quarta-feira, janeiro 31

À flor da pele

Um leitor do PÚBLICO mostrava-se ontem incomodado com uma crónica recente onde Eduardo Prado Coelho nos revelou o seu êxtase - justificado - perante esfoliantes, hidratantes e cremes para as rugas masculinas. É razão do desagrado o facto de se tratar de um desperdício da coluna de E.P.C.: um homem de esquerda, bem pensante, vem ocupar a sua crónica com cosméticos para homens! coisa que o leitor (apesar de mais novo que E.P.C.!) aprendeu ser mais adequada a mulheres ou efeminados. Naturalmente, segue-se o anátema: depois disto, o leitor considera E.P.C. incapaz de emitir qualquer juizo válido sobre a sociedade portuguesa.

Que leitor tão exigente. Pegando em três crónicas de E.P.C. ao acaso, deixando de lado a série de redacções sobre O Outro, os assuntos são variados: futebol, A. João Jardim, Ségolène. Ou seja: o âmbito da suprema coscuvilhice masculina, um bombo da festa da esquerda e um ídolo recém criado da mesma. No texto sobre a candidata à presidência, Eduardo confessava-se rendido ao talento daquela mulher que, no entender dele, estava a reinventar a esquerda! (Ela até sabia falar dos problemas comezinhos de segurança.) Comparando as várias crónicas, e com a excepção de uma tomada de posição sobre a TLEBS que eu subscreveria, julgo que E.P.C. nunca esteve tão lúcido como no elogio dos esfoliantes e hidratantes. Em matéria de temas epidérmicos, não há dúvida de que emite juizos de confiança.

segunda-feira, janeiro 29

Bento e Heba

Bento XVI, 27 de janeiro: O matrimónio é fruto do consentimento de homem e mulher. A sua indissolubilidade não provém da vontade dos contraentes: é intrínseca à natureza do forte laço estabelecido pelo Criador. A mentalidade relativística, que até pode insinuar-se na comunidade eclesiástica, deixa-se seduzir por caminhos interpretativos que implicam rotura com a tradição da Igreja. Perante Deus, o matrimónio é entre homem e mulher, indissolúvel e definitivo.

Noutras paragens, a dra. Heba Kotb fala a uma crescente audiência no canal egípcio Al Mehwar, transmitido por satélite. Tentando não contradizer o Corão, aborda com frequência as posições sexuais, o orgasmo feminino e a impotência. A homossexualidade é descrita como doença, mas para já não consta que advogue a eliminação dos doentes. Recentemente aconselhou um telespectador a não se privar de sexo durante o ramadão. Os conservadores parecem andar irritados com o programa. Heba está convencida de que o Islão compreendeu o sexo muito antes do resto do mundo.

Qualquer um destes discursos tem pontos que se prestam a ser ridicularizados: a realidade nos mundos respectivos faz de algumas destas asserções meros desejos bem (ou menos bem) intencionados. No entanto, ambos vão ao encontro de um vazio nos espaços onde surgem. Falar abertamente de sexo no mundo árabe - sobretudo sendo uma mulher a fazê-lo - pode contribuir para não deixar tudo na mesma. Falar da dimensão sagrada do casamento, mesmo com o risco de irritar os defensores de causas identitárias, pode não levar muito longe, mas é um alerta sobre os riscos que corre uma sociedade em declínio biológico.

sexta-feira, janeiro 26

Área de projecto

Já se sabia que o ensino moderno proporciona às crianças muito divertimento ao mesmo tempo que pode contribuir para lhes negar o acesso ao conhecimento. Mas, cuidado, pode também causar-lhes danos físicos. Numa escola primária do Reino Unido, uma professora fotocopiou a cara de um aluno de cinco anos. Depois de queixas da criança, o hospital informou que o menino estava a sofrer de conjuntivite por exposição a luz muito forte.

Parece que o procedimento se integrava numa actividade de projecto sobre o claro e o escuro, que tinha em particular o objectivo de dar a conhecer o funcionamento de uma fotocopiadora.

Certamente pouco apta em matéria de ciência, a professora não deve ter tido oportunidade de frequentar alguma acção de formação sobre fotocopiadoras. Nada que não se possa remediar no futuro, mas será bom não esquecer, já agora, de incluir umas ideias sobre o laser, não vá uma professora noutro dia qualquer querer desaparafusar a tampa de um leitor de cd para mostrar como funciona. De resto, com a tecnologia em avanço constante, não há limite para os perigos à espreita. Claro que era mais simples exigir conhecimentos básicos aos professores e ocupar o tempo de escola com actividades em que eles pudessem ensinar matérias que efectivamente são supostos saberem. Mas, na era do "aprender a aprender", isso é já uma miragem.

terça-feira, janeiro 23

Ocidente em extinção

A parentalidade tornou-se no Ocidente um fardo que intrépidos aventureiros teimam arreigar surdos aos reparos reprovadores dos mais sensatos. Até há algumas décadas, o investimento na prole revertia ao fim de alguns anos quando aquela adquiria, bem antes da adolescência, a capacidade de arar a terra, ordenhar as vacas ou forjar o ferro e dobrava no entardecer da vida, quando a mesma assumia naturalmente o compromisso de cuidar de seus progenitores, por amor e gratidão ou simplesmente por misericórdia cristã. Depois hordas de camponeses abandonaram os campos e trilharam o caminho da proletarização na suja periferia da cidade reluzente, que garantia trabalho em qualquer estação do ano, na canícula prolongada ou no Inverno mais adverso, mas onde lições telúricas milenares se revelaram de pouco proveito. Um sistema auto-subsistente deu lugar a um outro mais complexo inter-dependente, que compartimentou os saberes e as actividades e desnorteou a sociedade. Contrariando o mais básico instinto humano, mandaram-se os filhos às urtigas assim que a multiplicação se tornou sinónimo de divisão de rendimentos. Desapareceram das ruas os risos estridentes dos gaiatos e investiu-se no planeamento familiar, essa modernidade subvencionada pelo Estado que se resumiu a impedir a concepção e a renovação geracional, a fim de prolongar a agonia do endividamento familiar por meros bens (ou males) de consumo.

sábado, janeiro 20

Conversas com mulheres em fundo

A estupidez de algumas intervenções de bispos, padres e certos grupos de católicos-pimba no duelo pelo "não" dá fôlego a intervenções inúteis dos advogados do sim. Rui Tavares, por exemplo, no PÚBLICO de hoje, refere "ameaças sérias" e "ilegais" e "chantagem" sobre os votantes. Acreditará mesmo que a excomunhão suscita temor, aqui, hoje? Quando se trata de religião, a visão crítica "progressista", ao diabolizar tudo o que tem a ver com catolicismo, não faz mais do preparar o caminho a outras ameaças, mais próximas e sérias, em termos do espaço europeu, do que a distracção permite entender. A esquerda ocidental parece nem avaliar até que ponto já venceu ideologicamente (não por mérito próprio) a batalha contra a crença religiosa. Já não há inferno. E mesmo os "crentes" não levam a sério a maior parte dos textos bíblicos que, de resto, apenas uma ínfima minoria conhecerá.

Ontem, na SIC-Notícias, repunha-se uma intervenção de Pilar del Rio, uma presença encantadora e envolvente. Ponto forte foi a força das mulheres e a submissão a que são sujeitas a nível global. Pelo meio da entrevista, e a propósito dos livros de Saramago, referiu-se várias vezes à opressão vinda do catolicismo e, claro, a Inquisição marcou o ponto.

Num filme mais recente, Ségolène acaba de anunciar que a sua primeira lei visará defender as mulheres que sofrem maus tratos.

Não há progresso social compatível com a discriminação das mulheres. Espanha e França têm segmentos importantes de população que, com base em princípios religiosos, assumem a inferiorização das mulheres. Se não o soubéssemos já, não seria por Pilar ou Ségolène que o ouviríamos mencionar.

quarta-feira, janeiro 17

Enforcar com dignidade

Os lamentos sobre as recentes execuções de criminosos no Iraque são muito curiosos. É claro que as coisas não correram bem. Para evitar comunicação indesejada, hoje em dia nem nos exames se deixa entrar alunos com telemóveis. Houve insultos - coisa completamente supérflua quando se vai tirar a vida a alguém. Houve uma cabeça cortada - raro, mas pode acontecer, diz quem sabe. Deplorou-se a falta de "dignidade" nos procedimentos. E no entanto, esquecendo já que os condenados eram criminosos que promoviam a tortura de opositores políticos com trituradores de carne (entre outras engenhocas igualmente indignificantes), aparentemente as penas foram executadas com o cuidado de tudo se passar rapidamente. Nada parecido com o que costuma acontecer quando os carrascos não têm apuro técnico ou quando deliberadamente se pretende prolongar a agonia. Ou com outras formas de executar a pena de morte em países de cultura muçulmana. E mesmo com os processos mais sofisticados de matar há sempre a possibilidade de tudo correr mal: ainda muito recentemente, uma execução por injecção letal nos EUA alongou-se por quase meia hora. Quem estuda o assunto afirma que um nó adequado e uma queda calculada com precisão minimizam a duração do sofrimento. Está tudo tabelado. Para um condenado, dignidade é antes de tudo rapidez.

Fracos argumentos

Eu tenciono votar sim, mas faz-me pena assistir à sua defesa com estes argumentos.

O tráfico ilegal de droga também gera corrupção e (muito) dinheiro sujo. Não será então pelo menos igualmente urgente legalizar o comércio de droga?

quinta-feira, janeiro 11

Três enigmas

Ando intrigado com determinadas frases que temos lido no PÚBLICO ou ouvido na tv e na rádio, em relação com determinadas notícias dos últimos dias.

Uma tem a ver com a versão portuguesa da torre de Pisa. Pisa, aqui para nós, é Quarteira, claro. Um edifício começou a inclinar-se perigosamente: fala-se de "uma declinação de 30 centímetros em relação à vertical" (comunicado da Câmara Municipal de Loulé). Que será isto? Eu não digo que publiquem no jornal a inclinação em radianos, mas já agora, se fosse em graus poderíamos formar uma ideia melhor.

O segundo mistério relaciona-se com a frota de aviões que alguns parlamentares europeus perseguem com furor. Mais precisamente: com os alegadamente desgraçados neles transportados, os quais foram descritos como "agrilhoados" ou "acorrentados". Lembrei-me logo do Ben-Hur, do Spartacus e do Conde Monte Cristo. Ainda usam correntes? Pensava que desde meados do século 18 já não se fabricavam. O que me leva a uma pergunta conspirativa: seriam mesmo aviões? Com um atraso tecnológico destes, não admira que Ana Gomes e a Visão apanhem a CIA com a boca na botija.

Finalmente o último enigma. Valentim Loureiro acaba de desmentir categoricamente, num jornal de tv, revelações de Carolina. Afirma que nunca almoçou, lanchou ou jantou com ela e Jorge Nuno. A distracção fatal pode ser aproveitada pela procuradora: VL não negou nada que pudesse envolver o pequeno almoço.

terça-feira, janeiro 9

Choque electrónico

De acordo com o PÚBLICO de ontem, o MIC de Alegre vai tomar posição, sobre o referendo a respeito do aborto, com base na opinião dos seus membros
expressa em votação electrónica.

Cá está um toque de grande originalidade e modernidade. Para quê perder tempo com discussões e confrontos de teorias? De que vale ter princípios, se temos a aritmética?

A indignação pública tem preferências

Será retomado amanhã o julgamento de Nazanin Fatehi, de 18 anos. Foi condenada à forca por ter esfaqueado um homem de um grupo de três que tentaram violá-la e atacar também uma sobrinha em 2005. O tribunal poderá comutar ou confirmar a sentença.

Nazanin poderia, claro, não ter resistido e ter consentido a violação. Nesse caso o castigo seria reduzido a cem chicotadas. (Se fosse casada poderia ser condenada a apedrejamento.)

Há na net uma petição para salvar a vida de Nazanin.

A má sorte de Nazanin é ser uma mulher anónima e ter nascido no Irão, no nosso tempo. Se tivesse a notoriedade de um déspota com muitos milhares de vítimas no currículo, por ela se reuniriam coros de indignação de governantes e outras figuras públicas contra a pena de morte, por ela se fariam greves de fome, por ela se iluminaria o coliseu de Roma.

segunda-feira, janeiro 8

Prémio Euler

O Euler Book Prize da Mathematial Association of America foi atribuído a John Derbyshire pelo seu livro Prime Obsession. Derbyshire é também um dos principais animadores do Iconoclast (um blog muito atento às tentativas de islamização do Ocidente), que fica em link aqui ao lado.

sábado, janeiro 6

A doença infantil do concreto

Um dos sintomas do retrocesso que certo "pós-modernismo" representa é a colagem infantil ao concreto e circunstancial, desprezando a capacidade de abstracção que faz parte da nossa estrutura e natureza.

Por exemplo, no ensino pós-moderno da matemática, as recomendações pedagógicas da moda pretendem que, sistematicamente, cada novo conceito seja ancorado na experiência particular do aluno. Se isto é razoável e até necessário em muitos casos, não o é por sistema; o resultado é o empobrecimento dos conteúdos, dos quais tudo o que exija uma pitada de abstracção vai sendo relegado para um plano secundário, privando os estudantes de desenvolver a capacidade de lidar com o abstracto.

Na arte contemporânea o vício do concreto está bem à vista em obras ditas de arte conceptual, que normalmente reproduzem soundbytes de uma ideologia ou tendência política que nada de novo traz à arte em questão. O vício propagou-se nas últimas décadas ao teatro e à ópera. O mais recente e mediatizado exemplo é dado pela encenação do "Candide" por Robert Carsen, que abriu um conflito com a direcção do Scala por causa da cena espúria em que actores em cuecas ridicularizam determinados líderes políticos do momento. Defende-se Carsen dizendo que "o público do Scala é suficientemente sofisticado para compreender os objectivos de Voltaire". Que falha de raciocínio! Quanto mais sofisticado é o público, menos deverá necessitar de ilustrações rasteiras para uma mensagem dotada de uma certa universalidade.

Sexo por roupas

De acordo com este artigo do Guardian, a infecção por HIV está a preocupar as autoridades no Irão. Nas boutiques de moda feminina de Teerão, jovens prostitutas vendem o corpo para comprar roupa. Ninguém parece muito informado sobre os perigos do contágio. Em tomada de posição sobre o assunto, um grupo de 17 ayatollahs desculpabiliza o uso do preservativo mas insiste na prevenção e esclarecimento.

quinta-feira, janeiro 4

Alarme na escola inclusiva

Parece que os resultados escolares dos rapazes no Reino Unido persistem ano após ano num nível inferior ao das raparigas. Christine Gilbert, inspectora geral para as escolas, acaba de publicar as suas recomendações para lidar com o problema: os professores devem dar atenção às necessidades educativas especiais dos rapazes. É preciso que as escolas invistam em materiais didácticos específicos para cada sexo. Os rapazes devem ser encorajados a não se limitarem à literatura de ficção. A conclusão não se faz esperar: rapazes e raparigas devem estar em turmas separadas.

Um relatório encomendado pelo Muslim Council of Britain não faria melhor.

Os perigos de casar por amor

Mohammad Iqbal, paquistanês, casou com Shehnaz por amor. Mas Shehnaz pertence a uma tribo diferente, onde o casamento com gente de fora não é bem visto. Um grupo de homens armados executou a vingança: cortaram o nariz e as orelhas de Mohammad, as orelhas de um seu irmão e uma mão da mãe. A família está em tratamento num hospital. (Notícia da Reuters, transcrita aqui.)