocentemente, no assédio de uma colega logo após a separação, até que um amigo gay lhe tinha aberto os olhos e lhe explicou que a outra era obviamente lésbica. Algumas das histórias até me podiam arrancar um sorriso noutras circunstâncias, mas se me dava vontade de alguma coisa era de chorar. Decorrida uma hora, eu sabia que este primeiro encontro com a Margarida era também o último. Ainda tenho que passar pela seguradora, disse. Até aos domingos me fazem trabalhar.

A minha cara deve ter-me denunciado o suficiente, porque Margarida despediu-se como quem sabia que o caso estava encerrado.

Com a Matilde as coisas foram diferentes logo de início, porque a distância obrigou a um período de muitos dias em que apenas contactámos por telefone. Comprei até um cartão de outro operador para poder falar com ela mais longamente sem me arruinar.

segunda-feira, dezembro 26

A liberdade de expressão e a Europa

Dois casos recentes de intelectuais levados ao tribunal por delito de opinião põem em evidência as contradições europeias no que respeita à liberdade de expressão. Orhan Pamuk, escritor turco que denuncia o genocídio de arménios, corre o risco de ser condenado a prisão; a UE pressiona a Turquia no sentido de deixar Pamuk em paz. Na Áustria, David Irving, historiador britânico com pouco crédito fora de alguns círculos fascistoides, está preso por pôr em causa o holocausto. Sobre este caso, a UE, ou os intelectuais que habitualmente gostam de se fazer ouvir, não dizem uma palavra. As parcialidades ditadas pelo politicamente correcto pagam-se caro, pois retiram a autoridade moral indispensável para defender os valores em que acreditamos. E, no caso da liberdade de expressão, trata-se de uma questão de princípio, um tudo ou nada, como bem o expõe Brendan O'Neill neste artigo.

domingo, dezembro 25

Estorinha sem importância: Morales, Zapatero e a COPE

Há dias, um humorista da COPE (cadeia de rádio espanhola ligada à hierarquia católica) fez-se passar por Zapatero numa chamada telefónica, radiodifundida, ao recém eleito Evo Morales. Em animadíssima conversa e entre outras "bocas", "Zapatero" convidou Morales a fazer a sua primeira visita oficial a Espanha. Morales não detectou o logro. Agora o governo de Espanha exige à COPE desculpas públicas e certamente se esforçará por não ficar por aqui: com a discussão do estatuto da Catalunha a começar em breve, um pouco de censura viria bem a calhar.
O telefonema emitido na COPE pode ser escutado aqui.

Post scriptum: Sobre Morales e o contexto da sua eleição vale a pena ler este artigo de Álvaro Vargas Llosa.

sábado, dezembro 24

quarta-feira, dezembro 21

O nível da fala

“Ele não tem cultura...”
“Ele foi a essas reuniões mas eu sei como é que as coisas se passaram... tenho uns amigos que me contaram...”

Com este nível de discurso, Soares alinha pelas falas de personagens intriguistas de novelas da tvi, género ninguém como tu. Frases feitas e com insinuações maldosas pelo meio, ao gosto de plateias sem padrão de exigência. Soares está consciente disso. Sabe que pode disparar o discurso da “cultura” precisamente porque os destinatários da sua mensagem não sabem bem o que isso é.

Impregnação

O progresso tecnológico e a agressividade da indústria electrónica de entretenimento transformaram a música numa presença permanente, invasora e obsessiva nas nossas vidas. Há música no carro, no escritório, no supermercado, e até no elevador e no átrio de certos edifícios. Eu não digo que isto me desagrada: a possibilidade de ouvir Mozart, Shostakovich ou Cole Porter, em condições de facilidade e qualidade que ainda há alguns anos não existiam, é uma coisa boa. Não podendo deixar de pensar que a música não é - ou foi - feita para estar assim tão presente (não me refiro, claro está, ao lixo musical para consumo de massas que se escuta, por exemplo, em 99% do tempo de antena das rádios e tvs) tenho que considerar fantásticas as possibilidades que a época presente me dá em termos de fruição musical. Eu posso, por exemplo, passar dias a escutar uma Paixão de Bach ou de Penderecki até conhecer e prever todos os sons que vêm a seguir. Diferentemente de épocas em que só conhecíamos as obras em espectáculo público, agora a música pode entrar em nós. Essa absorção profunda aumenta o prazer da escuta.

No entanto, tudo tem os seus limites. Não gosto que me imponham um menu musical específico num período determinado, seja a que pretexto for. Recordo que as comemorações do bicentenário da morte de Mozart em 1991 me causaram um enjoo que determinou um abandono acentuado da audição de obras do compositor. Norman Lebrecht, detractor de Mozart, num artigo provocatório mas não destituído de sentido, adverte que vamos ter mais do mesmo em 2006, a pretexto do 250º aniversário do nascimento.

Nota: Em Portugal, o governo pretende substituir 1/4 do lixo musical que passa na rádio por lixo nacional. No Irão (estamos num outro plano, atenção!) também se pretende eliminar toda a música que não promova valores islâmicos; e até aí isso parece difícil de concretizar. A electrónica vencerá.

sábado, dezembro 17

O Português de plástico

Reparem nesta beleza de prosa de Paulo Feytor Pinto (Asssociação de Professores de Português) em carta ao Director no PÚBLICO de hoje:

"Não nos parece aceitável que se considere que um exame nacional seja o instrumento que garante que todo o programa é ensinado (...) e (...) que mais programa é aprendido (...) Melhores garantias parece-nos poderem ser dadas pela diversificação dos instrumentos de avaliação (...), por uma formação inicial adequada baseada em perfis pré-definidos, por uma formação contínua de professores regulada pela avaliação das suas necessidades e pelo impacto dessa formação nas aprendizagens dos alunos, pela selecção de manuais complementada pela sua certificação prévia, pelo cumprimento dos programas, por melhores equipamentos (...)"

Duma coisa não parece haver dúvidas: o signatário teve uma formação baseada num molde pré-fabricado, pois para escrever este discurso basta ir aos manuais do pedagogicamente correcto profusamente difundidos pelo ministério da educação há anos e anos, e fazer copy-paste.

Reparem também que, segundo o autor, uma garantia de que o programa é cumprido é... o cumprimento do programa.

Tão cómico e tão triste como a vida



Se não viram e querem ir ao cinema, vão ver. Não lamentarão as duas horas gastas. Isto dito por quem tem falta de tempo não é elogio pequeno. (Claro que a mediocridade habitual do cartaz de cinema em Lisboa transforma filmes como este em obras primas.)

Professor assassinado por ensinar raparigas

Há dois dias, um comando taliban assassinou um professor na entrada da escola, frente aos alunos. O professor já tinha sido avisado de que deveria deixar de permitir a presença de alunas: os taliban entendem que educar mulheres contraria os princípios da sua religião.

É de presumir que este professor não seja um caso isolado: certamente muitos afegãos têm vontade e ânimo para resistir à imposição da barbaridade. Que pensarão estas pessoas, que não gostariam de regressar à idade de trevas do passado recente, das luminárias que no ocidente reclamam o fim do envio de tropas para o Afganistão?

quinta-feira, dezembro 15

Agradecimentos

Há dois dias houve por aqui um movimento anormal de entradas, motivado por uma recomendação de O Insurgente. Fica aqui o meu reconhecimento. E aproveito para agradecer também à Grande Loja do Queijo Limiano , ao Número Primo e ao Ávido referências feitas já há algum tempo. (Links ao lado.)

quarta-feira, dezembro 14

Eduquices

O artigo de Henrique Monteiro, publicado no último Expresso, sobre as concepções, a respeito do ensino da Matemática, de um dos nossos mais activos "especialistas em educação", é mais um de uma série longa em que se clama, sem que ninguém ouça, que o rei vai nu. O Público também incluiu, na passada segunda feira, uma opinião de Guilherme Valente no mesmo sentido. Eu envolvi-me nesta campanha, tendo escrito artigos críticos da situação a que se tinha chegado, em 1996 e em 1999. Visava questões muito concretas relacionadas com o ensino da Matemática. Os efeitos práticos destas intervenções parecem-me agora desprezáveis ou nulos, embora considere útil que a denúncia continue. A erosão do "eduquês" e das suas "teorias" tem sido lentíssima; de vez em quando aparece alguém que aparenta ter a vontade e o poder de inflectir caminho (primeiro Justino, e depois, em instantes fugazes, Maria de Lurdes) mas logo se descobre que o monstro é muito mais resistente, ou as vontades são mais fracas, do que se pensa.

O problema com a ideologia que os pedagogos pós-modernos infiltrados no ministério da educação e em pontos-chave do sistema escolar têm vindo a consolidar com fortes raizes, é que se trata de uma cantilena de embalar a que se adere sem necessidade de muito esforço nem espírito crítico. Desvia a necessidade do esforço intelectual para a rotina burocrática. Tenta suavizar o trabalho intelectual dos alunos, mas também dos professores (embora a estes crie uma infinidade de afazeres entediantes).

Um dos sintomas da narcotização produzida é o uso do jargão que estes pedagogos adoptaram como se fosse linguagem de gente. Enquanto as pessoas, para falar do ensino, se exprimirem usando o palavrão ensino/aprendizagem sem desatarem a rir, não há esperança de que as coisas verdadeiramente mudem.

terça-feira, dezembro 13

Protestos selectivos

Está no ar uma agitação enorme a propósito da tortura que os EEUU terão praticado sobre prisioneiros suspeitos de terrorismo e sobre os voos de aviões da CIA pela Europa. É uma vaga de excitação que sucede aos protestos recorrentes sobre as condições a que são submetidos os prisioneiros de Guantanamo. Em abstracto, o objecto destas preocupações é justo, mas a atitude enviesada da maioria das vozes que os proferem faz suspeitar de que a preocupação não tem nada a ver com direitos humanos, mas tem unicamente como fim atacar os EEUU e a actual admnistração.

Alguém se lembra, por exemplo, do nome de Akbar Ganji? É um jornalista iraniano preso há seis anos, torturado, e incomunicável, por delito de opinião. Fez greve da fome e encontra-se em débil estado de saúde. O advogado que pretendeu defendê-lo foi preso. Alguns amigos tê-lo-ão aconselhado a fazer declarações anti-bush para se tornar conhecido através dos media. Ganji tem recusado sistematicamente e o resultado está à vista. (Recorde-se que Shirin Ebadi, a advogada iraniana agraciada com o Nobel, cedeu a essa tentação, tendo no discurso de aceitação referido a situação de Guantanamo e calado a dos milhares de prisioneiros de consciência do seu país...)

Recentemente, a Foreign Press Association atribuiu a Ganji o prémio "Diálogo de Culturas 2005". Na cerimónia, a apresentação do prémio foi feita por Bianca Jagger, embaixatriz UNICEF, que afirmou que também não poderíamos esquecer Guantanamo e Abu Ghraib. Na visão distorcida dos novos iluminados, membros de bandos terroristas estão no mesmo plano dos que apenas pensam diferente e defendem as suas ideias escrevendo. Para já não falar, claro, da qualidade das ideologias de uns e outros.

domingo, dezembro 11

Até quando teremos liberdade de expressão?

O cineasta Theo van Gogh assassinado em 2004; Oriana Fallaci julgada em Itália por ofensas ao Islão; museus europeus que retiram de exibição obras eventualmente ofensivas (para o Islão, claro); nova legislação na Noruega e no Reino Unido para punir ofensas à religião... Tudo isto são sinais de que o mundo onde todos os pontos de vista têm direito à expressão está seriamente ameaçado. Ainda assim, há também sinais de resistência: artistas e editores do Jyllands Posten, na Dinamarca, não cederam às ameaças de morte e levaram por diante a publicação de cartoons relativos a Maomé e o Islão; Hervé Loichemol encena no Teatro de Carouge (Suiça) uma peça de Voltaire sobre Maomé, mas necessita de protecção policial. Os perigos que estes profissionais afrontam são bem reais. Eles demonstram uma coragem digna de admiração, tanto mais quanto ela está a tornar-se rara nas elites intelectuais e políticas, frequentemente envergonhadas e carregando complexos de culpa do próprio passado, mas prontas a ceder perante uma onda de retrocesso civilizacional.

Apesar da clareza com que a natureza da ameaça é discernível, para a ideologia dominante os perigos vêm sempre de outro lado. O discurso anticapitalista, reduzido a fórmulas simplificadas e tornado parte integrante da cultura de massas, anestesiou-nos colectivamente e impede a visão serena da realidade. (Só assim se explica, por exemplo, a atenção dada entre nós, recentemente, à questão dos crucifixos.)

sábado, dezembro 10

Riscando do mapa

Mahmoud Ahmadinejad veio declarar agora que se contenta com deslocar Israel para a Europa. Talvez porque se tenha apercebido de que, ao pretender apagar Israel do mapa, corre o risco de ver a prestigiosa ONU a antecipar-se-lhe. Em conferência de 29 de Novembro, de solidariedade com o povo palestiniano, a ONU exibiu publicamente um mapa onde o referido país (por acaso membro da ONU) não consta.

sexta-feira, dezembro 9

Ideias para uma novela sobre o amor nos tempos de informática (patrocínio: plano tecnológico)

A era da informática veio criar um problema adicional a quem sofre uma ruptura amorosa. Além dos objectos, lugares, músicas e mil e uma coisas que com toda a sua inocência se intrometem como um punhal em ferida aberta, despertando recordações tornadas insuportáveis, o amante rejeitado é confrontado brutalmente com um ou dois passwords, que tem de utilizar várias vezes ao dia, construídos com elementos inspirados na pessoa que perdeu. São bocadinhos de nome, são números que evocam datas, que de repente adquirem um poder agressor traumático. É preciso então mudá-los, desembaraçar-se deles, e nalguns casos não é fácil.

Proust analisou com minúcia infinita o sofrimento do amante abandonado em "Albertine disparue". É claro que não podia prever o trauma da password. Como não podia também prever que o próprio acto da traição amorosa poderia adquirir novos contornos de malvadez. Antigamente uma pessoa comprometida encontrava outra, apaixonava-se irremediavelmente e pronto, paciência, não havia nada a fazer senão romper o compromisso existente. Hoje a traição pode ser preparada no conforto de casa ou do escritório, através do email, dos sites de encontros ou de chat. Não se arrisca nada: se não resultar continua-se como está, se der certo logo se vê e o outro que se lixe. A traição não resulta agora do coup de foudre, mas de uma operação paciente, metódica e calculista, que pode demorar meses ou anos até à consumação, e a vítima é a última a saber. À atenção das escolas de escrita criativa e de Gabriel Garcia Márquez.

domingo, dezembro 4

Anything goes

Steven Guilbeault, director do Greenpeace movement no Quebec:

"Há dez anos pensávamos que tínhamos muito tempo, há cinco anos pensávamos que tínhamos muito tempo, mas a ciência diz-nos agora que já não temos muito tempo.

Aquecimento global pode querer dizer mais frio, pode querer dizer mais seco, pode querer dizer mais húmido, é a situação que temos."


Por este caminho, o aquecimento global arrisca-se a ultrapassar (injustamente) Bush na categoria dos bodes expiatórios de serviço.

quarta-feira, novembro 30

Desventuras da Educação: a demissão forçada de Laurent Lafforgue

Laurent Lafforgue, eminente matemático, medalha Fields em 2002, é forçado a demitir-se do Haut Conseil à l'Education. As razões estão extensivamente explicadas aqui. Vale a pena ler na íntegra e não é difícil constatar que, na sua essência, as críticas de Lafforgue são aplicáveis ao que se tem passado entre nós no âmbito da educação nas últimas décadas.

Por exemplo, sobre a intenção do Presidente do HCE de apelar aos peritos da Educação nacional - inspecções gerais e direcções da administração central, em particular direcção da avaliação e da perspectiva e direcção do ensino - Lafforgue reage assim:

Para mim, é exactamente como se fôssemos um Alto Conselho dos Direitos do Homem e apelássemos aos Khmers Vermelhos para constituir um grupo de peritos para a promoção dos Direitos Humanos. (...) Cheguei à conclusão de que o nosso sistema educativo público está em vias de destruição total. Esta destruição é resultado de todas as políticas e reformas empreendidas por todos os governos desde o fim dos anos 60.
Estas políticas foram desejadas, aprovadas (...) e impostas por todas as instâncias dirigentes da Educação Nacional, quer dizer em particular: os famosos peritos da Educação Nacional, os corpos de inspectores (recrutados entre s professores mais dóceis e submissos aos dogmas oficiais) (...) os corpos de formadores (...) cheios dos famosos (...) especialistas das chamadas "ciências da educação", a maioria dos peritos de comissões de programas, numa palavra o conjunto da Nomenklatura da Educação Nacional. Estas políticas foram inspiradas a toda esta gente por uma ideologia que consiste em não valorizar o saber e que mistura (...) a crença em teorias pedagógicas delirantes (...) a aprendizagem de conteúdos vagos (...) a doutrina do aluno "no centro do sistema" que deve "construir os próprios saberes". Esta ideologia tomou conta igualmente dos dirigentes dos sindicatos maioritários.

segunda-feira, novembro 28

Aliança ou confusão de civilizações?

A pergunta vem num editorial do ABC de hoje:
Por ejemplo, ¿qué puede tener en común Rodríguez Zapatero, que como una de sus primeras medidas de gobierno quiso aprobar el matrimonio entre personas del mismo sexo, con un personaje como el ex presidente iraní Mohamed Jatamí, que representa a un país donde a una persona se le puede llegar a ahorcar por el hecho de ser homosexual?

Alguém tenta resistir

Ontem foi dia de manifestações de estudantes na Universidade de Teerão, contra a nomeação de um religioso como responsável máximo da institução.

quarta-feira, novembro 23

Nascimento de um novo Hitler

Excerto de um artigo de Carlos Alberto Montaner:

(...)El presidente Ahmadinejad, con una desfachatez que debemos agradecerle, puesto que no deja la menor duda sobre cuáles son sus intenciones, ha declarado dos cosas que son para echarse a temblar. La primera es que ''Israel debe ser borrado del mapa''. La segunda es que ''el mundo debe darse cuenta de que Israel no es el único objetivo de Irán, sino, simplemente, el primero''. Algo que no ignoran los argentinos que en 1994 sufrieron un brutal atentado en pleno Buenos Aires, cuando los servicios iraníes destruyeron con una poderosa bomba el edificio de la Asociación Mutual Israelita (AMIA), y que sufren todos los días los habitantes de Israel, árabes y judíos, con los atentados perpetrados por los asesinos-suicidas financiados, entre otras capitales, desde Teherán.

El asunto es muy claro: ante nuestros azorados ojos, sin pausa ni tregua, uno de esos nefastos personajes de los que inevitablemente conducen a la humanidad al matadero va desplegando sus peores rasgos. Es un fanático convencido de que está destinado a cambiar la historia del mundo y tiene en su memoria colectiva la remota grandeza de Persia. Se siente víctima de no se sabe qué extraños agravios ancestrales. Posee y defiende una causa sagrada (el restablecimiento planetario de la supremacía del islam) y atesora los recursos para perseguir sus planes tozuda y violentamente. Lo único que le falta es un ridículo bigotillo de mosca bajo la nariz.

(...)Tampoco es difícil predecir el resultado final: Irán no logrará su objetivo final, pero la destrucción dejada por ese conflicto será infinitamente mayor que la provocada por la Segunda Guerra Mundial. Si a Churchill le hubieran hecho caso en el año 1935, cuando pidió detener a los nazis a cualquier costo, la humanidad se habría ahorrado sesenta millones de cadáveres y la mayor devastación causada por el hombre que recuerda la historia. Es la hora de releer sus discursos. Y, sobre todo, es la hora de actuar.

terça-feira, novembro 22

Blá-blá hertziano

Nas manhãs durante a semana, os portugueses, ou talvez um grupo de habituados, discutem um assunto das notícias do dia no forum da TSF. À tarde, o mesmo tema ou outro é discutido entre mulheres: é o forum mulher, na mesma rádio. Não se percebe bem o que levou os programadores a criar este espaço: como as mulheres podem intervir (intervêm efectivamente) no da manhã e os temas são essencialmente os mesmos, a existência do forum dedicado à intervenção das mulheres poderia ser considerada uma iniciativa reaccionária e retrógrada. No forum mulher é uma jornalista que faz o papel de moderadora, para que aquele espaço não seja contaminado nem ao de leve pela presença masculina. Tratar-se-ia, à primeira impressão, de matar saudades do gineceu ou dos lavores femininos de antigamente, ou simplesmente de dar rédea larga a paleio de mulherio, mas não é nada disso: as discussões são como as outras (as da manhã). Não se percebe, pois, porque é que o forum da tarde não se chama simplesmente forum da tarde e porque é interdita a participação masculina.

Aqui chegados, estamos a um passo de concluir que a TSF discrimina os homens e ficamos a pensar se não deveríamos exigir um forum homem, já. Ora bem, a conclusão seria apressada e a reivindicação supérflua, porque todos os ouvintes atentos sabem muito bem que o androceu em forma de forum já existe há muito tempo: é a bancada central, em horário nocturno. E aí, sim, temos um espaço que não só está na prática vedado às mulheres como devotado a conversa domem, que oscila entre o elogio enternecido ao moderador, ou à equipa ou ao jogador que cada um leva no coração, e o insulto suave. Afloram-se os problemas do tratamento dado ao Ricardo, das atitudes do Sr Pinto da Costa, e chega a filosofar-se em tom desafiante sobre as assimetrias norte-sul e sobre as virtudes do berço de Portugal quando comparado com terras de mouros. O Sr Fernando Correia distribui agradecimentos e concilia os participantes, demonstrando uma eficácia apaziguadora que é característica de espaços muito dados à emoção, como este. Por vezes intervém também uma figura respeitada que é referida como o professor e até declama poemas.

Não, a TSF pode ser excessivamente politicamente correcta mas não se pode dizer que esteja a humilhar excessivamente as mulheres, pelo menos enquanto não criar a bancada-central-mulher.

quinta-feira, novembro 17

Le cauchemar

Hélène Carrère d'Encausse, reputada historiadora e secretária da Academia Francesa, deu o seu ponto de vista sobre a crise à NTV (uma cadeia de tv russa)

Par exemple, tout le monde s'étonne : pourquoi les enfants africains sont dans la rue et pas à l'école ? Pourquoi leurs parents ne peuvent pas acheter un appartement ? C'est clair, pourquoi : beaucoup de ces Africains, je vous le dis, sont polygames. Dans un appartement, il y a trois ou quatre femmes et 25 enfants. Ils sont tellement bondés que ce ne sont plus des appartements, mais Dieu sait quoi !

e à revista Moskovskie Novosti

Oui, la télévision russe ne fait que suivre Poutine pas à pas. Mais la télévision française est tellement politiquement correcte que cela en est un cauchemar. Nous avons des lois qui auraient pu être imaginées par Staline.

O Libération não apreciou.

domingo, novembro 13

Para ler

Em Polemia, análise e interpretação - com certeza muito diferente da que passa diariamente nas tvs e jornais - da crise dos subúrbios em França. Um excerto da conclusão politicamente incorrectíssima:

O que precisa de mudar é o discurso dominante dos últimos 30 anos: mesmo que isso não agrade a Bernard Stasi, que lhe deve 20 anos de carreira política e mediática, " a imigração (não) é uma oportunidade para a França", mas um encargo económico e social; não, a integração não funciona, pelo menos para massas tão numerosas provenientes de certas áreas civilizacionais; não, o anti-racismo não facilita a integração, pelo contrário, torna-a mais difícil ao desencadear um racismo ao contrário e a diabolização da identidade francesa; não, o estado-providência e a autarquia assistencial não podem acorrer a todos os problemas económicos e sociais, antes os enraizam e prolongam.

Insensibilidade e falta de senso

Duas notícias dos últimos dias reforçam a minha convicção de que a introdução, na escola, de educação sexual é uma oportunidade ímpar para libertar doses maciças de falta de bom senso que deveriam estar sossegadas a hibernar nas mentes mais diversas.

Por um lado, soubemos que o Grupo de Trabalho para a Educação Sexual, talvez incapaz de decidir se a dita ES deve ser uma disciplina transversal, longitudinal ou oblíqua, põe agora a tónica na participação dos pais. Eles querem dizer participação activa dos pais na "planificação e execução desta área, numa perspectiva de colaboração com a escola responsável". Excelentes intenções! Estou já a ver milhares de pais a correr para as escolas. É que é já a seguir!!!

Estamos claramente diante da confissão de que a matéria é um alçapão com perigos escondidos e ninguém se quer queimar muito sozinho. Quem sabe se até o Grupo já se apercebeu de que os professores não têm necessariamente mais bom senso do que outros comuns mortais. E, se alguns nem dominam bem as próprias matérias convencionais da sua especialidade, quanto à ES é melhor nem pensar...

A actuação de um professor e um elemento do conselho executivo da escola António Sérgio, em Gaia, que em reacção à homossexualidade de duas estudantes comunicaram os factos aos respectivos encarregados de educação, é um exemplo verdadeiramente chocante de falta de sensibilidade para fazer face a um problema tão delicado. O episódio ilustra, a priori, riscos que deveriam ser avaliados com a maior prudência.

sábado, novembro 12

Também os tigres podem ser compreendidos

Pode ler-se hoje no PÚBLICO- LOCAL Lisboa: uma jovem de 24 anos ficou com um braço destruído ao tentar acariciar um tigre na sua jaula, num circo acampado na margem sul. Para a Liga dos Direitos dos Animais, o episódio vem mostrar "o stress permanente em que os animais vivem nos circos". A Presidente da Liga disse que iria solicitar aos grupos parlamentares uma tomada de posição sobre a matéria.

sexta-feira, novembro 11

O rigor e a falta dele

Se eu afirmar:

A causa dos tumultos em França é a imensa disponibilidade dos compreendedores e justificadores de serviço. Os "jovens" sabem que eles acorrem sem demora a desculpar tudo, ou melhor, já estavam a desculpá-los antes de eles terem começado

é natural que me acusem de simplismo e de falta de rigor intelectual. Apesar disso creio que são ainda menos rigorosas determinadas asserções repetidíssimas nestes dias:

A causa dos tumultos em França foi uma frase proferida por Sarkozy.

A causa dos tumultos em França está no falhanço da integração de certa comunidade.


Os que advogam a primeira afirmação estão a um passo de achar justo que, após uma discussão entre dois automobilistas A e B, em que A chama filho da p... a B, B dispara um tiro sobre A.

A segunda afirmação é um soundbite simplista ou com mensagem subliminar escondida. A comunidade de onde emanam os "jovens" não é conhecida pelo anseio de integração, mas, pelo contrário, pelo desígnio de dominar um território onde possa fazer valer as leis dos seus países de origem. Por outro lado, os activistas que comandam os tumultos nem por um segundo tentam dissimular um ódio profundo à Europa. Isso até nas declarações dos tais "jovens" que passam aqui e ali na tv se tem percebido. Portanto, quando se fala de integração neste contexto está-se, com certeza, a dar música aos ouvidos da plateia.

quinta-feira, novembro 10

É a demografia, estúpido

Mark Steyn no Spectator:

‘If you outlaw guns, only outlaws will have guns.’ Likewise, if you marginalise religion, only the marginalised will have religion. That’s why France’s impoverished Muslim ghettos display more cultural confidence than the wealthiest enclaves of the capital.

quarta-feira, novembro 9

Todos os pretextos são bons para recordar uma obra prima




ACTION
Dear kindly Sergeant Krupke,
You gotta understand,
It's just our bringin' up-ke
That gets us out of hand.
Our mothers all are junkies,
Our fathers all are drunks.
Golly Moses, natcherly we're punks!

ACTION AND JETS
Gee, Officer Krupke, we're very upset;
We never had the love that ev'ry child oughta get.
We ain't no delinquents,
We're misunderstood.
Deep down inside us there is good!

ACTION
There is good!

ALL
There is good, there is good,
There is untapped good!
Like inside, the worst of us is good!

SNOWBOY: (Spoken) That's a touchin' good story.

ACTION: (Spoken) Lemme tell it to the world!

SNOWBOY: Just tell it to the judge.

ACTION
Dear kindly Judge, your Honor,
My parents treat me rough.
With all their marijuana,
They won't give me a puff.
They didn't wanna have me,
But somehow I was had.
Leapin' lizards! That's why I'm so bad!

DIESEL: (As Judge) Right!

Officer Krupke, you're really a square;
This boy don't need a judge, he needs an analyst's care!
It's just his neurosis that oughta be curbed.
He's psychologic'ly disturbed!

ACTION
I'm disturbed!

JETS
We're disturbed, we're disturbed,
We're the most disturbed,
Like we're psychologic'ly disturbed.

DIESEL: (Spoken, as Judge) In the opinion on this court, this child is depraved on account he ain't had a normal home.

ACTION: (Spoken) Hey, I'm depraved on account I'm deprived.

DIESEL: So take him to a headshrinker.

ACTION (Sings)
My father is a bastard,
My ma's an S.O.B.
My grandpa's always plastered,
My grandma pushes tea.
My sister wears a mustache,
My brother wears a dress.
Goodness gracious, that's why I'm a mess!

A-RAB: (As Psychiatrist) Yes!
Officer Krupke, you're really a slob.
This boy don't need a doctor, just a good honest job.
Society's played him a terrible trick,
And sociologic'ly he's sick!

ACTION
I am sick!

ALL
We are sick, we are sick,
We are sick, sick, sick,
Like we're sociologically sick!

A-RAB: In my opinion, this child don't need to have his head shrunk at all. Juvenile delinquency is purely a social disease!

ACTION: Hey, I got a social disease!

A-RAB: So take him to a social worker!

ACTION
Dear kindly social worker,
They say go earn a buck.
Like be a soda jerker,
Which means like be a schumck.
It's not I'm anti-social,
I'm only anti-work.
Gloryosky! That's why I'm a jerk!

BABY JOHN: (As Female Social Worker)
Eek!
Officer Krupke, you've done it again.
This boy don't need a job, he needs a year in the pen.
It ain't just a question of misunderstood;
Deep down inside him, he's no good!

ACTION
I'm no good!

ALL
We're no good, we're no good!
We're no earthly good,
Like the best of us is no damn good!

DIESEL (As Judge)
The trouble is he's crazy.

A-RAB (As Psychiatrist)
The trouble is he drinks.

BABY JOHN (As Female Social Worker)
The trouble is he's lazy.

DIESEL
The trouble is he stinks.

A-RAB
The trouble is he's growing.

BABY JOHN
The trouble is he's grown.

ALL
Krupke, we got troubles of our own!

Gee, Officer Krupke,
We're down on our knees,
'Cause no one wants a fellow with a social disease.
Gee, Officer Krupke,
What are we to do?
Gee, Officer Krupke,
Krup you!

Music by Leonard Bernstein, lyrics by Stephen Sondheim.

terça-feira, novembro 8

domingo, novembro 6

Sinais (literalmente) de fogo

Sem surpresa, as interpretações para os motins que estão a alastrar a muitas cidades francesas variam com o posicionamento ideológico de quem toma a palavra. Já por cá tínhamos ouvido o mesmo, em versão de brincar, quando ocorreu (ou não ocorreu, conforme o ponto de vista) o arrastão.

Poderão, contudo, alinhar-se algumas asserções incontroversas: 1) as políticas sociais e de integração de imigrantes em França são um desastre; 2)a tolerância do terror (os distúrbios em território francês não começaram agora), o fechar os olhos à islamização dos subúrbios a pretexto do respeito por outra cultura (a 10km de Paris pode-se praticar poligamia), e mesmo as críticas à guerra do Iraque e aos EEUU, não se revelaram muito úteis aos dirigentes franceses na sua difícil relação com a comunidade imigrante muçulmana.

Também é claro que o ponto de vista dominante nos media é o da vitimização dos "jovens" sublevados (em França como aqui: A. Esteves Martins, na RTP1, comentava ontem que - cito a ideia - incendiar fábricas ou carros "ainda podia compreender-se", já que são símbolos de uma certa prosperidade). Do medo e dos imensos prejuizos impostos às populações afectadas não se fala por aí além. Também passa como muito natural que se vá conferenciar com o reitor da mesquita de Paris e este acabe por exigir do governo (mas não dos amotinados) "palavras de paz".

As pessoas e grupos que adoptam este culto da vítima e do multiculturalismo permissivo acabam por cair numa incoerência que é sintoma, afinal, de hipocrisia e critério dúplice: os mesmos que se comprazem em discutir "temas fracturantes" na sua sociedade "progressista" não se incomodam com a situação das mulheres em comunidades imigrantes; os mesmos que não deixam escapar sem crítica uma intervenção da Igreja, e que recusam reconhecer o papel do cristianismo no cimento da nossa cultura, encaram com naturalidade manifestações de violência apadrinhadas por um poder religioso reaccionário em extremo. No fundo, desprezam, mesmo que seja inconscientemente, as tais comunidades com outras culturas: o que pensam é que, para selvagens, está bem assim, e se isso servir de ajuda às suas posições políticas de vistas curtas, tanto melhor. É também para eles que Ahmadinejad fala: capitaliza apoio e simpatia para quando for apertado.

Os tumultos de Paris são muito mais perigosos do que outros fenómenos do mesmo género a que tenhamos assistido anteriormente. Estes "jovens", mesmo actuando de forma inorgânica, não estão sós: eles vão ser enquadrados por porta vozes religiosos com o poder de amplificar enormemente o conflito e de obter das autoridades concessões políticas. Aos protestos recentes na Dinamarca somam-se avisos na Alemanha, e ontem, numa festa muçulmana em Melbourne, foi distribuído um panfleto incitando os muçulmanos a rebelarem-se contra os governos ocidentais.

Os apelos de dirigentes religiosos muçulmanos no mundo ocidental não têm uma lógica muito diferente dos que recentemente ouvimos na boca do presidente iraniano. Não são combinados mas apontam essencialmente ao mesmo alvo e têm o poder de se reforçar mutuamente. À gritaria inicial, mais mediática, contra o Grande Satã e Israel, segue-se o grito de guerra à Europa - uma Europa que aparenta ter desistido de si e aparece aos inimigos como um flanco escancarado. Esperemos que, quando estivermos distraídos a discutir o próximo tema fracturante, não descubramos de repente que já não nos é permitido discutir nada.

sexta-feira, novembro 4

Previsível

Agora que o fogo está às portas de Paris, é interessante ler este artigo de Theodore Dalrymple publicado em 2002.

quinta-feira, novembro 3

Língua traiçoeira

Lê-se aqui (itálicos meus):

Não obstante, o único momento em que se ouvirá falar português durante a cerimónia será, provavelmente, quando o prémio para o melhor grupo português for anunciado no Pavilhão Atlântico. Blasted Mechanism, Boss AC, Da Weasel, Humanos e The Gift são os nomeados na categoria.

"Humanos" está, obviamente, a destoar (isto já sou eu que digo).

A língua de plástico

Ontem, Soares mostrava espanto por não ser necessária formação filosófica, humanista, histórica ou jurídica para se aceder ao cargo de PR. Eu não estou muito seguro de que a melhor formação para tal fim se situe naquelas áreas, pois admito a possibilidade de que possa estar no domínio das equações diferenciais, da optimização, da mecânica quântica ou da bioquímica. Não tenho dúvidas é de que seria muito proveitoso para o bem estar geral que qualquer dos candidatos se exercitasse na seguinte competência (como se diz agora): fazer uma redacção sobre um tema relevante para o nosso futuro colectivo próximo sem utilizar as cadeias de palavras abaixo listadas
motivo de preocupação acrescida
prossecução do interesse nacional
investigação, inovação, desenvolvimento tecnológico
qualificação de recursos humanos
legítimas aspirações do país (ou destes ou daqueles)
combater a exlusão social
cooperação institucional
esfera da governação
peso do passado
numa base aberta, franca e leal
estratégia de modernização a longo prazo
resposta atempada aos desafios que se colocam
consensos suficientemente operacionais

A lista não é exaustiva.
Seria um bom serviço prestado à saúde da língua portuguesa e especialmente aos leitores e ouvintes de discursos presidenciais.

segunda-feira, outubro 31

Um rascunho escrito tem um poder explosivo

Ocupação selvagem de apartamentos em Granada, a pretexto de uma versão preliminar da Ley del Suelo da ministra de vivienda, Maria Antonia Trujillo.

domingo, outubro 30

4 pecados capitais

Luca Ricolfi, sociólogo, professor de Análise de Dados na Universidade de Turim, homem assumidamente de esquerda, entrevistado ontem no El Mundo sobre o seu recente livro Porque somos antipáticos? identifica quatro pecados capitais na esquerda contemporânea:

1) Abuso de esquemas secundários. Transforma-se uma evidência empírica por uma interpretação que lhe altera o sentido. O objectivo é falsear a realidade quando ela contraria as nossas expectativas. (Ex: para explicar as terríveis condições de trabalho dos operários nos países comunistas, a esquerda marxista começou por dizer: pois, mas lá as relações de produção são diferentes, os operários orgulham-se do seu trabalho, controlam os meios de produção, etc etc. Quem usa esquemas primários vê a realidade como é e diz apenas: as condições em que trabalham os operários nos paises comunistas são nocivas e produzem cancro.) A esquerda, quase por norma, diz que uma coisa não é importante em si mesma, mas no contexto. É o caso da guerra no Iraque. Mandar tropas para o Iraque não era algo que estivesse certo ou errado, mas dependia da bênção da ONU. Quando parecia que Kerry ia ganhar as eleições, chegou a dizer-se que a nossa presença no Iraque teria então outro significado.

2) Medo das palavras. Doença com 25 a 30 anos, importada dos EEUU. Não há cegos, há invisuais. A vigilância da linguagem no plano privado contrasta com uma linguagem crua de políticos e figuras públicas que começaram a dizer o que lhes dá na gana: Pertini, Wojtila, Berlusconi. As instituições podem transgredir, mas o cidadão que transgride é mal visto.

3) Linguagem codificada. "Economia social de mercado" ou "reformas estruturais" não dizem nada às pessoas normais. Estas doenças da linguagem afectam igualmente a direita. A Liga Norte e a Forza Italia estão imunes por serem partidos novos, sem tradição ideológica (comunista, democrata cristã ou fascista).

4) Complexo de superioridade moral, uma doença da alma. Os políticos de esquerda dizem representar a parte mais sã do país, os que pensam mais no bem comum e nos ideais do que nas conveniências próprias. No entanto o sentido cívico (pôr o bem comum em primeiro lugar) pode medir-se e desde 96 que há estudos sobre isso em Itália. A conclusão é que não há diferença de sentido cívico entre votntes de esquerda e de direita; se em alguns estudos há diferenças ligeiras, elas são a favor das pessoas de direita.

Afirma também que os políticos de direita não são tão hipócritas como os de esquerda e que os eleitores se apercebem disso. Que a esquerda com Prodi vai ganhar as eleições sem o merecer, embora o centro-direita o mereça ainda menos. "Ainda não sei se hei-de tapar o nariz [ao votar] ou se não votar. Creio que mal Berlusconi seja afastado muita gente recuperará o cérebro."

sábado, outubro 29

Hola! (crónica frívola para um dia de chuva)





1. As instalaçoes da Fundaçao Caixa Galicia nao estao preparadas para um acontecimento como a exposiçao de obras de Frida Kahlo. Os chapeus de chuva amontoam-se anarquicamente à entrada e podem já lá nao estar à saída (caso do meu). Felizmente a rua tem várias lojas onde se pode comprar outro. Frida Kahlo por 11 euros: nao posso dizer que é kahro. O enigma do sofrimento físico e moral está lá todo à vista, na Caixa Galicia.

2. Considero aquilo que faz determinadas pessoas aderir à cientologia (domínio inqualificável do pseudo-conhecimento) um dos grandes mistérios da natureza. O ex-casal Cruise/ Kidman é exemplo de devotos célebres. Parece que agora é a vez de Victoria e David Beckham.

sexta-feira, outubro 28

Realidades

Cheguei no domingo a uma pequena e agradável cidade espanhola para uma semana de trabalho. Aqui há vários filmes de língua espanhola em exibiçao: os americanos nao sao a maioria. Consultando as sinopses disponíveis, nenhuma me despertou grande interesse e resolvi ir ver o filme que nao tinha o resumo afixado - um filme argentino, produzido com o financiamento da tve: El aura. Nada de especial e um tanto pretensioso. Um sujeito envolve-se numa série de crimes praticamente sem motivaçao, como movido por piloto automático. O cinema, comercial ou nem por isso, está pela hora da morte. Já tudo foi contado e filmado. As boas surpresas sao raras.

Nos dias seguintes confirmei que, como de costume, a realidade se encarrega de nos evitar o tédio, pois está mais interessante que as ficçoes. Há debate político forte na imprensa e na rádio, por aqui. A COPE, uma rádio ligada à Igreja, ataca o PSOE 24 horas sobre 24 e motivos nao lhe faltam: o estatuto da Catalunha e um projecto de lei da ministra da vivienda, que inclui o objectivo de expropriar andares desocupados, têm servido de mote para os media de oposiçao. O PSOE responde com a mesma violência, atacando o PP e a COPE em especial. Na COPE há momentos de tele-evangelismo primário, o que nao quer dizer que as críticas nao tenham razao de ser. Nao temos nada do género em Portugal. (Exemplo: um relato de fútbol é cortado por jingles como "nos quieren quitar la constituicion!") Tambem foi muito criticada a intençao de Zapatero de participar na apresentacao, hoje, de uma fundaçao para a aliança das civilizaçoes, em companhia pouco recomendável: Tarik Ramadan, um islamista proibido de entrar nos EEUU e vigiado pela polícia francesa (mas, curiosamente, escolhido recentemente por Blair para o aconselhamento sobre como tratar com os jovens de origem islâmica na GB). Zapatero cancelou a sua participaçao. A fundaçao é impulsionada por Masud Zandi, milionário hispano-iraniano que enriqueceu vendendo cadeiras de rodas aos estropiados da guerra Irao-Iraque e conseguiu "surfar" incólume na crista de um recente escândalo financeiro (Gescartera).

A ficçao está, por isso, despedida com justa causa. Com esta realidade, quem precisa dela?

quinta-feira, outubro 27

Irao: situacao dos direitos humanos

Relatório de comissao das Nacoes Unidas, Outubro 2005: http://www.fidh.org/IMG/pdf/ir_un2005a.pdf

domingo, outubro 23

As contradiçoes iranianas no presente

No New York Review of Books, Timothy Garton Ash descreve as impressoes de uma recente visita ao Irao. A juventude da populaçao pode ser, segundo o autor, um elemento crucial na mudança do regime.

Também é interessante o artigo de Azar Nafisi (autora de "Ler 'Lolita' em Teerao"), mesmo se algumas das afirmaçoes nao parecem pacíficas.

Começa amanhã

Começa amanhã a formação em matemática para professores do 1º ciclo. Li o programa (suponho que elaborado pela comissão de acompanhamento; está disponível em alguns sites de instituições envolvidas). No que diz respeito aos conteúdos de matemática que explicitamente são enumerados, parece-me razoavelmente equilibrado. Mas não se conseguiu evitar o mau hábito, que denuncia a forte influência entre nós dos especialistas em "ciências da educação", de embrulhar tudo em muita conversa que potencialmente permite derivas fora dos objectivos com que o programa foi inicialmente traçado. De qualquer modo, espero que corra o melhor possível, e que muitos formadores e formandos consigam concentrar-se no essencial.

sábado, outubro 22

Direitos humanos

Onde a "esquerda" e a "direita" tropeçam, em comentário de Álvaro Vargas Llosa.

quinta-feira, outubro 20

Precioso é o tempo

Cavaco tomou-nos apenas 8 minutos para (não) dizer o mesmo que outros demoraram muito mais a não dizer. Pela sobriedade e economia de tempo, o Falta de Tempo fica desde já reconhecido.

terça-feira, outubro 18

Enigmas e paradoxos II

Nas intervenções, hoje na tv, de dirigentes sindicais de professores (agora em uníssono), pareceu-me ler que até de Manuela já têm saudades.

Essa coisa chata, cheia de regras

Um telejornal de ontem deu-nos uma ideia de como vai o programa de formação contínua para professores de Matemática do 1º ciclo. O espectador desprevenido e afastado do assunto pode ter ficado a pensar que vai muito bem, que agora é que é. Eu fiquei um pouco desconfiado e alarmado, embora não surpreendido.

Uma das senhoras formadoras apareceu a dizer que era preciso mudar a avaliação, porque (cito de ouvido) ao resolver um problema de matemática o resultado não interessa, e pode chegar-se a concluir que o caminho seguido na resolução até é muito válido. Isto contém alguma verdade, mas conhecendo como conheço o mundo dos modernos pedagogos sei que se está principalmente a tentar relativizar o que é certo e o que é errado.

Outra senhora, formanda ou formadora, não me recordo, disse que (novamente cito de cor) o que era necessário era acabar com aquela matemática chata, toda à base de regras.

Fiquei a pensar que o programa está um pouco perdido e desorientado, pois a ideia que eu tenho é de que, dada a ausência de formação matemática de muitos professores do 1º ciclo, o que é necessário em primeiro lugar é ensinar-lhes matemática (a tal a que eles chamam chata, inclusivamente) a fim de que eles a possam contar às crianças numa linguagem adequada. Não creio que se trate de um problema de subtilezas pedagógicas: alguém pode contar a uma criança as mil e uma noites se não tiver lido bem o livro?

Fui à internet espiar sites das faculdades e institutos onde o programa funciona. Fiquei a saber que o programa tem 7 princípios-7, 5 objectivos-5 e uma comissão de acompanhamento com 6 competências-6. Nos enunciados repetem-se, entre princípios e competências, a valorização do trabalho colaborativo entre diferentes actores, a valorização de dinâmicas curriculares centradas na matemática, o desenvolver uma atitude positiva dos professores relativamente à matemática, promovendo a autoconfiança, etc... podem ser intenções óptimas, mas fico com a impressão de que com tanta filosofia prévia nunca mais se chega à matemática propriamente dita. E o pior é que por parte de alguns intervenientes a intenção pode ser mesmo essa.

Tudo bem, sejamos optimistas. Deixemos a matemática chata para os finlandeses, os chineses, os selvagens de Singapura, ou esses infelizes nascidos no leste europeu que quando chegam aqui só podem fazer trabalho de segunda. O resultado... verá-se.

Perguntem ao presidente

A BBC abriu um questionário online dirigido a Hugo Chávez, a que ele supostamente deverá responder. As perguntas são publicadas na página da BBC mas, a julgar pelo que se lê aqui, a BBC só publica, pelo menos por enquanto, as perguntas "fáceis", talvez para não maçar muito o presidente. Apetece colocar a pergunta: acha que a BBC é mais isenta do que os órgãos de informação do seu país? Chavez devia achar estimulante, tal como quando teve oportunidade de responder pela tv, há dias, a Sampaio.

domingo, outubro 16

Solidões (ou Pequenos anúncios III)

No teatro sempre se aprende alguma coisa. Há tempo que andava intrigado com a proliferação de anúncios "relax" onde se oferecem meninas ou senhoras licenciadas nisto ou naquilo. Ontem, uma fala de um dos personagens de Sangue no pescoço do gato abriu-me os olhos: muitas vezes a procura de uma prostituta tem como objectivo satisfazer a necessidade elementar de falar, e parece que nem todas se dispõem ou têm habilitações para isso. Aí está portanto um nicho de mercado que começa a ser preenchido.

sábado, outubro 15

Na livraria

Fui comprar um livro para oferecer a um familiar.

Na caixa, a menina começa por perguntar-me: É para oferecer? É sim, confirmo.

Com a senhora que me precedia e o senhor que me seguiu a cena foi igual: mesma pergunta, mesma resposta. Numa inferência pouco rigorosa mas alarmante, concluo que a maior parte dos livros que são comprados são para oferta. Pobres livros, quantos deles serão comprados por real vontade de os ler? Quantos não chegam a ser folheados?

Lucas Cranach o Jovem



Cristo e a adúltera

"A lei de Moisés ordena que a apedrejemos; mas tu o que dizes?" "Aquele de vós que não tiver pecado que atire a primeira pedra." E os que isto ouviram, condenados pela própria consciência, sairam um a um.

Em nome de Alá

Mulher adúltera condenada à morte por apedrejamento no Irão. Há a possibilidade de ser simplesmente enforcada ou de a pena ser comutada para chicotadas (costumam ser umas centenas).

sexta-feira, outubro 14

China e América Latina

As motivações da China na América Latina analisadas por Alvaro Vargas Llosa aqui. A Cuba e à Venezuela, diz o autor, os chineses preferem o Chile.

quinta-feira, outubro 13

Prémio Nobel da Literatura

Da literatura ou do politicamente correcto?
As peças que escreveu são de boa qualidade. Como os romances de Saramago. Mas ele há coincidências.

Mulheres em casa às 6 da tarde

É directiva recente do ministro da cultura do Irão. Depois das 6, a presença das mulheres nos locais de trabalho não é tolerada pelos actuais governantes.

terça-feira, outubro 11

Factor de impacto

História e comentários sobre uma ideia inocente tornada um bom negócio.

domingo, outubro 9

Resumo eleitoral

1. Conquistas e reconquistas: foi ocasião para recordar uma discurso aprendido na 4ª classe. X conquistou esta ou reconquistou aquela ou perdeu aqueloutra. Lembrei-me dos Afonsos e Sanchos, esses grandes conquistadores.

2. Quem verdadeiramente perdeu? Os eleitores castigaram, obviamente, a justiça portuguesa, elegendo Fátima e os outros.

3. Algumas intervenções da noite televisiva foram muito divertidas e dignas de passar na SIC-radical. Estou a lembrar-me de Avelino. Num outro estilo, mas muito fofinha, estava a esfuziante Odete.

4. A grande notícia é que chove em Lisboa há várias horas. Já posso deixar a torneira a correr ao lavar os dentes.

Adenda: Tenho que reconhecer que nem tudo foi desperdício nas despesas de campanha. Em viagem pelos arredores de Lisboa no fim de semana, pude ficar a saber facilmente onde me encontrava, apesar da defeituosa sinalização de estradas e localidades: bastava ir atento às caras que apareciam nos cartazes afixados pelas diversas forças e fraquezas políticas.

Teodiceia

Podemos descansar. Afinal parece que a citação sobre a comunicação de Deus com Bush não estava correcta. Se assim não fosse, dado o pronto desmentido de um porta voz do presidente e o facto meridianamente claro para a opinião culta ocidental de que Bush é mentiroso, poderíamos estar perante um verdadeira revolução no conhecimento: uma prova indirecta, mas muito sólida, da existência de Deus.

terça-feira, outubro 4

Enigmas e paradoxos

Daqui a poucos dias vamos votar. Com a classe profissional que melhor conheço - os professores de vários graus de ensino - como matéria de devaneio escrevinhante em roda livre, ocorre-me uma série de afirmações e perguntas. É claro que não tenho fundamentação para as primeiras e há uma grande arbitrariedade na escolha das segundas. Também por isso, onde se fala de professores poder-se-ia falar de outra classe. Vamos lá então:

Nas eleições de Fevereiro, pràí uns 80% de professores votaram em Sócrates.
Passados poucos meses, pràí uns 80% de professores, ou mais, começaram a ficar furiosos com Sócrates e a política do governo. Essa fúria não tem vindo a atenuar-se, pelo contrário. Trata-se de um caso de ingenuidade ou de falta de reflexão?

Por vezes diz-se, e acreditamos, que o povo sabe bem em quem votar, significando que tem perfeita consciência de quem é que defende melhor os seus interesses. Ora, um governo debilitado e escarnecido como era o de Santana Lopes não teria condições para tomar (nem as tímidas) iniciativas de Sócrates e que tanto têm aborrecido tantos. Os professores detestavam Santana mas não previram que ainda viriam a irritar-se mais com Sócrates.

Visto à distância, tudo isto poderia significar que o povéu vota, involuntariamente, na melhor solução para os problemas, mesmo que contra os seus próprios interesses a curto prazo. As medidas duras e necessárias passam melhor quando aplicadas por quem nos é pelo menos vagamente mais simpático. Um bébé que vai levar uma injecção chora menos se estiver ao colo da ama. "A História ensinou-nos que muitas vezes a mentira a serve melhor que a verdade" (Arthur Koestler). Estaríamos perante um mecanismo de salvação inconsciente? Ora, nem por sombras. Eu aposto no erro de avaliação.

Preocupação daqui decorrente: que grau de rigor se poderá atribuir à representação que fazemos das perspectivas de solução para o país, ou dos complexos problemas e ameaças à escala mundial mas que também nos tocam? Se nos equivocamos com a facilidade que agora se viu, que valor atribuir ao modo como encaramos, por exemplo, o problema do terrorismo, o futuro do estado social ou da União Europeia? Num referendo à questão de saber se Bush é burro, pràí 80% responderão sim. Terão razão? E, pior ainda: e se têm razão por motivos muito diferentes dos que os movem a responder que sim? Uma percentagem notável, embora menor, também há-de continuar a encontrar em Cavaco uma faceta desprezível que identificam com "cultura estreita". O homem nem sabia quantos cantos têm os Lusíadas. Quantos destes críticos se terão enfurecido com a substituição da literatura pelos regulamentos do big brother nos programas de Português? Temos opinião sobre a intervenção da NATO na questão balcânica, onde a fractura entre bons e maus não tem os contornos simplistas que parece ter em conflitos mais recentes? Sobre o modo como os aparentemente distantes China ou Irão poderão afectar as nossas próprias escolhas?

??? Que dor de cabeça.

Livrarias

Quando se sai de Portugal, mesmo as livrarias das pequenas cidades nos fazem inveja. Variedade, bom gosto editorial e preço fazem a grande diferença. Na Feltrinelli de Modena vi hoje tr^es dos meus favoritos: Tutti i nomi, 9,00eur; Il Paradiso è Altrove, 11,50eur; Scende la notte tropicale, 10eur. Ediçoes bonitas e bem impressas que apetecia trazer para casa outra vez.

terça-feira, setembro 27

Aqui ao lado

Para encontrar uma notícia relevante é necessário, neste momento trági-cómico português, olharmos para Espanha. Um tribunal julgou e condenou militantes e colaboradores da Al Qaeda, alguns com ligação ao atentado de 11/set. Questões importantes se colocam: está a justiça dos países democráticos preparada para lidar com uma ameaça tão grave e tão real como o terrorismo islâmico? Em França, novas medidas anti-terroristas estão em preparação e foram detidos elementos de células da Al Qaeda com conexão argelina. A propósito, a França manteve a posição que sabemos a respeito da intervenção americana no Iraque. Todo o ocidente é alvo.

domingo, setembro 25

Carlo Crivelli



Madonna col Bambino

(Com muita Falta de Tempo!)

sábado, setembro 17

Mais um problema resolvido

Tem causado muita apreensão a imposição aos professores de um horário fixo nas escolas, para além das aulas. Tanto quanto sei, as escolas básicas e secundárias não têm instalações que permitam a permanência dos docentes com boas condições de trabalho fora do horário lectivo. Por isso, a medida da Ministra pareceu-me sempre pouco sensata.

Mas felizmente há quem pense por todos e venha generosamente descortinar soluções que estavam mesmo à nossa frente. Nem se percebe como não as víamos. Em artigo publicado hoje na XIS (o insulto ao PÚBLICO que temos de carregar com o jornal de sábado) Daniel Sampaio oferece sugestões de possíveis actividades docentes e respectivos locais de realização. Vou citar e juro que não vou inventar nada, até porque não pretendo os louros da descoberta:

Reunião do conselho de turma. Local: recanto da sala de professores

Atendimento de alunos. Local: refeitório

Apoio a alunos com dificuldades. Local: o mesmo do ponto anterior

Atendimento de pais: recanto do ginásio

Decoração da escola. Local: corredores mal pintados

Debates e recepção a personalidades na escola: recanto da sala de profs, recanto do ginásio

Conversa com os auxiliares de acção educativa: mesa do funcionário ou recanto do corredor


O INIMIGO PÚBLICO de ontem abriu concurso para novos colaboradores, encorajando a submissão de artigos com um humor de tipo novo. Terá havido troca nos suplementos a que o escrito era destinado?

NOTA. Em artigos sobre o início do ano escolar hoje insertos na XIS podem encontrar-se as seguintes expressões:

fichas de trabalho e auto-conhecimento

competências que permitam a apropriação pelos alunos de métodos de estudo e de trabalho que promovam uma maior autonomia das aprendizagens

estabelecimento de objectivos pessoais significativos e do desenvolvimento das concepções de si próprio

são os alunos os protagonistas do processo educativo, personagens que tomam nas suas mãos as rédeas do aprender

o estudante (…) munido de uma diversidade de conhecimentos e estratégias, exerce em pleno as suas capacidades de decisão e reflexão

cabe aos educadores orientar e monitorizar o aprender a aprender


Já lemos isto em algum sítio, ou não? Agora a XIS divulga extractos da produção ideológica do Ministério da Educação.

Ver DVD é pós moderno e não linear

Na sua coluna de 14 de setembro no PÚBLICO, E. Prado Coelho mostra-se extasiado com o DVD: Com o DVD “transgredimos… a linearidade da leitura”; "É permitido parar, analisar, comentar. Leva a uma deslinearização da cultura, que é uma das características da pós-modernidade. Não há começo nem fim, estamos sempre no meio”

O DVD é bué de fixe, mas não sei se uma tal euforia teorizante se justifica. Ver e rever também se podia fazer antes do DVD, nos cinemas de sessões contínuas ou vendo os filmes mais de uma vez. Claro que se perdia mais tempo e as funcionalidades do DVD dão-nos opções novas, mas duvido que os projectistas desta maravilha técnica se sintam pós modernos lá por isso.

Esqueceu EPC que o DVD pode também contribuir para a linearização da cultura. Se há filmes onde tempo e espaço são manuseados de forma inteligente e não trivial, acrescentando valor e significado à narração (exemplo no cinema recente: Jackie Brown, de Tarantino) outros há que baralham o tempo de forma arbitrária (exemplo: 21 gramas) transformando uma história banal num shuffle gratuitamente enigmático. O DVD seria útil, em casos como este, para repor a linearidade, isto é, ver as coisas por uma ordem mais razoável.

sexta-feira, setembro 16

Ser e não ser

Eu sei que sou muito chato com este assunto, mas se juízes podem ler na constituição que é normalíssimo eles próprios fazerem greve, não sei porque é que não há-de ser normal considerar simultaneamente que em 15 de setembro começa, e não começa, a nova sessão legislativa.

Ah! pois. Deve ser por isso que ontem um deputado do PS sugeriu que se pedisse um parecer ao Pai Natal.

quinta-feira, setembro 15

O perfil

"Eu penso que o dr. Cavaco Silva, que é um homem sério e respeitável, não tem, a meu ver, um perfil para Presidente da República, nem a formação humanista que deve ter".

Dito por Soares à Rádio Alfa, que afinal se verificou ontem ser também uma televisão (as declarações passaram com imagens num dos nossos telejornais).

Concordo absolutamente, sem ter a certeza de que Soares tenha querido dizer isto: um homem sério e respeitável corre o risco de destoar na peculiaríssima campanha recém iniciada. Ou talvez Soares tenha querido dizer simplesmente que Cavaco deveria ir tirar uma licenciatura em Direito antes de se candidatar a PR. Não sei. Mas tenho poucas dúvidas de que Soares acredita (como se diz agora nos jornais e rádios) que Cavaco tem perfil para candidato a PR, e que a ausência da candidatura de Cavaco mergulharia a pose de Soares num vazio sem sentido.

Robert Wise, 1914-2005

terça-feira, setembro 13

Enigma constitucional

Fala-se, e com razão, da questão militar; os exegetas esquadrinham a lei em busca de razões que lhes convenham; mas eu continuo mais intrigado com o caso do órgão de soberania que ameaça fazer greve.

domingo, setembro 11

Memória de Nova Orleães: os pobres




BLANCHE: Não vou ser hipócrita. Vou dizer honestamente o que penso e criticar. (Olha para o quarto.) Nunca poderia imaginar, nunca… nunca… nem nos piores sonhos. Poe… talvez Edgar Allan Poe pudesse admitir… (Aponta para a rua) E lá fora… o bosque assombrado, o domínio dos vampiros! (Ri)

STELLA: Não, minha querida, é apenas o caminho de ferro.

BLANCHE: Não, agora a sério. Porque não me disseste? Porque não me escreveste? Porque não me puseste ao corrente?

STELLA: Ao corrente de quê, Blanche?

BLANCHE: Oh! De quê. De que vivias numas condições destas.

STELLA: Não achas que exageras? Não é assim tão mau! É Nova Orleães… não é como outras cidades.

BLANCHE: Não tem nada a ver com Nova Orleães! Também poderias dizer… Oh! Desculpa, minha querida… não se fala mais nisso.

(Tennessee Williams, Um eléctrico chamado desejo)

Memória de Nova Orleães: os ricos


Mansão no estilo gótico-vitoriano do Garden District de Nova Orleães. Já não é verão, mas ainda não é outono. Jardim fantástico ao fundo, com floresta tropical, do período dos fetos gigantes.



SRA. VENABLE: O meu filho andava à procura de Deus, ou melhor: de uma imagem clara e nítida de Deus. No dia que lhe contei, um dia escaldante – o doutor conhece o sol do equador? – ele deixou-se ficar todo o dia no cesto da gávea a contemplar a praia. Só desceu quando estava escuro demais para ver. Já cá em baixo, disse-me: “Mãe, desta vez vi-o!” Depois teve febres e delirava com o que tinha visto…

DOUTOR CUKROWICZ: E era caso para isso, e até para perder a razão, se o seu filho pensava ter visto uma imagem de Deus nesse espectáculo a que assistiram nas Encantadas: criaturas do ar pairando e descendo sobre criaturas do mar, devorando as que tinham a pouca sorte de ter nascido em terra, de não ser suficientemente hábeis e rápidas rastejando até ao mar. Compreendo que tal espectáculo possa ser equacionado com vivência, experiência, sei lá… mas não com Deus! A senhora compreende?

SRA. VENABLE: Doutor Cukrowicz, embora membro razoavelmente leal da Igreja Episcopal Protestante, compreendi perfeitamente o que o meu filho quis dizer.

DOUTOR CUKROWICZ: Que nos devemos erguer acima do próprio Deus?

SRA. VENABLE: Não. Quis dizer que Deus nos mostra uma face hedionda e nos atira à cara palavras crueis. Que isso é tudo o que vemos e ouvimos dele.

(Tennessee Williams, Bruscamente no verão passado)

domingo, setembro 4

Rafaello Santi



Madonna com menino

Coragens

Sarah Mendley, britânica de origem iraquiana, 23 anos, favorita no concurso de Miss England, quis mostrar que há mulheres britânicas atraentes de origem iraquiana que têm orgulho em serem tanto britânicas como iraquianas. (Também no PÚBLICO de hoje, sem link.) Está disposta a enfrentar as críticas dos chefes religiosos muçulmanos e tem o apoio da família. Havendo 2 milhões de muçulmanos no Reino Unido e sabendo-se que franjas dessa população propiciaram o aparecimento de células de militantes fanáticos, parece fora de dúvida que Sarah Mendley é, além de atraente, muito corajosa.

Mais corajosa, certamente, do que os participantes em marchas contra a guerra no Iraque e a chamar nomes a Bush (mesmo que se pense que a guerra e Bush merecem críticas). Vivemos em democracia e felizmente os autores desses protestos, tornados lugar comum normalmente pouco reflectido, não enfrentam qualquer risco. Mas eu desconfiaria sempre das manifestações públicas, realizadas entre nós, cujas palavras de ordem também poderiam ser autorizadas pelas actuais autoridades de Teerão e mereceriam a aprovação entusiástica do Hamas e dos Taliban.

quinta-feira, setembro 1

A síndrome da Rolling Stone

1. A Rolling Stone publicou ontem a lista dos “500 melhores” albuns. Constato surpreendido que, apesar de ter deixado de seguir com atenção o género de música em causa há mais de 30 anos, nas primeiras dezenas de classificados, e em muitos outros lugares da lista consultados ao acaso, encontram-se LPs editados nos anos 60 e 70, que conheci e escutei naquele tempo. Publicando-se cada vez mais música de todos os géneros, parece-me que é enviesado afirmar que não surgiu nada melhor, digamos, nos últimos 10 anos. Tenho, aliás, a impressão contrária. Não me dei ao trabalho de ver como foi elaborada a lista, mas deduzo que os votantes são velhotes com o gosto congelado nos produtos dos anos 70.

2. O espectáculo da campanha para as presidenciais, já teve dois pontos altos: o da tristeza da candidatura semi-abortada de Alegre e o do alegre e animado anúncio de Soares. Alegre pensa que é alternativa a Soares, mas não me lembro de ele ter explicado onde estão as diferenças. Só me lembro de relatos sobre afectos magoados e traídos.
Quem se lembra de alguma posição política de Alegre distinta das de Soares? Soares afirma ter aprendido imenso nos últimos dez anos. Não duvido. Além disso tem vindo, quem sabe se conscientemente, a posicionar-se, ao adoptar uma postura mais à esquerda do que as que lhe conhecíamos, para esfarelar qualquer veleidade de outra candidatura na área. Alguns dizem que ele nem teve a delicadeza de mencionar Alegre. Não é assim: ele disse explicitamente que tinha avançado por constatar o vazio. Que petulância, arrogar-se a capacidade de competir nestes palcos; já teve a vice-presidência da A.R., esse prestigioso pilar da soberania, que mais quer a irrisória criatura? pensou, talvez.

De política propriamente dita Alegre disse quase nada e Soares enunciou generalidades politicamente correctas (com humor pelo meio, reconheça-se) e politicamente perigosas.

Alegre, Soares. Sem prejuízo de lhes reconhecer méritos, tanto um como outro parecem ter o pensamento político congelado no tal mundo dos anos 70. (Para não mencionar Jerónimo, é claro.) Não é normal que naquela área não tenha surgido nada de novo, para melhor. Alegre, Soares, Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band: é a síndrome da Rolling Stone.

segunda-feira, agosto 29

Cada macaco no seu galho

Por ter referido os anos 70 no post anterior, veio-me à memória um detalhe, que ainda me faz sorrir, dessa época que já parece tão longe.

No princípio dos anos 70 começaram a aparecer entre nós os grupos de teatro que queriam romper com as formas clássicas de actuação. A sua bandeira era estética e política. O aspecto anedótico a que quero referir-me é que começou a ser moda provocar a intervenção do espectador na representação. Este desígnio estava em consonância com teorias da arte de acordo com as quais todos têm capacidades que vale a pena mostrar e, em última análise, tudo é arte. Lembro-me de ter contactado com o fenómeno pela primeira vez num teatrinho dos arredores de Lisboa: às tantas os actores ficaram imóveis, deitados no palco, à espera de um estímulo vindo da plateia para continuarem (não me lembro como se desbloqueou a situação). Anos mais tarde, num espectáculo no Chapitô, a que pensava que ia assistir descansado, obrigaram-me volta e meia a levantar-me e agitar um lençol, em conjunto com outros espectadores, para simulação de ondas numa cena que se passava num barco. Noutros casos, cheguei a ser chamado ao palco para fazer já não me lembro o quê.

Como não me dá tranquilidade saber que provavelmente sou chamado à acção quando o que quero é simplesmente ver um espectáculo, passei a perguntar, sempre que ia comprar um bilhete, se alguém iria pedir-me para fazer alguma coisa, caso em que a compra seria imediatamente anulada. Quando pago um bilhete, não é para trabalhar.

É provável que ainda haja vestígios daquela moda, mas tanto quanto me apercebo ela foi desaparecendo, ou pelo menos foi-se tornando menos frequente. No entanto, o princípio subjacente sobreviveu noutras formas: no jargão dos modernos pedagogos, por exemplo, o professor é apenas um facilitador da aprendizagem e, no limite, dentro da sala de aula todos aprendem e todos ensinam. (Também gostam muito, aliás, de falar dos actores do processo de ensino-barra-aprendizagem.) Trata-se, claramente, de uma confusão deliberada de papéis, como no teatrinho de vanguarda.

domingo, agosto 28

Imobilidades

Nos últimos dias voltou a estar em causa o valor da coerência, a propósito da lamentável carta aberta (no PÚBLICO) de Maria João Seixas a Helena Matos. Ainda há pouco tempo, tendo o falecimento de Cunhal em pano de fundo, se tinha falado desta escorregadia qualidade e ela não saiu muito bem tratada da discussão.
Não vejo nada de extraordinário no percurso de Helena Matos. Por um lado, todos nós, que já tivemos 20 anos, sabemos que por vezes nessa idade se adoptam resoluções e atitudes por mero impulso ou por razões de afectividade, mais consciente ou menos consciente. Por outro, a informação de que se dispunha nos agitados anos de 74 e 75 não era, apesar de tudo, a que temos hoje e um punhado de importantes lições da história ainda estavam por nos esmagar com as suas evidências. A multiplicidade de projectos políticos que explodiram à luz do dia no final da “longa noite fascista” também ajudava à confusão.
Com a experiência e a reflexão, as pessoas mudam, e ainda bem. Ainda bem, em particular, no caso de Helena Matos, certamente uma das mais interessantes e lúcidas autoras de crónicas na nossa imprensa. Ela está a prestar um serviço bem mais importante do que o que prestaria se, por imobilismo intelectual, se limitasse a engrossar a coluna dos discursos previsíveis, como MJS gostaria.

De resto, as mudanças ao longo da vida são comuns e naturais, e não apenas no campo das preferências políticas. Não mudar parece mais estranho do que mudar.

Por exemplo: por volta dos 10-12 anos, lê-se as aventuras dos “cinco”, na casa dos 20 ouve-se e goza-se com a música pop ou rock do tempo, mas com certeza que MJS não achará normal que se fique agarrado a esses gostos toda a vida. Eu sei que há muitos cinquentões que vão aos concertos dos Rolling Stones e que Harry Potter e o Senhor dos Anéis são as delícias literárias quase exclusivas de alguns adultos. Não será o caso de toda a gente, mas há quem fique com os seus gostos congelados e reduzidos aos padrões da adolescência tardia. A falta de amadurecimento e reflexão pode explicar alguma dificuldade em compreender e analisar alguns aspectos da nossa realidade e marcar negativamente as escolhas individuais de que depende o futuro colectivo.

sexta-feira, agosto 26

Dois pontos

O activismo de Cindy Sheenan está a revelar-se um embaraço significativo para Bush e para os defensores da invasão do Iraque. A constatação deste facto sugere duas reflexões. (Nenhuma delas tem a ver directamente com a situação no Iraque.)

Primeira: há um preconceito, não expresso, por detrás dos receios daqueles que colocam a posse de armamento de destruição maciça por parte dos EU, ou por parte de estados párias ou grupos terroristas, ao mesmo nível de perigosidade; alguém imagina um movimento de simpatizantes do Ocidente a ter uma tal expressão pública no Irão ou na coreia do Norte, por exemplo? A assimetria é demasiado evidente.

Segunda: o caso Sheenan é um exemplo de como a corrente mediática mainstream transmite a informação de forma superficial e parcial. Não há nada de estranho no facto de uma mãe chorar um filho, ou em nisso encontrar um impulso para o seu activismo político. Mas o caso é menos simples quando se aprofunda o curriculum da Sra. Sheenan. Por exemplo, em Abril, participando num meeting na Universidade de San Francisco,




Cindy Sheenan teceu fortes elogios a Lynne Stewart, defensora de terroristas. Lynne Stewart foi advogada do responsável pelo atentado ao WTC em 1993; foi recentemente condenada por conspiração e auxílio ao terrorismo e por passar mensagens do seu cliente, na prisão, para um grupo cúmplice no Egipto. Um colaborador de Stewart, igualmente condenado, trocava informações com a Al Qaeda. Os pormenores contados por Lee Kaplan aqui.

quinta-feira, agosto 25

Leituras de Agosto

Em Memórias de duas jovens casadas, que, sem ser do melhor Balzac, é uma novela epistolar notável, há uma passagem deliciosa em que Louise descreve o choque que sente ao verificar que, na grande cidade, não é alvo de atenção, apesar de ser uma rapariga bonita:

Finalmente vi Paris! (...) Eu ia bem vestida, com ar melancólico mas disposta a rir, rosto calmo sob um chapéu lindíssimo, braços cruzados. Não obtive o menor sorriso, nem um só rapaz se dignou parar, ninguém se voltou para olhar para mim, e no entanto a lentidão da carruagem estava em harmonia com a minha pose. (...) Um homem examinou demoradamente a carruagem sem me prestar atenção. Esse lisongeiro devia ser cocheiro. Enganei-me na avaliação dos meus trunfos: a beleza, esse privilégio raro que só Deus concede, é, pois, mais frequente em Paris do que eu pensava.

terça-feira, agosto 23

O outro lado do problema

Por muito grave que tenha sido a morte trágica de Jean Menezes aos disparos da polícia britânica, por muito que se imponha apurar a verdade dos factos até ao fim, não se correrá o risco, com os fortes ataques de que a polícia vem sendo alvo, de enfraquecer a luta contra o terrorismo? Afinal, no dia 7 de Julho, 56 cidadãos foram mortos por assassinos saídos da sombra, disfarçados de pessoas como nós.

Convém não esquecer.

domingo, agosto 21

Camille Paglia sobre arte, academia, multiculturalismo, política...

Escreveu livros e artigos sobre arte, literatura, feminismo e política. Professora na University of the Arts in Philadelphia. Excertos de declarações em entrevista por Robert Birnbaun, 3 de Agosto
* * *

Para responder à grande arte, as pessoas de esquerda têm de aprender sobre o impulso religioso. Eu respeito o misticismo e a dimensão espiritual, embora não acredite em Deus. E afirmo que o humanismo secular actual, ao denegrir a religião, é meramente reaccionário, corrupto, ou o que se queira.

Os artistas, as universidades, as escolas, têm a obrigação de trazer a arte para primeiro plano. Em vez de 30 anos a dizer mal da cultura ocidental...
Sou pelo multiculturalismo. Tem a ver com as grandes tradições artísticas, sejam chinesas, hindus, seja o que for que percorremos em termos históricos – valor, grandeza, qualidade. (...) A ideia de qualidade tem sido afastada da discussão sobre a arte nas nossas universidades porque “Bem, não passa de uma máscara da ideologia. Não existe valor. É tudo subjectivo. Para quem quer manter o próprio poder.” É este lixo que se ouve.

Estamos a ter pior escrita, pior arte. O estilo da web(…) absorve-se informação sem ler frases completas. Email, blog, tudo é rápido, rápido, rápido. Por isso a qualidade da lingaugem degenerou.

Compete aos professores repor o equilíbrio a favor da arte e é aí que a educação na América está a falhar. Há uma espécie de mentalidade boazinha, humanitária, estilo “Vamos à nossa quota, vamos ler o poema tal do Africano-Americano, o poema tal do Nativo Americano.” De qualidade não se fala. (...) A extrema direita quer proibir o que tem a ver com sexo – nus na história da pintura. A esquerda quer proibir o que tem a ver com religião.
A maior parte das pessoas que são humanistas seculares crêem que estão a proceder bem. Estamos a proceder bem e o nosso único inimigo é a extrema direita ancorada na Bíblia. A razão por que é esta a ameaça é que eles têm a Bíblia. A Bíblia é uma obra prima. A Bíblia é uma das maiores obras já produzidas. Quem tem a Bíblia tem uma preparação para a vida. Não só dispõe de uma visão espiritual, como também goza de satisfação artística. Na Bíblia está tudo. A esquerda o que tem? Tem muita atitude.

Os esquerdistas supostamente falam pelo povo. Na verdade desdenham do povo.

O ponto é que as pessoas não estão a votar contra os seus interesses. O seu interesse é o capitalismo. É esta a minha objecção. Comparando a experiência do século 20, o socialismo numa nação acaba por arrastar a estagnação económica e do impulso criativo. O capitalismo, apesar de todos os seus defeitos, apesar de ser Darwiniano, fabricou uma qualidade de vida elevada. E, esta é para mim a questão principal como feminista: foi o capitalismo que permitiu a emergência da mulher independente moderna, liberta pela primeira vez de pais, irmãos e maridos – uma mulher que se basta a si própria.

É preciso varrer toda esta droga pós-modernista e estruturalista que não produziu nada a não ser postos académicos, promoções e salários de sucesso. Esta ingenuidade da imprensa alternativa a respeito da academia. A ideia de que gente que balbucia trivialidades esquerdistas é de esquerda. Conheci gente dessa na universidade. São apenas materialistas grosseiros, ok?

Sobre a complexa situação no Iraque

Carta aberta aos intelectuais europeus de Brendan O'Leary, professor de Ciência Política na Universidade de Pennsylvania.

sábado, agosto 20

Breve memória da estação idiota




Falta de estudo: foi anunciado, já não me lembro bem quando, que o governo iria gastar uns euros para dotar cada português de correio electrónico (ce), a começar pelos funcionários públicos. Ora, além de os funcionários públicos já disporem, normalmente, de ce nos respectivos locais de trabalho, o governo deveria estar informado de que, assim como cada famíla tem, normalmente, 2 casas, 2 carros, 6 aparelhos de tv e 6 telemóveis, cada português tem uns 3 ou 4 endereços de ce, que funcionam bem e são gratuitos. Pelo contrário, acesso à internet barato é que não. Certamente que não foi feito um "estudo" conveniente da situação.

Excesso de estudo: através de um anúncio para recrutamento de pessoal docente, fiquei a saber que na Universidade de Évora são leccionadas disciplinas com os seguintes nomes: Alojamento e desenvolvimento turístico, Práticas de operadores turísticos e Teorias do Turismo.

A escola pública não veicula ideologia? A respeito de escola pública versus escola privada, trocaram-se argumentos (e também alguns insultos) no PÚBLICO, entre Mário Pinto e Vital Moreira. No artigo de Vital Moreira, publicado em 9 de Agosto, é referido o "impedimento... de o Estado programar o ensino público de acordo com quaisquer directivas filosóficas, ideológicas ou religiosas". Para o autor, este é "o grande argumento a favor da escola pública". Ora, se este considerando parece perfeitamente razoável em abstracto ele é origem de um tremendo equívoco quando se olha de perto a realidade que temos. Assim, julgo que a afirmação de que na escola pública "nem professores nem estudantes estão sujeitos a orientações nem a directivas ideológicas ou doutrinárias" é facilmente desmentida pelos factos.

Ao fazer esta observação não estou a pensar em matérias que podem ser fonte de polémica fácil, como certas disciplinas do âmbito das ciências humanas ou a educação sexual. Estou antes a pensar no ensino de uma disciplina que posso apreciar com bastante conhecimento de causa: a matemática. Basta examinar os programas oficiais, ou o modo como são concretizados em textos do ministério ou em alguns manuais disponíveis e utilizados nas escolas, para que identifiquemos traços de uma ideologia plasmada nas indicações metodológicas, que são mais desenvolvidas do que os póprios tópicos do programa e espartilhantes da liberdade e da iniciativa do professor. São exemplos: a recusa do domínio das técnicas de cálculo e da utilização da memória; a utilização de calculadoras em contextos onde isso não é recomendável; a ocultação deliberada de certas conexões lógicas entre matérias relacionadas, ferindo assim a essência da disciplina. As indicações são ricas em chavões como temas transversais, formas de organizar pensamento,desenvolvimento de atitudes e capacidades, construção de conceitos a partir da experiência de cada um, área de projecto...

À primeira vista, poderia julgarar-se que se trata de indicações recomendáveis por via de validação científica. Mas jamais foram exibidos estudos que suportassem tais escolhas. E seria surpreendente que eles existissem, pois o que mostra a realidade dos resultados de avaliações em anos recentes (com estas formulações de programas em vigor) estaria em profunda contradição com aqueles princípios. Por conseguinte, é de ideologia que se trata.

Quando um blog fecha para férias...




... só se pode concluir que blog é trabalho.

sexta-feira, julho 29

terça-feira, julho 26

Dos direitos em abstracto às políticas concretas

Há poucos dias escrevi sobre a Xis a brincar. Hoje volto a escrever motivado pela Xis, mas o assunto é sério.

No último sábado, a revista organizou uma série de artigos sobre homossexualidade. Incluiu declarações de Miguel Vale Almeida, com destaque para a frase: "Achei muito cedo que tinha todo o direito a ser homossexual."

Que há nisso de extraordinário, perguntará quem está a ler. À primeira vista nada, porque felizmente vivemos num lugar e num tempo em que é reconhecido a cada um o direito de viver a afectividade de acordo com o que sente por dentro e não segundo uma imposição social. Em segunda leitura, no entanto, chama-me a atenção a falta de rigor implícita ao omitir-se que um direito só existe ligado a um lugar e a um tempo. É útil e importante afirmar os direitos e lutar por eles mesmo quando parecem apenas utopias, mas na ausência de determinadas condições de evolução social eles permanecem isso mesmo - utopias. A bem da clareza, o Professor de Antropologia poderia ter dito: "Pude afirmar-me homossexual desde muito cedo porque tive a sorte de nascer na Europa ocidental, na segunda metade do século 20." Bem sabemos que continua a haver incompreensões, intolerâncias e até perseguições por parte de alguns grupos, mas o certo é que, exceptuados casos pontuais, a referida "afirmação" não envolve riscos significativos.

O autor da frase sabe muito bem que ela seria completamente desprovida de sentido se o lugar e o tempo fossem os da URSS, Cuba, certos países africanos, ou países muçulmanos nos nossos dias (o que se passou há uma semana no Irão é elucidativo)...

Na Europa, ou, se quisermos ser mais abrangentes, no "ocidente", onde a herança clássica e cristã moldou a civilização que porventura mais respeita o indivíduo (além de permitir acesso a bens materiais a uma larga maioria da população) é possível, felizmente, afirmar características pessoais que noutros sítios podem valer uma sentença de morte. Trata-se de uma circunstância, entre muitas, que deveriam ser suficientes para alinharmos na defesa do nosso modelo - mesmo que possamos reconhecer-lhe imperfeições e erros - em vez de o subestimarmos pela óptica multiculturalista em voga.

Só para dar um outro pequeno exemplo: em que outro mundo seria possível fazer carreira profissional investigando sobre género, sexualidade e corpo? Também aqui o lugar e o tempo não são indiferentes. Foram as universidades dos países anglo-saxónicos, de resto, que conferiram estatuto científico a tais matérias...

Estas omissões não me parecem inocentes. Elas são condicionadas por preconceitos ideológicos que se traduzem em atitudes políticas nocivas. Cada cidadão é livre de se posicionar ao lado das forças que criticam a necessidade da luta contra terroristas que pretendem transformar todo o mundo num imenso pesadelo islâmico; se o faz é porque desvaloriza completamente a ameaça. Paradoxalmente, a nossa sociedade gerou em si o melhor aliado do seu inimigo mais mortal: um aliado que até lhe fabrica argumentos. A Al-Qaeda forjou e tirou espectacular partido do 11 de Março não por Aznar ter apoiado a invasão do Iraque, mas principalmente porque no dia 14 ia a votos um grande partido que defendia posições que os terroristas souberam comprar e capitalizar como suas. Ao fazer o jogo do inimigo, colocamo-nos na sua mira.

Também por isso discordo do Professor por a candidatura de Soares lhe merecer apenas um bocejo: acho que é motivo de grande inquietação.

Carpaccio




Cristo morto sustido por anjos

domingo, julho 24

Acho que eles não estão a ver o problema

Com o país à beira da falência e a arder, e com o mundo à volta mergulhado em incerteza e insegurança, eles acham que o problema é que X esteja disponível para enfrentar Y, ou que Z venha afirmar o seu apoio a W. Como se as suas figurinhas é que determinassem o jogo. Têm um grande ego estes políticos. Os jornais e as rádios e tvs alimentam-nos. Ou lhes está a escapar alguma coisa a eles, ou me está a escapar a mim.

Cegueiras

Este ano passou o 30º aniversário da proclamação da República Democrática do Cambodja por Pol Pot. Nos quatro anos que se seguiram, o regime de terror que se instalou foi aniquilando metodicamente a população do país, que reduziu de praticamente 1/4.

O anti-americanismo era então galopante na Europa, particularmente em resultado da guerra do Vietname. Apesar dos testemunhos do horror, a imprensa saudou e apoiou o déspota e calou o genocídio. A universidade e alguns dos seus gurus, ainda hoje muito apreciados em certos meios políticos, deram o seu contributo para uma visão distorcida que se impôs durante mais tempo do que seria razoável, se uma cegueira colectiva não tivesse atacado em força as elites bem pensantes da Europa e também da América.

Hoje, as nossas rádios e jornais falam frequentemente de "resistentes" quando referem os grupos de criminosos que se dedicam a fazer ir pelos ares os seus próprios compatriotas no Iraque.

quinta-feira, julho 21

falta de tempo entrevista Luarinda Elvas

Praí uns 20% dos leitores deste blog, isto é, 6, já terão notado que uma das nossas embirrações de estimação é a Xis, que somos obrigados a comprar com o PÚBLICO ao sábado. Andávamos por isso há muito tempo a tentar obter uma entrevista imaginária com a directora. Finalmente aconteceu.

FT: Luarinda, pode explicar ao FT como teve a ideia de pôr em causa o mito da importância da beleza física na felicidade e no sucesso?

LE: É todo um projecto de renovação editorial que temos em vista. Quer nos artigos de fundo quer nos que dedicamos aos cuidados com o sol e a pele vamos passar a valorizar a beleza interior, utilizando fotografias de gente bonita por dentro, apenas. Já abrimos concurso de casting.

FT: Isso é interessante.

LE: Sim, é um conceito totalmente novo que vai ter impacto noutras áreas. A produção de novelas para a TVI já nos comprou a ideia. A próxima telenovela já vai ser filmada com aparelhos de raios X em vez do vídeo convencional.

FT: Adiante. Que comentário faz sobre os boatos de que é a própria Luarinda que escreve as cartas das leitoras?

LE: É verdade. Eu costumo fazer tudo. Costumo escrever inclusivamente a coluna do Dr Çampaio, que por troca escreve o editorial.

FT: Não me diga que também escreveu o prefácio do Prof. Morcela para o seu livro.

LE: Por acaso escrevi. O que ele escreveu foi o livro, mas achou que era mais prestigiante aparecer como prefaciador, e o editor apoiou a ideia.

FT: Que nos vão proporcionar os próximos números da Xis?

LE: Além de muitas fotos de pulmões, colunas vertebrais e ilíacos, vamos incluir várias ecografias renais e prostáticas trans-rectais. Teremos um dossiê organizado pela Dra Ana Conivente sobre o ensino da auto-estima desde o 1º ciclo do básico, com a proposta de que as crianças aproveitem o recreio para lavar carros na área escola.
Não sei se fui clara.

FT: Como a luz do dia, Luarinda. Quer deixar alguma mensagem para os leitores do FT?

LE: Eu tenho tempo para tudo, tal como o Dr Çampaio e o Prof. Morcela. Por isso não tenho nada a dizer.

quarta-feira, julho 20

Edvard Munch



Leito de morte

Canção sobre a morte das crianças

Nun will die Sonn' so hell aufgeh'n
Als sei kein Ungluck die Nacht gesche'n.
Das Ungluck geschah nur mir allein;
Die Sonne, sie scheinet allgemein!

O sol acorda agora, brilhante
Como se a tragédia da noite não tivesse acontecido.
A tragédia caiu apenas sobre mim
Mas o sol continua a brilhar para todos!

terça-feira, julho 19

Alonso Cano



Cristo morto sustido por um anjo

domingo, julho 17

Deslocalização do medo

Pronto, já fui ver a Guerra dos Mundos. Resultado: Spielberg vai ser riscado da minha lista de favoritos. O texto inicial narrado por Morgan Freeman parece a antecâmara de uma cerimónia que se descobre não existir. Por muito competente que seja a produção de alguns efeitos especiais, o desastre do argumento afunda o projecto. Mais importante do que isso, o filme é vítima da deslocalização do medo no mundo e no tempo em que vivemos. O realizador não previu que os efeitos devastadores da realidade iriam transformar a sua fabricazinha de terror num brinquedo inocente. Como se os onzes de setembro e março não bastassem, King's Road, em 7 de Julho, dias depois da estreia do filme, veio tornar irrisórios os trípodes comilões que parecem saídos de um saldo de material concebido para um filme série B nos anos 80 ou 90. Em contraste com o medo que nos gela em 2005, Spielberg serve-nos maquinaria de pechisbeque e destruição apoiada no espalhafato do dolby digital 5.1.