quinta-feira, novembro 18

Cada um é o que é

Portugal é diferente da Irlanda, disse ontem Teixeira dos Santos.

Espanha não é Irlanda, nem Grécia, nem Portugal, escreve hoje o EL PAÍS.

É tudo verdade. O problema é que Portugal tem precisamente o problema de ser Portugal, e, mutatis mutandis, o mesmo se dirá de Espanha.

quinta-feira, novembro 11

Insolência

Não há pachorra. Há bocado, na SIC notícias, Vítor Ramalho foi entrevistado a propósito da independência de Angola. Falou dos gloriosos tempos da Casa do Império, que criou condições para a juventude de então tomar consciência do problema colonial. Até aí tudo bem. Depois lamentou que a juventude de agora esteja a leste desse caldo do ambiente da época. Mas porque havia a juventude de agora estar preocupada com isso? Não basta já aos vintes e trintas terem de suportar uma geração de gerontes que se apossou dos empregos para a vida, deixando-lhes em testamento um futuro com trabalho e reforma incerta, mais um saquinho de dívidas para pagar enquanto forem vivos? Teriam ainda de comungar as glórias destes cotas que se estão nas tintas para o fardo que deixam em herança?

domingo, novembro 7

A mim parece-me

O PÚBLICO de ontem revelava que nos meios jurídicos se debate com ardor a constitucionalidade da redução dos salários na função pública. Há até um conhecido causídico a quem parece que não é coisa constitucional e assim o escreveu, a pedido de um grupo de professores, num texto a que se dá o nome de parecer. Parece aos envolvidos na discussão que conflituam o direito ao salário, os princípios da igualdade e da confiança, e o da proibição do retrocesso, com o princípio da urgência e o da necessidade de atenuar o défice. O princípio da igualdade parece espezinhado porque os cortes atingem apenas trabalhadores do estado.

A adesão aos formalismos da lei é também um modo de negar a realidade. A quem estas coisas parecem, qualquer ideia de que não há pagamentos com os cofres vazios deve parecer simplesmente inadmissível, por não ser mencionada nos únicos textos que conhecem de trás para a frente.

O mesmo lapso selectivo afecta as classes altas ou médio-altas da nossa função pública, desagradadas com os cortes que as vão atingir. Nem só o governo e o primeiro ministro têm vivido em estado de recusa da realidade, mentindo a si mesmos e aos outros. Uns minutos de reflexão permitiriam antecipar, pelo menos desde há dois anos, que os salários teriam que descer. Não falo sequer dos salários escandalosos de altos cargos, que excedem os dos salários congéneres em paises mais ricos e com situação económica mais sólida. Basta pensar num exemplo concreto, menos dado a controvérsias, para nos apercebermos da ilusão em que temos vivido: os professores universitários são pagos em Portugal, desde os governos Guterres, ao mesmo nível do que sucede em paises como a França ou a Alemanha. Isto tem sido visto como natural, ao mesmo tempo que se aceita que a generalidade das profissões no sector privado se aguente com vencimentos em proporção com o estado das economias. O voluntarismo estatal quis fazer figura sem fazer as contas. Entretanto, é na Alemanha e na França que se fabricam os popós que nós conduzimos e as máquinas de lavar que adornam as casas que possuimos em excesso.

Choques

Os resultados das eleições primárias nos Estados Unidos incluem por acréscimo um ou outro pequeno choque cultural. Desta vez, dada a atenção que o tema merece dos jornais, falou-se da talvez inesperadamente alta proporção de pessoas homossexuais que votaram republicano. O Washington Post dedica uma coluna ao assunto, com base em resultados de um inquérito à boca das urnas. Depois, Ann Althouse comentou a coluna. Que o caso provoca alguma surpresa, incredulidade, ou até indignação, não há dúvida: basta ler os comentários dos leitores, anexos aos dois artigos. A revelação de que pessoas homossexuais possam ser movidas pelas mesmas preocupações que as outras pode significar a derrocada de uma certa arquitectura do mundo, fabricada em livros e artigos que brotaram da imaginação. A mesma surpresa com que Sarah Palin terá recebido a notícia de que afinal os nossos antepassados não deram grandes passeios ao lado de manadas de dinossauros, nos frondosos bosques de há 6000 anos.

Cleópatra na rádio (II)


Passa agora a segunda parte, na Antena 2 da RDP. Com autoria de Bernardo Sena.

Já não se fazem barcos nem música assim.

sábado, novembro 6

Nomes galaicos



Com os noticiários das rádios espanholas de hoje, veio-me à lembrança o botafumeiro, o esquisito pêndulo forçado da catedral de Santiago de Compostela. Agora é uma curiosidade que dá espectáculo nas missas. No passado terá tido a nobre utilidade de tornar a vida suportável dentro na enorme nave que acolhia monges e peregrinos num mundo sem duche nem bidés. Claro que podiam lavar as partes no Lavacollas, mas dali à catedral muito havia que suar ainda pelos toscos caminhos. Lavacollas é o nome do rio e da povoação que dão nome ao aeroporto de Santiago. Só pronunciável, ainda hoje (sobretudo diante do papa), por graça da evolução morfológica, que disfarçou as ressonâncias originais do rude vocábulo.

segunda-feira, novembro 1

A Presidenta

Este post não tem nada de político. É tão só uma manifestação de surpresa pela irrupção de um vocábulo novo na língua portuguesa, em consequência da eleição de Wilma. Em espanhol já se usava la presidenta, por causa da Cristina, mas é evidentemente um feminino forçado. Nunca ninguém disse la estudianta. Em francês a estrutura da língua distingue président e présidente, como em étudiant. Mas em português, para sermos honestos, devemos então passar também a dizer presidento, mesmo que não haja senhoras a concorrer à próxima eleição (embora haja sempre a possibilidade de vermos ressurgir aquela conhecida militanta de esquerda). E mais: nem só as mulheres têm direito a ter os seus amantos. Os homens quererão amantas, para não dar azo a dichotes. E, como vem aí o natal, não nos esqueçamos de pensar numas prendinhas para os nossos entos e as nossas entas queridas.

domingo, outubro 31

O que diz Tammy

Tammy Bruce escreveu no Guardian sobre a sua condição de homossexual e conservadora. Em resumo, conta que encontra um apoio mais genuino nos ambientes conservadores do que nos meios liberais -- onde, diz ela, a tolerância é uma etiqueta e é exercida por obrigação, valendo exclusivamente para aspectos seleccionados do comportamento ou das convicções.

O que diz Tammy vale o que vale. O que dizem os seus detractores também. São interessantes os comentários.

Cleopatra na rádio



Passou há momentos na rádio a primeira parte de "Cleopatra". É verdade: num dos melhores programas da Antena 2, "Alex North - Um eléctrico chamado desejo", Bernardo Sena deu hoje a escutar a belíssima partitura de Alex North para este filme excessivo, extravagante, expoente de uma época do cinema e do kitch que não rejeita o bom gosto. A música vive, autónoma, na ausência das imagens. O "tema do amor" e o "tema da ambição" libertam-se em toda a sua força no alinhamento radiofónico. Carregam, discretos mas persuasivos, a exuberância das cores e dos movimentos.

Mario Vargas Llosa a propósito do Tea Party

Há uma semana, no EL PAÍS, Mário Vargas Llosa escreveu sobre o significado do Tea Party nas próximas eleições nos Estados Unidos. Aqui ficam as linhas-chave do artigo:

- Em face da evolução a que se assistiu no estado da economia depois da eleição de Obama, neste momento o Tea Party complica mais a vida aos Republicnos que aos Democratas.

- Apesar de infiltrado por extremistas, reaccionários, conspiracionistas e figuras de cariz intelectual deficiente, o movimento teve uma génese espontânea, procurando simbolicamente reerguer a bandeira dos colonos independentistas e tendo conseguido marcar a agenda do acontecer político.

- No cerne deste movimiento "há algo de são, realista, democrático e profundamente libertário. O temor do crescimiento desenfreado do Estado e da burocracia, cujos tentáculos se infiltram cada vez mais na vida privada dos cidadãos, cerceando e asfixiando a sua liberdade e as suas iniciativas; a apropriação por parte do sector público de funções ou serviços que a sociedade civil poderia assumir com mais eficácia e menos desperdício de recursos; a criação de sistemas atraentes de assistência social que só poderão ser financiados com subidas sistemáticas de impostos, o que se traduzirá na queda dos níveis de vida das classes médias e populares."

A necessidade de recuperar a responsabilidade individual, ameaçada de dissolução pela ocupação de todos os espaços de iniciativa e acção por um estado cada vez mais omnipresente nas sociedades contemporâneas, é "um sentimento justo que merece ser incorporado na agenda política, pois denuncia problemas reais que a cultura democrática enfrenta".

Vale a pena ler todo o artigo.

quarta-feira, outubro 27

Tiopental sódico

Tiopental sódico é um derivado de barbitúrico de baixa acção, que induz hipnose e anestesia, mas não analgesia. Provoca hipnose decorridos 30 a 40 segundos a injecção intravenosa.

Tem como indicação a indução de anestesia antes da administração de outros agentes anestésicos. Também é utilizado na fase inicial da execução por injecção letal, antes da administração dos químicos indutores de coma.

Por falta do produto no estado do Arizona, a execução de Jeffrey Landrigan esteve suspensa. As autoridades tinham recorrido a um fornecedor britânico para obtenção do tiopental, e um juiz federal ordenara a suspensão por entender que a droga poderia não satisfazer os requisitos exigidos nos EEUU.
O Supremo Tribunal anulou a suspensão e a execução ocorreu hoje.

O único fornecedor do tiopental aprovado nos EEUU, uma companhia do Illinois, declarou que não concorda com o uso dado ao produto. "Não está indicado para a pena de morte."

domingo, outubro 24

O factor geográfico

Não se trata de superioridade biológica, nem de maior dinamismo cultural, nem de factores religiosos como a presença envolvente do cristianismo. Para Ian Morris, professor em Stanford e cujo livro mais recente tem o título "Why the West Rules", o importante é a geografia. Em voo esquemático, tudo começa com o aquecimento do planeta após a Idade do Gelo, que acabou por favorecer determinadas latitudes e não outras. A abundância de plantas e espécies domesticáveis favoreceu as zonas onde viriam brotar as culturas Greco-Romana, Judaica, Indiana e Chinesa. A partir do século XVI, o desenvolvimento da navegação favorece o "Ocidente", por estar mais póximo da América. É no "Ocidente" que a revolução científica e a revolução industrial têm lugar e vão determinar a supremacia e o domínio do mundo. E agora? Tendo as distâncias perdido relevo, o factor geográfico já não é o que era. O caminho está aberto para que China e Índia reassumam a liderança... por razões que já não são as mesmas.

quarta-feira, outubro 20

Estimando os submersos

No dia mundial da Estatística, o presidente do INE de Espanha conta como vão ser incorporados no PIB os sectores da prostituição e do contrabando.

domingo, outubro 17

Da Literatura

Conversa na Catedral será, se não o é já, reconhecido como um dos grandes romances do século XX. Com uma sofisticada arquitectura de texto e um enredo riquíssimo, povoado de personagens dotadas de vozes internas estilisticamente diversificadas, o romance joga com as sucessivas intromissões daquelas na acção, perturbando a cronologia linear e induzindo no leitor expectativa, erro e surpresa.

Se é verdade que a complexidade da narrativa atinge um ponto alto num trecho em que dezoito diálogos distintos se entrecruzam, não há dúvida sobre o papel central assumido pela fala de Don Fermín com Ambrosio, que se insinua logo a poucas páginas do início, seguida de uma outra fala pertencente ao diálogo entre Santiago e Ambrosio, como dois flashbacks cinematográficos sucessivos. Santiago, ou Zavalita, é filho de Don Fermín, empresário Odrista; Ambrosio trabalhara para Fermín como motorista e algo mais. Na cena inicial, Santiago e Ambrosio, que se tinham encontrado por acaso depois de muitos anos, conversavam na “Catedral” com cervejas pela frente.


-¿Lo hiciste por mí? -dijo don Fermín-. ¿Por mí, negro? Pobre infeliz, pobre loco.
-Le juro que no, niño -se ríe Ambrosio-. ¿Se está haciendo la burla de mí?


Fermín dirige-se a Ambrosio; Ambrosio responde a Zavalita. A frase encerra um enigma (as razões do assassinato, por Ambrosio, de uma prostituta, Hortensia, ex-amante de um ministro no governo do ditador Odría) que irromperá repetidamente ao longo do romance e que só perto do final será esclarecido na sua totalidade. As aparições seguintes da frase contêm ou insinuam novas camadas de significado. Na segunda ocorrência Don Fermín já procura inculcar em Ambrosio a motivação do crime que para ele é mais conveniente:

-¿Qué desgracia te pasó en Pucallpa? -dice Santiago.
(…)
-¿Por mí, por mí? -dijo don Fermín-. ¿O lo hiciste por ti, para tenerme en tus manos,
pobre infeliz?


Mais adiante, Don Fermín parece estar a ceder às razões de Ambrosio,

-Está bien, no llores, no te arrodilles, te creo, lo hiciste por mí -dijo don Fermín-. ¿No pensaste que en vez de ayudarme podías hundirme para siempre? ¿Para qué te dio
cabeza Dios, infeliz?


Mas nos flashbacks seguintes volta ao ataque:


-Ya sé por qué lo hiciste, infeliz -dijo don Fermín-. No porque me sacaba plata, no
porque me chantajeaba.
(…)
-Sino por el anónimo que me mandó contándome lo de tu mujer -dijo don Fermín-. No
por vengarme a mí. Por vengarte tú, infeliz.


(… …)
-Creías que te iba a despedir por lo que me enteré del asunto de tu mujer -dijo don
Fermín-. Creíste que haciendo eso me tenías del pescuezo. También tú querías
chantajearme, infeliz.
(… …)
-Basta, basta -dijo don Fermín-. Déjate de llorar. ¿No fue así, no pensaste eso, no lo
hiciste por eso?
(… …)
-Bueno, está bien –dijo don Fermín-. No llores más, infeliz.
(…)
-Bueno, no querías chantajearme sino ayudarme -dijo don Fermín-. Harás lo que yo te
diga, bueno, me obedecerás. Pero basta, ya no llores más.
(…)
-No te desprecio, no te odio -dijo don Fermín-. Está bien, me tienes respeto, lo hiciste
por mí. Para que yo no sufriera, bueno. No eres un infeliz, está bien.
(…)
-Está bien, está bien -repetía don Fermín.


(… …)



-Debiste decírmelo desde el principio -dijo don Fermín-. Tengo una mujer, vamos a
tener un hijo, quiero casarme con ella. Debiste contarme todo, Ambrosio.

Depois, a conversa entre Don Fermín e Ambrosio aparece a entrecortar o diálogo de Ambrosio com Queta, outra prostituta a quem Ambrosio se abre sobre a sua relação com Don Fermín:

-Qué malos ratos habrás pasado. Ambrosio, cómo me habrás odiado -dijo don Fermín-.
Teniendo que disimular así lo de tu mujer, tantos años. ¿Cuántos, Ambrosio?
-Haciéndome sentir una basura, haciéndome sentir no sé qué -gimió Ambrosio,
golpeando la cama con fuerza y Queta se puso de pie de un salto.
-¿Creías que iba a resentirme contigo, pobre infeliz? -dijo don Fermín-. No, Ambrosio. Saca a tu mujer de esa casa, ten tus hijos. Puedes trabajar aquí todo el tiempo que quieras. Y olvídate de Ancón y de todo eso, Ambrosio.



É Queta que faz a chocante revelação do crime aos jornalistas de “La Crónica”, um dos quais Santiago, filho de Don Fermín:

-No veía a Hortensia hacía tres días -sollozó Queta-. Me enteré por los periódicos. Pero
yo sé, no estoy mintiendo.
(…)
-Hortensia sabía muchas cosas de un tipo de plata, ella se estaba muriendo de hambre,
sólo quería irse de aquí -sollozó Queta-. No era por maldad, era para irse y empezar de
nuevo, donde nadie la conociera. Ya estaba medio muerta cuando la mataron. De lo mal que se portó el perro de Bermúdez, de lo mal que se portaron todos cuando la vieron caída.
-Le sacaba plata, y el tipo la mandó matar para que no lo chantajeara más -recitó,
suavemente, Becerrita-. ¿Quién es el tipo que contrató al matón?
-No lo contrató, le hablaría -dijo Queta, mirando a Becerrita a los ojos-. Le hablaría y lo convencería. Lo tenía dominado, era como su esclavo. Hacía lo que quería con él.
-Yo me atrevo, yo lo publico -repitió Becerrita, a media voz-. Qué carajo, yo te creo,
Queta.
(…)- El matón es su cachero. Se llama Ambrosio.
(…)
-Hortensia le sacaba plata, lo amenazaba con su mujer, con contar por calles y plazas la historia de su chofer -rugió Queta-. No es mentira, en vez de pagarle el pasaje a México la mandó matar con su cachero. ¿Lo va a decir, lo va a publicar?

Mais adiante, Santiago comentará que o encontro com um colega poderá tê-lo salvo nesse dia de uma tragédia maior:

Sí, había sido una suerte encontrarlo, una suerte ir a parar a la plaza San Martín y no a la pensión de Barranco, una suerte no ir a llorar la boca contra la almohada en la soledad del cuartito, sintiendo que se había acabado el mundo y pensando en matarte o en matar al pobre viejo, Zavalita.

(…)

E sabemos pela sua voz interior a enormidade do choque:

No en el momento que lo supiste, Zavalita, sino ahí. Piensa: sino en el momento que supe que todo Lima sabía que era marica menos yo. Toda la redacción, Zavalita, menos tú.

É disto que Santiago Zavalita quer que Ambrosio fale, na cena inicial, que decorre muito depois dos acontecimentos que constituem o núcleo da acção. Santiago quer ouvir a confissão do próprio. Ambrosio esquiva-se, ignorando que Santiago já sabe tudo. O leitor não sabe ainda que Santiago sabe.

O 21º



Afinal, apenas dois braços o esperavam.

O pensamento normalizado, ou a ordem dos factores

O El País publica hoje um artigo preocupado com os pregadores radicais islâmicos lá em casa. Dá como exemplos dois imans, ou directores de rezas, um na Catalunha e outro em Madrid. Que dizem eles? Que os muçulmanos devem evitar o contacto com os que não pertencem à sua comunidade. Que as mulheres só podem sair de casa para o funeral do marido. Que as adúlteras devem ser mortas, para que não haja filhos de impuras. Que é uma vergonha tolerar que seis pessoas se envolvam sexualmente, que dois homens se casem ou se permita nudismo nas praias. E tudo isto porquê? Explicam os articulistas: por falta de formação. Só por ignorância aqueles ingénuos misturam religião com práticas extremistas importadas dos países de origem, acabando por confundi-las com ditames sagrados. Imagine-se que alguns até defendem a poligamia -- uma prática alheia ao Islão -- nas suas prédicas.

É, por isso, necessário investir na normalização, eu diria até profissionalização, da figura do iman, que garanta imunidade às tendências radicais. E porquê, já agora? De modo algum porque se entreveja hipotético risco de terrorismo, mas sim porque à medida que estas coisas se vão sabendo a islamofobia cresce e a exclusão social espreita.

Da Galiza a Portugal: viagem impagável

Por incompetência e falta de compreensão do mundo circundante, os tugas empenham-se em eleger sucessivos governos que os levam à penúria, e o país ao caos. Na verdade não têm tido, nem se vislumbram, grandes alternativas. Mas, no meio da mediocridade, os governos recentes do PS possuem o desvalor acrescentado da burrice, nuns casos, ou de uma mistura dela com oportunismo e avareza noutros, na abordagem aos problemas, que em consequência acabam sem solução, ou pior do que estavam, ou na simples perturbação do dia a dia com prejuizos sociais e económicos.

Dois exemplos emblemáticos são suficientes para ilustrar esta apreciação.

A saga da avaliação dos professores, nos anos recentes, terminou com uma cedência em toda a linha. A avaliação era necessária, mas o modo como os tristes iluminados que habitam os gabinetes da 5 de Outubro tentaram conduzi-la foi exactamente o que todos os sindical-oportunistas necessitavam para uma oposição de sucesso.

O caso das SCUTs é mais complexo e espraia-se por um período temporal maior. Começa com a gestação oportunista do conceito e desemboca agora na portagem mais cara e caótica do mundo. Aos preços desincentivadores soma-se a criação de dificuldades ao pagamento. As consequências estão para se ver, mas como de costume ninguém se deve ter dado ao trabalho de aplicar o simples bom senso numa pré-avaliação. Para já, o aeroporto Sá Carneiro e o IKEA de Matosinhos são apenas dois pólos de atracção importantes em relação à Galiza, que podem acabar muito penalizados. Mas todo o comércio do norte vai ser com certeza gravemente afectado. A bem das Estradas de Portugal.

sexta-feira, outubro 8

Quem está de parabéns?


¿Dicen eso? Es magnífico. Me alegro mucho. ¡Ojalá fuera verdad. En efecto, de eso va mi obra, de la resistencia del individuo ante el poder, de la lucha de los hombres por salvar su individualidad en un mundo en el que la libertad está tan acosada. Esa nota expresa muy bien lo que yo pienso.

"Isso" que é? Mario Vargas Llosa refere-se à cautelosa frase com que a Academia Sueca justifica a atribuição do Nobel, transcrita em todos os jornais ontem:

...pela sua cartografia das estruturas do poder e as suas incisivas imagens da resistência individual, da revolta e da derrota.

Digna de uma badana escrita com a competência de quem pesa todas as letras, neste caso talvez para resistir a críticas dos que consideram Llosa um "neocon" imerecedor do prémio que julgavam definitivamente colado ao preconceito que cultivam, a frasezinha não evoca o génio efabulador do premiado. De qualquer modo, a Academia Sueca está de parabéns.

terça-feira, outubro 5

Carboncausto



O filminho chama-se No Pressure. Se o virmos sem ler o que já muito dele se disse, a primeira impressão desorienta. Parece-nos que os religiosos das PGA (perturbações globais antropogénicas - para usar o nome de invenção mais recente) estão a ser tratados e expostos a ridículo como eco-nazis. Mas como a mensagem tem o pendor convencional, não ficam dúvidas sobre o sentido da encenação: fazer ir pelos ares criancinhas e adultos indiferentes ao carbono que nos rodeia é de rebentar a rir para os fanáticos que idealizaram o argumento. A ideia de fundo nada tem de original. Hitler, Mao e outros grandes mestres na demonização de grupos praticamente esgotaram o assunto. Actualmente até Bin Laden acolhe a causa ecológica, sem se aperceber da blasfémia em que resvala: se Alá quer grelhar o planeta, quem se julga ele para o contrariar? A estupidez do activismo actual não poderia produzir senão dejectos como este filme. Quando se é incapaz de distinguir o humor do ridículo, está dado o sinal: a causa é abalada pela qualidade dos aderentes.

Os promotores viram-se obrigados a publicar um pedido de desculpas no Guardian e retiraram o video. Inutilmente, porque novas cópias aparecem. Patrocinadores, como a Sony, distanciaram-se da iniciativa.

A propósito e num tom mais sério: A BBC entrevista Richard Lindzen aqui.

segunda-feira, outubro 4

A saída

Pode o euro sobreviver à crise agravada que aí vem, com a recessão que atingirá os países europeus mais endividados e obrigados a contrair a economia? Talvez, se alguém sair da zona. A Alemanha, por exemplo, deixando os PIIGS entregues à sua sorte. É Joseph Stiglitz (prémio Nobel, ex-conselheiro de Clinton) quem o diz.

domingo, outubro 3

Já sinto o cheiro a mar



I can smell the sea air. Ah, the sea! The blessedest thing that God
created in the seven days. The rest of my
days I’m going to spend on the sea. And when I die I’m going to die
there on the sea, that sea. One day, out on the ocean, I will die. I will
die, with my hand in the hand of some good-looking nice ship’s doctor
with a small blond moustache. And he’ll have a silver watch and he’ll
look at me. And he’ll look at his silver watch and sadly say: “Poor
lady.” I’ll be buried at sea, dropped overboard sewn up in a clean
white shroud.
At the stroke of noon in the blaze
of summer into an ocean as blue as my first love’s eyes.

(Renee Fleming no papel de Blanche, em Um eléctrico chamado desejo, ópera de André Prévin, 1998. Acto III, cena 4.)

Como será que conseguem?

Os brasileiros elegem hoje o Presidente da República, mas não só: antes do código do presidente têm de introduzir o do DEPUTADO ESTADUAL, depois o do DEPUTADO FEDERAL, em seguida o do SENADOR 1, mais o do SENADOR 2, e por fim ainda o do GOVERNADOR. Se fosse cá seriam necessários uns quatro domingos, certamente com diferentes campanhas pelo meio, e as eleições estariam prontas lá para Janeiro do ano que vem.

domingo, setembro 26

As virtudes



Numa crónica inspirada e bem humorada no PÚBLICO de ontem, Pedro Mexia disseca a translacção de significado sofrida, nos nossos dias, pelos pecados capitais. Algo de semelhante se poderá dizer das virtudes. Estas andarão ainda mais pelos caminhos do esquecimento.

Prudência, na era do hedonismo e do multi-endividamento, é uma ideia hoje reduzida ao uso do preservativo. A Temperança entra em colisão permanente com os nossos "direitos": resta-lhe hoje o papel pífio de barreira ao consumo de gorduras, açúcar, sal e tabaco. A frasezinha de Wilde no Lady Windermere's Fan desferiu sobre a Força machadada de que nunca se haveria de recompôr. A Justiça acomoda-se ao acatamento das decisões formais dos tribunais (quando nos convém).

Isto para já não falar das chamadas teologais. , hoje, é exercer a vulgaridade do "pensamento positivo" e a crença na culpa da nossa espécie por desencadear todas os desastres que as novas igrejas anunciam. Esperança é conceito que só aflora quando alguém diz que o seu clube vai ganhar por 3-1 ou que "desta vez" vamos à final de um europeu ou mundial. Quanto à Caridade, São Paulo bem se enganou, quando previu que no fim dos tempos, não havendo já necessidade de fé nem esperança, permaneceria aquela. Se dela sobram résteas é só para os animaizinhos e os espaços verdes: o nosso semelhante que se desenrasque ou o estado que cuide dele, pois para isso pagamos.

(Na reprodução: Alegoria da Temperança, Luca Giordano, National Gallery.)

domingo, setembro 12

Aniversário: o mistério de Elisa Claps

Completam-se hoje 17 anos sobre o desaparecimento de Elisa Claps em Potenza. Era domingo também. O irmão mais velho de Elisa recorda que há responsabilidades de quem, sabendo, ocultou o que sabia, e dirige-se em particular ao bispo de Potenza. Tendo havido obras no tecto da Trinità, três anos após o desaparecimento da jovem, é difícil crer que ninguém tivesse visto nada, afirma Gildo Claps.

Brincando, brincando...

...O New York Times aponta-nos o verdadeiro inimigo. O título podia bem ser: O Ocidente em guerra com os engenheiros. Esta clarificação penetrante é de grande importância e não se compreende porque não lhe é dado relevo noutros meios de comunicação. É que agora não há desculpas para o que há a fazer. Desmantelar os estudos de engenharia, já!

sábado, setembro 11

terça-feira, setembro 7

A curiosa tabela

Esqueçamos que os juros sobre a dívida nos ameaçam. Portugal surge hoje relativamente bem colocado entre os países com maior percentagem de licenciados. Já batemos os grandes. Se for verdade o que nos sussurram há anos sobre a correlação deste indicador com a competitividade e o desenvolvimento, temos de estar confiantes e não desanimar. Mesmo que desse ponto de vista estritamente utilitário a tabela de classificação pareça estar ao contrário, com as possíveis excepções que podem ser erros de cálculo:

1 - Finland (63%)
2 - Iceland (57%)
2 - Slovakia (57%)
4 - Poland (50%)
5 - New Zealand (48%)
6 - Denmark (47%)
7 - Ireland (46%)
8 - Portugal (45%)
9 - Netherlands (41%)
9 - Norway (41%)
11 - Sweden (40%)
12 - Japan (39%)
13 - United States (37%)
13 - Czech Republic (36%)
15 - United Kingdom (35%)

A estatística não fala da qualidade dos cursos que foram contabilizados. Mas nós queremos lá saber. Afinal o que interessa são os números e não as pessoas (isto é, como saem da universidade). Ou era ao contrário? Não, isso só se aplica noutros contextos.

Os doces trailers silenciosos


O filme pode não ser brilhante, podemos ter a sensação de que o realizador foi filmando a banalidade de umas vidas enquanto o orçamento lhe permitiu, mas temos obrigação moral de proteger esta espécie em extinção: os filmes cujos trailers não nos danificam a audição com fortes percussões entre cada frase. Assim do género:

This is the story of noble warriors...

PAM! PAM!

... known as the keepers of the imortal army...

PAM! PAM! PAM!

...they have sworn to crush all evil...

PAM! PAM! PAM! PAM!

... now they're coming near you... in 3D!

PAM! PAM! PAM! PAM!
PAM! PAM! PAM! PAM!

(pode continuar até 10 pancadas nos tímpanos)

Os exemplos são aos milhares. Não posto nenhum por respeito aos 5 leitores do blogue.




O discurso

A estas horas já Barroso fez o seu (primeiro) discurso sobre o estado da União no Parlamento Europeu. Enquanto a França paralisa com os efeitos do anúncio de greve, o Presidente da CE veio tranquilizar-nos: estamos melhor que há um ano, e se nos afundarmos vamos todos juntos.

O discurso de estado é introduzido no tratado de Lisboa. Nos Estados Unidos, o discurso sobre o estado da União tem normalmente uma audiência de milhões de tele-espectadores. Não sei se aqui as televisões lhe deram algum destaque. As notícias sobre o discurso de hoje focam-se essencialmente num aspecto anedótico: com receio de ver o parlamento vazio e na impossibilidade de contratar figurantes, a Comissão tinha previsto multar os parlamentares faltosos na quantia de 100 €. Uma coima modesta, considerando a maçada em perspectiva. A ideia acabou por não vingar, porque houve ameaças de abandono da sala a meio do discurso e queixas de ataque à liberdade dos parlamentares. Afinal o hemiciclo encheu.

segunda-feira, setembro 6

Ter 25 anos na Ucrânia

O decréscimo populacional na Ucrânia atinge a taxa de 1,1% ao ano desde o início dos anos 90. Para estimular a natalidade, os deputados da região de Ternopol propõem a criação de um imposto, com taxa não inferior a 6%, incidindo sobre todos os homens que, tendo atingido os 25 anos, não tenham pelo menos uma criança a seu cargo. Esperam assim resolver, a curto prazo, o financiamento de orfanatos e escolas, e avisam que vai ser necessário ter em conta a bomba de relógio do envelhecimento global.

domingo, setembro 5

O aceitável é sustentável?

Enquanto em Espanha se anuncia a próxima subida da idade de reforma para os 67 anos, em França o governo fica-se pelo número 62, bastante mais modesto. Mesmo assim os protestos aumentam: segundo uma sondagem hoje publicada, está a ficar estreita a maioria dos que julgam aceitável a medida prevista. E uns esmagadores 70% apoiam as manifestações de protesto marcadas para a próxima terça-feira.

Uma sondagem a inquirir se gostariam que lhes saisse o euromilhões ou se não se importavam de morrer um pouco mais cedo poderia ajudar a formar uma ideia sobre a clarividência das massas.

As mudanças estão a ser conduzidas pelo ministro Woerth: o tal que já tem direito a um "sub-caso" com o seu nome dentro do "caso" Bettencourt, tão grossos são os salpicos que o atingem, com novas revelações todos os dias. Que triste democracia, em que as medidas desagradáveis, que tocam no bolso dos cidadãos, são anunciadas e assumidas por gente sem idoneidade moral.

sábado, setembro 4

Duas mulheres

Não encontrei a história em jornais chilenos. É contada noutros sítios de língua espanhola. Então é assim: Yonni Barrios, 50 anos, mineiro com conhecimentos de enfermagem, é um dos homens que neste momento esperam resgate a 700 metros de profundidade. Tem-se dedicado a dar cuidados médicos aos colegas. É casado com Marta Salinas, de 56 anos.

Entretanto, à superfície, durante uma vigília de apoio aos soterrados, Marta é surpreendida ao ver a fotografia de Yonni no cartaz empunhado por Susana Valenzuela.

Esse é o meu marido! gritou.

Quero lá saber! responde Susana. Estamos apaixonados há cinco anos, vou esperar por ele.

Também eu! tu não és legítima.

Se a história é verdadeira desejo a Yonni que rapidamente possa sentir na pele o amor ou a raiva dos quatro braços que o esperam.

sexta-feira, setembro 3

Conversa em Tabriz



O filho mais velho de Sakineh Mohammadi Ashtiani, agora com 22 anos, fala por telemóvel, de Tabriz, sobre o caso da sua mãe a Bernard-Henry Levi. Garante que a mãe não pode ter tido responsabilidade na morte do pai; que o verdadeiro assassino, Taheri, está em liberdade, porque os filhos de Sakineh se comoveram com as súplicas da filha de três anos de Taheri e o perdoaram; que a mãe foi violada antes da sua recente aparição na tv; que assistiu ao castigo da mãe com 99 chicotadas quando tinha dezasseis anos; que a pressão internacional deveria aumentar e que a Turquia e o Brasil são países-chave; que a execução da mãe pode estar próxima e que o adjunto do poder judicial em Tabriz está a fazer esforços para comutar a pena de lapidação para enforcamento.

quinta-feira, setembro 2

Breaking news

Não criei o Universo nem tenho nada a ver com ele, garantiu Deus hoje à BBC, a propósito da apresentação do novo livro de Stephen Hawcking.

O título exorbita. Quando lemos a notícia, apercebemo-nos de que, embora num contexto novo, se trata de um remake da célebre frase de Laplace em resposta a Napoleão: "Je n'avais pas besoin de cette hypothèse-là". Estava-se mesmo no fim do século 18 e acabava de ser publicada a Mécanique céleste.

Actualização em 4 de Setembro: entretanto, Deus já respondeu a Hawking. (Via The Reference Frame)

terça-feira, agosto 31

Adjectivos



Nestes tempos de homogeneização, por vezes somos tentados a pensar que o mundo é igual em toda a parte e nenhuma deslocação nos causará surpresa. Felizmente não é bem assim. É verdade que os Starbucks e as Zaras são iguais em todas as cidades, que os filmes mainstream aparecem ao mesmo tempo em todas as salas com cheiro a pipoca por esse planeta, mas há espaço para pequenas diferenças que nos afagam a curiosidade. Em Londres, por exemplo, cidade visitadíssima, para além de se poder gozar a frescura dos 19º em agosto, ficamos a saber, enquanto descemos as escadas do metro, quantos parafusos nelas foram usados ou que Sweet Charity é o grande musical em cena. Em Lisboa temos de nos contentar com pensamentos dispersos de Sócrates, Cesário Verde ou filósofos pós-modernos que vêm pouco a propósito da viagem.

Há, pois, teatro. No Apollo da Shaftesbury Avenue revive-se todos os dias às 7:30pm o drama quase perfeito que Miller arquitectou em 1947: All My Sons, uma parábola sobre a responsabilidade, a honra, os afectos que tornam a morte impossível de aceitar ou os que a partir dela desabrocham com indiferença, as armadilhas da vida que podiam fazer o sonho americano resvalar para o pesadelo.

A versão de Howard Davies é uma cerimónia teatral de sobriedade e rigor, entrecortados pelas actuações penetrantes de David Suchet e Zoe Wanamaker. Ela, sobretudo, comunica com o público nos momentos certos até ao arrepio na pele.

É bom lembrar a sinopse: certas coisas não podem acontecer porque Deus não permite, mas acontecem mesmo assim, e um pai é sempre um pai.

Os adjectivos da crítica:

THE TELEGRAPH

stunning production
extraordinary power emotional depth
Zoë Wanamaker is outstanding

THE GUARDIAN
tremendous acting

EVENING STANDARD

poised and poignant (Zoe)
lovely geniality (David)

THE INDEPENDENT

emotionally searching, expertly acted
splendid self-conviction.
superlative (Zoe)

THE SUNDAY TIMES

excellent acting
compelling moral drama, rich characterisation

quarta-feira, agosto 25

Disfarce

Hoje apercebi-me de que o acontecimento do dia na Ibéria tem a ver com golos, bracarenses e sevilhanos. Ou não exactamente assim? Já não sei, depois de ver este comentário na Marca:

Que te meta cuatro goles el 'SuperrequeteBarça' en el Camp Nou es una cosa, por mucho que uno claudique en el túnel de vestuarios, pero que te vengan unos brasileños disfrazados de portugueses y te enseñen, uno por uno, los fundamentos de este deporte, es cosa seria.

Deselegantes, estes consumidores de estrelas portuguesas.

Curiosidades numéricas

Nos últimos dois dias o número 1.4 andou em alta.

Confirma-se: as nossas estatísticas oficiais dão-lhe destaque.

A estatística homóloga do Reino Unido não salienta o mesmo indicador (que também lhe daria vantagem: 1.6 contra 1.1), mas sim a variação relativamente ao trimestre precedente.

Se cá se tivesse feito a mesma opção, o número a aparecer nas primeiras páginas, 0.2, resultaria bem menos inflamatório dos entusiasmos.

O quadro completo está aqui, mostrando que estamos nitidamente à frente da Hungria, da Grécia e da Letónia, mas parecendo aconselhar moderação no optimismo, uma vez que os cortes no orçamento e as medidas de austeridade podem implicar uma desaceleração rápida do impulso inicial.

segunda-feira, agosto 23

Súplicas e sentenças

Pela sua iniciativa de expulsar ciganos, Sarkozy foi objecto de orações do Padre Arthur, o qual implorou a Deus que punisse o Presidente com um ataque de coração.

Enquanto isto, na Arábia Saudita um juiz procura saber junto dos hospitais do reino se é possível danificar, num ponto preciso, a espinal medula de um criminoso em julgamento. O réu terá provocado a paralisia de Abdul-Aziz Al-Mutairi após uma agressão com arma branca. Merece, por isso, ficar também tetraplégico, a menos que Al-Mutairi venha aceitar ser ressarcido em dinheiro.

O Padre Arthur, amigo dos ciganos, veio dizer um pouco mais tarde que apenas pretendia que Deus falasse a Sarkozy. Que lhe falasse ao coração, talvez.

Entretanto, um hospital saudita terá já dado resposta afirmativa ao juiz, não se sabendo embora se se disponibiliza a realizar a implantação da tetraplegia.

Não menos surpreendente, no entanto, é o grau de aprovação que mereceram as orações de Arthur entre os leitores -- presumivelmente laicos, na sua maioria -- que comentam no Liberation, e a desilusão neles provocada pela sua explicação posterior; e a franca adesão à sharia que se pode constatar também nos comentários dos leitores do Daily Mail.

domingo, agosto 22

Pobre Professor Hauser

Fazia tanto jeito que os macacos pensassem ou reagissem a estímulos como nós gostaríamos para compor uns artigos giros. Lá vão pelo cano abaixo um paper na Cognition e outro nos Proceedings of the Royal Society B. É o próprio director de Harvard que o confirma.

Uma vida por um lugar no parque

A história não tem nada de original. Na sequência da disputa de um lugar de estacionamento e de uma quase colisão, um homem de 76 anos sai do seu carro e dispara sobre a outra viatura, assassinando uma ocupante. Foi na sexta feira às 17.15, perto de Madrid.

Agora sabemos que tudo pode ser um sintoma de doença. Há três hipóteses sérias, segundo o ABC, todas devidamente descritas e classificadas no DSM-IV short circuiting, impulse control disorder ou borderline personality disorder. Os médicos de família lá nos vão servindo para tratar os problemas da hipertensão, do fígado, da mama ou da próstata, mas o dignóstico e tratamento das doenças da alma, essa críptica zona do corpo que mais escapa ao mundo das evidências, exige a experiência de um psicoterapeuta. Não há nada aqui para sorrir. Podemos por vezes escarnecer dos preciosismos e classificações dos manuais de psiquiatria e do seu possível efeito desculpabilizante, mas, com aqueles nomezinhos ou com outros, as perturbações existem e podem matar.

terça-feira, agosto 17

Sound track



Have fun.

segunda-feira, agosto 16

Penúria de ricos

Ao contrário do nosso, o governo de Zapatero anunciava há pouco tempo subida de impostos, sim, mas só para os mais ricos (categoria que, entende-se, ainda deixaria de fora ricos que bastem). A ideia seria criar um novo imposto para rendimentos superiores a 1 milhão de euros. Mas hoje é noticiado que esse objectivo não parece exequível. Os técnicos desaconselham uma medida que custaria mais do que os ganhos que iria permitir. Para além de aumentar a taxação dos ganhos com movimentos de capital, fala-se de um novo escalão do IRS (de lá) vizinho dos 50%. O problema é que há escassez de ricos, ou pelo menos de ricos tributáveis, já que apenas 8000 espanhóis declaram rendimentos superiores a 600 000€. Está-se mesmo a ver como vai acabar o filme: as medidas que ainda estão na forja irão afectar "menos ricos" com rendimentos na casa das centenas de milhares de euros e até "indigentes" que ganham um zero abaixo (e aqui já convivem vidas confortáveis com as de gente que luta para sobreviver).

O problema não é, obviamente, exclusivamente de Espanha. O aumento do número de pensionistas e os números do desemprego são dados que afectam em maior ou menor medida os países europeus. Problema difícil, mas é impossível ficarmos sem a impressão de que ou não se pensou nele antes ou não se procuram os métodos mais adequados para o resolver.

Der Ring des Nibelungen


O Anel em Bayreuth: a história, uma sinopse e o espectáculo dos aficcionados, tudo contado por Mario Vargas Llosa no El País. Imperdível a crónica deste grande mestre da escrita: Os deuses morrem em Bayreuth.

terça-feira, agosto 10

Os desincentivos a ensinar

Ontem, no Jornal das 9 da SIC Notícias, a professora Maria do Carmo Vieira (entrevistada a propósito da publicação do seu livro "O Ensino do Português") veio recordar aspectos do que continua a correr mal. Um dos alvos maiores de crítica foi a adopção da TLEBS, e fê-lo em termos que me levaram a rever o que escrevi há quase quatro anos, quando concedia que a TLEBS é assunto para adultos. O ponto de vista de M. C. Vieira é que nem para adultos aquilo serve, dada a artificialidade da classificação e a própria infelicidade da escolha de designações.

A TLEBS é um acto de arrogância de certa classe académica que frivolamente acolhe encomendas de ministérios de educação insensíveis à realidade.

Não é por acaso que, se há uma área da vida onde o risco de estupidificação é notavelmente elevado, essa área é a da educação entendida como "ciência". Felizmente há sempre quem mantenha alguma sanidade intelectual, mas o sistema está feito para eliminar os desvios. A falta de exigência, inadequação e degradação dos programas, em particular, leva a que os professores progressivamente percam a sensibilidade aos conteúdos da sua disciplina e em vez disso os reduzam a formatos burocráticos, susceptíveis de repartir por grelhas.

Imaginemos que um estudante conclui o 2º ciclo de Matemática com bons resultados e pretende fazer carreira no ensino básico ou secundário. Ele irá ter de passar pela máquina trituradora dos cursos de educação, que o farão regressar ao nível da escola primária, onde se debita ideologia e se desincentiva a crítica, onde lhe vão propor metodologias inventadas com grande economia de bom senso. Carreira adiante, terá de sofrer acções de formação onde, com poucas excepções, lhe servirão matérias espúrias ou simplesmente embrutecedoras. Como efeito disuasor é difícil imaginar melhor.

segunda-feira, agosto 9

Um caso bicudo


Ser um cidadão em pleno, ou o melhor que se possa, tomar a seu cargo a própria responsabilidade, os seus deveres e os seus direitos… Isso dá muitíssimo trabalho.



É perseguição, diz Pilar. Por causa da guerra do Iraque. Ou então é Pilar a travar a sua guerra: dívidas e juros de mora transmitem-se aos herdeiros.

A história é simples: Saramago instala-se em Espanha amargado com a conduta de um governo português. Mas o amor pátrio é mais forte e por isso decide pagar os seus impostos em Portugal, apesar de a carga fiscal ser maior. De qualquer maneira o assunto agora é entre administrações fiscais de cá e de lá: entendam-se nos tribunais sobre essa coisa menor da residência fiscal e salvaguarde-se que ninguém é obrigado a uma dupla tributação. Porque não me passa pela cabeça, nem com certeza a ninguém, que Saramago tenha omitido rendimentos. Se se confirma que há dívidas em Espanha, talvez faça sentido que o fisco espanhol reclame do nosso uma transferência. De repente dou por mim a temer pela casinha dos Bicos.

domingo, agosto 8

Um tempo perdido



No PÚBLICO de ontem, José Vieira Mendes lamenta que já não haja cinemas de reprise em Lisboa e tem saudades do Europa e do Paris. Eu também. Entusiasma-se com a recuperação do Europa pela CML e vê aí um futuro radioso para a cultura em Campo de Ourique. Eu tenho dúvidas. O São Jorge também foi "recuperado" mas praticamente não tem programação, como a consulta da página-internet, ou da da própria EGEAC, mostra logo. Claro que há uns "festivais" de vez em quando, alguns menos interessantes do que outros. Mas a realidade é que as pessoas agora, em geral, não querem ver filmes como o faziam nos anos 60 ou 70.

Nesse tempo era normal que as salas organizassem os seus ciclos de reposição, que no verão eram obrigatórios, e permitiam ver ou rever filmes de qualidade. O Europa era uma excelente sala de cinema, dispondo de condições técnicas que infelizmente já não existem em Lisboa: projecção de 70mm, uma qualidade de imagem hoje inexistente nas salas comerciais. Nunca poderemos rever aqui o West Side Story ou a Cleopatra como foram produzidos no seu tempo.

O problema é que agora temos os filmes que queremos enlatados em casa, a poucos metros da cozinha e do frigorífico. Os cinéfilos saudosos não se podem queixar: têm uma Cinematoca com programação estimável e não muito concorrida, num lugar central de Lisboa, servida por metro. Claro que encerra em Agosto: férias são férias e ver cinema é trabalho. Mas que justificação haverá para plantar tocas em todos os bairros? Não estou a ver a malta de Campo de Ourique a curtir entusiasmada na rua Almeida e Sousa.

(Foto: Biblioteca de Arte - Fundação Calouste Gulbenkian)

sexta-feira, agosto 6

Pânicos gauleses e de todos nós

Hoje não é preciso ir aos jornais de direita franceses para perceber que UMP e Sarkozy estão a viver umas horas de alívio. Uff! depois de meses com artigos a chatear por causa do folhetim L'Oreal, vem a saber-se que o povo está é preocupado com a insegurança e aprova claramente medidas recentemente anunciadas pelo Presidente e membros do governo e UMP. A taxa de aprovação entra em grande pelo eleitorado de esquerda. Ele é o retirar da nacionalidade francesa aos cidadãos de origem estrangeira culpados de poligamia ou excisão, que recolhe a aprovação de 62% dos eleitores de esquerda; ou aos delinquentes culpados de atentar contra a vida de agentes de polícia, que agrada a 50% dos mesmos; ele é o controle electrónico dos delinquentes reincidentes durante anos após o cumprimento das penas, que ganha o primeiro lugar com um apoio total de 89%!

No Libération o artigo está reservado aos assinantes e o Le Monde não o apresenta na página de acolhimento. Os detalhes podem ler-se, claro, no Figaro.

Mas nem tudo são espinhos no lado da rosa. Lembramo-nos como há um ano atrás andávamos a lavar as mãos e desinfectar objectos com frequência doentia? Dos avisos e saboneteiras que de um momento para o outro inundaram as paredes? Pois. O governo francês está em cheque com a saída, ontem, de notícias sobre o relatório da comissão do Assembleia Nacional que critica fortemente a gestão da epidemia do século que o não foi (a gripe A). Aqui sim, o Libération e o L'Humanité atacam com unhas e dentes. O Libé titula com graça que a lei foi feita pelos laboratórios. A OMS não escapa, como não escapam os peritos técnicos, suspeitos de ligação à indústria. O L'Humanité chega a escrever que a comunidade científica, com as suas predições, mais parecia desejar a propagação do vírus, reflectindo uma espécie de "desejo de pandemia." Curiosamente, uma suspeita que o mesmo sector ideológico rejeita como blasfémia quando levantada sobre os indutores de outros pânicos da moda.

domingo, agosto 1

Agosto 1980



Amanhã será novamente tema de controvérsia em Itália: completar-se-ão 30 anos sobre a tragédia de Bologna. Às 10.25 de 2 de Agosto de 1980 explodiu na sala de espera da estação central uma potentíssima bomba que causaria 85 mortos, quase 200 feridos graves e estragos de grande monta.

Eram anos de chumbo e o terrorismo com origem nos extremos do espectro político estava à solta. No caso de Bologna as suspeitas incidiam sobre a extrema direita e movimentos neo-fascistas. Depois de um longo processo, foram condenados a prisão perpétua dois activistas de direita: Francesca Mambro e Valerio Fioravanti, com uma história confessada de participação em atentados de sangue, mas que sempre negaram a sua implicação no atentado de Bologna. Mais tarde foi também condenado outro neo-fascista, Luigi Cavardini.

Há dez anos, na passagem do 20º aniversário, comentava o primeiro ministro Amato que houvera mentiras, conivências e apoios a nível do Estado. Andreotti punha alguma água na fervura, dizendo que desvios sempre tinham existido, e que era preciso atender a que no aparelho dos serviços secretos dominava a convicção de que uma espécie de guerra santa anti-comunista era necessária e meritória.

No 30º aniversário, enquanto a Associação de Vítimas reclama a desclassificação dos arquivos que podem levar a compreender a dimensão da urdidura, vêm a público elementos de uma nova teoria sobre o atentado, onde surgem o grupo do célebre Carlos "o Chacal" e uma pista palestiniana. É Rosario Priore, ex-juiz de instrução de vários processos mediáticos, que descreve todo um cenário alternativo no livro "Intriga Internacional", de que é co-autor com Giovanni Fasanella. Mas, para Paolo Bolognesi, presidente da Associação de Vítimas, se bem que a continuação das investigações seja bem vinda, a pista alternativa é uma perda de tempo.

sexta-feira, julho 30

Pascal B.


Os nomes das personagens do folhetim tornaram-se bem notórios: Liliane e Françoise, Banier, Patrice de Maistre, Clare Thibout, Eric e Florence Woerth... e salpicos em Sarkozy e Philippe Courroye, Procurador da República de Nanterre e figura próxima do Presidente.

Ontem era o ministro Woerth que cozia em banho-maria, dando uma entrevista de 8 horas à polícia no seu gabinete. Ou, como dizem os jornais, sendo ouvido pela polícia. Do conteúdo pouco se sabe, a não ser que nega tudo o que pode inferir-se com razoável verosimilhança das gravações ilegais feitas à Sra Liliane e seus próximos.

Pascal B. é talvez o nome menos repetido, mas ele é o criador desta novela que deslizou rapidamente de um pequeno drama de costumes para o detonar de um escândalo fiscal e de estado. Irritado com o despedimento de colegas que deram com a língua nos dentes sobre o estado de saúde da Sra Bettencourt, o mordomo Pascal B. começou a servir o chá e o café com gravador incluído. A paciente recolha de diálogos durou um ano e foi transcrita para vários CDs. Por entre o tilintar das colheres de chá nas porcelanas da família, podemos ouvir conversas sobre o destino a dar a uma conta de 65 milhões de euros na Suiça... e muito mais. Digo podemos ouvir porque a divulgação não está limitada a transcrições nos jornais: no site do Mediapart, ligado ao PS, estão clips de audio disponíveis ao público. Tudo ilegal, claro. Por isso Pascal B. também terá o seu processozinho, estando acusado de intromissão na vida privada. Vida privada recheada de vidas públicas, uma maçada.

No poupar está o ganho

Morreu ontem Theo Albrecht, um dos homens mais ricos da Alemanha, co-fundador com o seu irmão Karl da cadeia de lojas de desconto ALDI. Uma ideia de sucesso que se multiplicou no pós guerra e foi exportada para a Europa: nós cá temos o LIDL. A ideia é simples -- vender um stock limitado de produtos, poupar no preço, na publicidade, na apresentação, por vezes na qualidade, que remédio. Muitos consumidores agradecem. Conta-se que Theo era um poupante empedernido: nunca mudava de sala sem apagar a luz e reduzia a iluminação ao indispensável. Deve fazer parte do segredo para construir uma grande fortuna, que a populaça agora escarnecerá porque deixa todos os stand-by ligados e pensa que tem lâmpadas economizadoras. As notícias não informam sobre a causa da morte de Theo. Talvez o facto de ter 88 anos seja suficiente, embora não reconhecido como causa legal.

sábado, julho 24

Afinal a TVI não é manipulável

É o que se infere deste post de E. Pitta. Deixa ver se compreendo: o autor insinua que o PS, talvez para dar publicidade a algum objectivo programático, terá feito pressões sobre a TVI no sentido de incluir nos Morangos umas beijocas entre rapazes. E a TVI, tal como num outro caso recente, não cede a pressões de partidos nem governos: faz censura pela sua própria iniciativa. Tomem lá, partidários das conspirações.

sexta-feira, julho 23

Esguicho rectal

Já que se falou de um esguicho de petróleo, vem a propósito chamar a atenção para a nova técnica de pintura sobre tela inventada por Keith Boadwee, professor de Belas Artes formado na UCLA e membro do California College of Arts. Artista de sucesso, já expôs na bienal de Veneza e tem-se integrado nos movimentos de política idenditária e fascinação pelo abjecto. Podem vê-lo em acção aqui. Não clique no link se estiver à mesa.

A resiliência natural e as aves mortas

Parece que os danos resultantes da fuga de petróleo no furo da BP têm sido largamente exagerados. Ou, pelo menos, a capacidade de recuperação de que o planeta dispõe tem sido muito subestimada. Não admira: os meios de comunicação especializaram-se no discurso da convencional "correcção" que anuncia o apocalipse para o dia seguinte. Se se puder apontar o dedo aos malvados rrricos e capitalistas(o que acontece ajustadamente neste caso), é ouro sobre azul. No mundo académico as tentações são semelhantes, porque políticas demagógicas canalizam fundos generosos para uma investigação programática em que os resultados já são conhecidos antes da conclusão dos projectos.

Em artigo publicado há cinco dias no Times e aqui transcrito com links e referências, Matt Ridley põe o desastre em perspectiva com acidentes do mesmo género e comenta o provável exagero da cobertura mediática.

The final lesson is that the environmental threats that matter are the slow, continuous ones, not the telegenic sensations like oil spills. BP’s spill is known to have killed just over 1,300 birds so far. Just one wind farm, at Altamont Pass in California, was until recently known to kill perhaps 1,300 birds of prey every year. If BP really wants to kill birds, it should indeed go beyond petroleum and into wind, an industry that kills far more rare birds per joule of energy produced than oil does.

O enigma de Coelho

Não é clara a intenção do PSD e do seu líder com o episódio das alterações à constituição. Para além de marcar a agenda dos jornais e tvs por uns dias, os ganhos do ponto de vista de quem propõe são mais do que duvidosos. Para mim, o mais credível é que Coelho está aterrado com a mera hipótese de vir a ter que governar isto em breve. (Eu também estaria.) Assim, dá de bandeja à concorrência a oportunidade de agitar o espectro da destruição de conquistas disto e daquilo, finge ser um perigosíssimo neo-liberal - nome que já está a tomar, no imaginário simplório da sopinha de cultura socialista, o lugar do antiquado "fascista" para gozo dos cinco minutos diários de ódio a que os cidadãos têm direito - e fornece a oportunidade para todas as eminências do regime virem a público fazer alarmismo com o regresso a pretéritos a gosto e proferir outras banalidades, das quais a mais verdadeira é que não havia necessidade.

De facto, não há. O "SNS grátis" é um problema mal posto. Não há, nem haverá. O que há é um SNS falido. A tímida redução de que tem sido objecto é apenas um início. O seu custo incomportável pela dimensão da dívida torná-lo-á, por via das novas medidas que o governo será obrigado a tomar a curto prazo, tendencialmente desmantelável tal como existe. As classes que ainda têm algum guito terão de passar sem férias em Cancun e prescindir dos LCDs panorâmicos, para pagar cuidados médicos e hospitalares. Lamentavelmente, os que nem férias têm (quem sabe se por estarem no desemprego) ficarão também pior servidos. Resultado de políticas de gastar sem fazer as contas.

Quanto ao "ensino público", o trabalho de o desacreditar até ficar de rastos tem vindo a ser exercido meticulosamente por todos os governos recentes, merecendo destaque a "paixão" de Guterres pela educação à la Benavente e o empurrão decisivo para o abismo dado por Lurdes Rodrigues. As universidades não estão esquecidas: com o prestimoso auxílio da Europa e de Bolonha, estão agora afogadas em papelada e burocracia, e pressionadas para conceder o sucesso obrigatório em coisas a que agora se chama licenciaturas.

Tudo isto continuará a sua marcha, com ou sem Coelho e independentemente do texto da Constituição. Sem que o problema premente de como crescer e como tornar viável a economia do país seja tocado. Sem que seja alterada a situação imoral em que uma classe e uma faixa etária se apossaram dos empregos estáveis e decidiram gastar o que não tinham, deixando à geração seguinte o fardo das dívidas, da luta pelo trabalho precário e o aviso de que é melhor precaverem-se para a sobrevivência com uma amostra de reforma depois de trabalharem até aos 70 anos.

As propostas de Coelho são inúteis. Não respondem ao problema principal. O corte nos gastos far-se-á sem elas e mesmo sem Coelho: basta esperar que Sócrates, num dia não muito distante, tenha uma nova revelação de que o mundo voltou a mudar. Talvez até seja obrigado a descobrir que o recurso ao aumento de impostos não altera o caminho para o desastre.

Finalmente, parece que a expressão poética Razões Atendíveis (que a engenharia do nosso direito logo se encarregaria de domesticar) foi lucidamente posta de lado. De facto, mais vale deixá-la livre para título de uma pequena novela, em discreta homenagem a Capote.

quarta-feira, julho 21

Curiosidade

O governo sírio proibe o uso do niqab nas universidades do país, públicas ou privadas. Para defender a face laica do regime.

sábado, julho 17

Falta de assunto

No tempo dos LPs não perdia discos por distracção. Ninguém levava LPs para ouvir no carro e as dimensões não eram amigáveis para o transporte. Isso não obstava a que desaparecesse um ou outro de vez em quando, na sequência de um empréstimo esquecido. Desenvolvi então um sonho obsessivo e recorrente, em que estava a ouvir uma música belíssima que ao acordar não conseguia localizar na estante. Por vezes a ilusão era tão perfeita que, findo o sono, conseguia ainda reconstituir a melodia nos primeiros instantes. Se a música já tinha sido ouvida ou se era uma fabricação onírica, isso nunca vinha a saber.

No tempo dos CDs começaram a desaparecer-me discos em números alarmantes, e os empréstimos estão longe de explicar tudo. A senhora da limpeza não é suspeita: eu sei bem que estações de rádio ela sintoniza enquanto acaricia suavemente o pó, e não costumam dar Shostakovitch nem Cole Porter. Nem sequer Carl Orff.

Em vez de sonhar com as músicas perdidas, tento agora recuperá-las voltando a comprar os discos. Sinal de bem estar na vida, certamente. Mas nem sempre é fácil: nesta época de consumos rápidos, as reedições não são fáceis de encontrar. Que sorte nada disto ter importância.

terça-feira, julho 13

A fortuna

Quando as multidões iludidas estavam à espera de que Cristiano Ronaldo as deslumbrasse com a sua força de ataque no pobre Mundial que passou, eis que o rapaz vem surpreender o mundo num âmbito completamente ao lado dos toques na bola.

Primeiro foram as notícias de que era pai. Nos últimos dias o véu tem vindo a ser levantado: já não se fala só de mãe desconhecida, mas também de barriga alugada. O caso não é original mas o mistério reaviva-se: porque é que um homem desejado paga aqueles milhões para ser pai? E como acreditar que era mesmo isso que queria e que o faz sentir feliz, como ele lacónica e formalmente tem anunciado?

Cristiano está a mostrar ao mundo, simplesmente, como a fortuna lhe permite ser afortunado num sentido novo e subversivo. Não é para todos, mas está reservada a um punhado como ele, a possibilidade de separar brutalmente o sexo, como prazer, da função reprodutiva. De gozar as alegrias da paternidade sem ter de suportar por um só momento a alteração que uma gravidez provocaria na imaculada linha de anca da namorada ou amante. O poder do dinheiro vem assim fazer coro com os hábitos da natureza. O desperdício de fluido seminal é tão conspícuo como o pólen na primavera. O casamento de Ronaldo, quando for, não é para procriação coisa nenhuma. Está muito à frente.

sábado, julho 10

96.6, onda em extinção

Soube ontem que o Rádio Clube acaba esta semana. Não fico muito surpreendido: a recente troca de frequência com a M80 já seria um prenúncio do fim agendado.

Em Portugal não há crítica de rádio. As estações debitam playlists ou palavreado, certamente há resultados de audimetria, mas não é claro quem gosta ou deixa de gostar ou por que desígnios algumas emissoras encerram e outras nascem ou se mantêm no ar.

Agora no lugar do RCP ressuscitam as músicas dos anos 60 e 70. Admito que se trate de resposta aos anseios de um nicho de audiência com núcleo forte nos velhotes que nunca mudaram de ideias nem de gosto na vida. Para mim é uma má notícia: O RCP foi uma estação de rádio diferente da cinzenta maioria das outras. Realizou com sucesso o projecto de ser uma rádio de conversa, o que não é coisa menor. A conversa no RCP era pelo menos mediamente interessante, às vezes inteligente e frequentemente bem humorada. O mesmo se pode dizer do comentário em política e economia.

Agora ficaremos, em vez disso, com mais um gira-discos. Em Portugal nunca tivemos uma Radio 4 ou uma France Culture. A conversa ficará a cargo das Antena 2+1 e da TSF, onde a programação com base na palavra oscila quase toda entre o pretensiosismo insuportável e umas intervenções institucionais tão suporíferas como a leitura do Diário da República. E destas não nos livraremos jamais. A nossa factura da electricidade e, talvez, a publicidade, cá estarão para lhes garantir longuíssimas vidas.

quinta-feira, julho 8

A Weekend in the Country


A música sofisticada do grande Sondheim.

Sangre y goooool

Le tocó a Urdiales verse de frente con el primer Peñajara, que pasaba el envite, lo pasaba de largo, sin desalentarse, pero punto violento, descontrolado. En esa brusquedad rompía Urdiales plaza y se estrujaba los sesos para ver qué hacía ante el bruto. En los intentos de suavizar se le fue la faena que alivió rápido en el último tercio.

Mesmo para um conhecedor do idioma espanhol, a interpretação desta frase não é simples. Nesse grande país de contrários, que talvez exista nos corações até ao próximo domingo, há mais vida para além dos relatos de fútbol. Há as narrativas dos encierros, por exemplo, como os que nos últimos dias animam as festas de San Fermín em Pamplona. Claro que ontem as ruas ficaram desertas às 20.15 de lá, mas antes disso já tinha havido sangre y banderillas. Depois, foi a explosão do grito España! nas calles de muitas cidades, imprecando a Alemanha: ela que engula a crise.

Ontem só um pequeno país, situado na borda da Europa, fazia frente à arrogância do vizinho.

Senhora Transparência



Foi anunciada a formação de uma coligação de governo centro-direita na Eslováquia. Presidido por Iveta Radicova, que prometeu lutar contra a corrupção galopante (que frase original que acabo de escrever) num país onde o anterior chefe do governo tinha afirmado que, a escolher entre dois projectos de igual dimensão e interesse, não hesitaria em optar por aquele que fosse proposto por apoiantes seus. Uma afirmação inócua, afinal: o normal é escolher o projecto dos apoiantes mesmo que ele não tenha interesse nenhum ou seja até nefasto. (Deve haver por aí exemplos mas por acaso não me ocorre nenhum.)

O governo da Senhora Transparência prometeu estabilizar as finanças do país, contrariar o altíssimo desemprego (14%) e avisou na campanha eleitoral que os eslovacos estão a viver acima das suas possibilidades. Mas nem tudo serão rosas - vamos ver se o governo se aguenta, mesmo resistindo, como está também prometido, à legalização da marijuana e à generalização do casamento das pessoas que querem casar.

sexta-feira, julho 2

Survival of the Beautiful

Tem o fetiche de usar meias de rede? Não há problema, se você for boa. Mas se sofrer (sim, é esta a palavra) de pelo facial, dentes desalinhados ou, sendo homem, pelo nas costas ou uma parte essencial da anatomia encurvada, desista. Os critérios para engatar gente bonita são bem claros. Se não os cumprir, não faça drama: o que há mais por aí é sites de namoros a abarrotar de gente parecida consigo com quem até o acto de tomar um café deveria dar direito a uma indemnização. A gente linda esgotou a paciência e agora dispõe das suas zonas privadas na internet, defendidas do assédio dos feiosos, com cão de guarda a controlar as entradas.




Esqueçam-se as discriminações raciais ou de género. A que está aí, subterrânea e velada, é a do envólucro físico.
O caso é visto com um olhar muito sério quando a preocupação não é o relacionamento amoroso: há quem defenda a criação de leis contra a discriminação no trabalho com base no aspecto físico. O livro "The Beauty Bias" de Deborah Rhode conta que nos Estados Unidos 43% de mulheres com excesso de peso sentem-se estigmatizadas pelos patrões e que as gordas ganham em média 12% menos do que as que têm habilitações comparáveis. O sucesso da medicina estética confere à discussão a respeitabilidade que as preocupações sócio-económicas merecem, em contraste com a aparente futilidade do assunto. O mau aspecto físico andará afinal a par com a classe social: os feios são frequentemente mais pobres (menos dinheiro significa menos implantes, menos botox, menos lipo-aspiração).

Discutível como é, a proposta de criar leis para defender os menos atraentes é de sucesso duvidoso. Que partidos ou lobbies vão querer assumir a causa de um grupo com o qual ninguém se vai identificar sem relutância? A coisa só pode interessar a quem ganharia com a subida de nível de litigância: os advogados (feios, bem entendido) que aqui encontrariam um nicho de actividade promissor.

Na verdade estas ideias podem reduzir-se a uma operação promocional da autora. Porque há outros números (felizmente, há sempre um estudo que nos dá alívio). Se gordura não é formosura, parece que pelo menos é felicidade, o que já não é mau.

quarta-feira, junho 23

N11


Não são efeitos especiais, é uma espectacular imagem construída a partir de fotos do Hubble à região N11 da Grande Nuvem de Magalhães, a galáxia já aqui ao lado, onde fervilham estrelas jovens. A agradecer a: NASA, ESA e Jesús Maíz Apellániz (Instituto de Astrofísica de Andalucía). Ver também aqui um video com belíssimo zoom da Via Láctea ao N11.

sábado, junho 19

Literaturas

No dia da morte de José Saramago completaram-se 70 anos sobre o célebre apelo, a partir da BBC em Londres, do então general a título temporário Charles de Gaulle. No breve discurso, afirmava:

Cette guerre n'est pas limitée au territoire malheureux de notre pays. Cette guerre n'est pas tranchée par la bataille de France. Cette guerre est une guerre mondiale. Toutes les fautes, tous les retards, toutes les souffrances, n'empêchent pas qu'il y a, dans l'univers, tous les moyens nécessaires pour écraser un jour nos ennemis. Foudroyés aujourd'hui par la force mécanique, nous pourrons vaincre dans l'avenir par une force mécanique supérieure. Le destin du monde est là.

Era um tempo em que o discurso político tinha qualidade literária. E, quem sabe, produzido pelo próprio orador, não por assessores treinados em argumentos para teleponto. Nas Memórias, escreveu de Gaulle, sobre a sua aclamação em 1944:

Je vais donc, ému et tranquille, au milieu de l'exultation indicible de la foule, sous la tempête des voix qui font retentir mon nom, tâchant, à mesure, de poser mes regards sur chaque flot de cette marée afin que la vue de tous ait pu entrer dans mes yeux, élevant et abaissant les bras pour répondre aux acclamations.

Não é Proust mas não desmerece o culto da língua. E sobre Pétain:

Mais, hélas ! les années par-dessous l’enveloppe, avaient rongé son caractère. L’âge le livrait aux manœuvres de gens habiles à se couvrir de sa majestueuse lassitude. La vieillesse est un naufrage. Pour que rien ne nous fût épargné, la vieillesse du maréchal Pétain allait s’identifier avec le naufrage de la France.


De Gaulle acaba por ter, em 2010, uma afinidade com Saramago: por decisão do ministério da educação francês, a sua obra vai ser lida no liceu, nos programas terminais de estudos literários. Os sindicatos e associações de professores já se levantam em protesto, atribuindo à medida intenções de propaganda ideológica, invocando que a qualidade literária do texto não está à altura dos estudos em questão. Alguns vultos das letras contrariam esta visão: é obra de um escritor, sim. Corre uma petição para que se acabe com a confusão entre história e literatura. Muitas personalidades da inteligência francesa vêem ao palco dar as suas opiniões a favor ou contra: há depoimentos para todos os gostos nas páginas do Libération, do Figaro, do Le Parisien.


Os franceses que resolvam a questão. Saudavelmente, não me recordo de alguém entre nós ter posto em causa o estudo do Memorial do Convento nas escolas secundárias. O que para mim é um mistério. Não por qualquer razão ideológica, que estaria condenada ao fracasso perante a cultura, dita progressista, dominante, mas por razões literárias: causa-me um certo estupor que se dê a ler uma obra sofisticada, que recria a organização frásica da língua com um propósito encantatório, hipnotisante, perfeitamente sucedido, à massa de alunos que saem das escolas confundindo à com e pensando que tomas-te é o passado de um verbo. A idade avançada não tem grandes encantos, mas proporcionou-me a saída da escola a tempo de ler o Memorial só por prazer, sem ter que me preocupar em classificar o narrador como homodiegético ou heterodiegético ou reflectir sobre se o verdadeiro protagonista do romance é o povo trabalhador.







domingo, junho 6

6 de Junho, 1944


Thousands of Allied troops have begun landing on the beaches of Normandy in northern France at the start of a major offensive against the Germans.

The Prime Minister Winston Churchill has told MPs that Operation Neptune - the codename for the Normandy landings - is proceeding "in a thoroughly satisfactory manner".
He said the landing of airborne troops was "on a scale far larger than anything there has been so far in the world" and had taken place with extremely little loss.

The assault began shortly after midnight under the command of General Bernard Montgomery.

Timing of the Normandy landings was crucial. They were originally scheduled to take place in May - then postponed until June and put off again at the last minute for 24 hours by bad weather.

Upwards of 4,000 ships and several thousand smaller craft crossed the Channel to the northern coast of France.

Enemy reports say the landings took place between the port of Le Havre and the naval base at Cherbourg.

King George VI broadcast a message last night warning of the "supreme test" the Allies faced and he called on the nation to pray for the liberation of Europe.

BBC, 6 de Junho de 1944

O pensamento activista

Manuel Tapial é o nome de um activista espanhol que apanhou boleia no Marmara. O ano passado, lamentava-se da fraca ajuda dos governos europeus ao povo palestiniano, censurava uma porta voz do PSOE por equiparar o Hamas a Israel (no que tem razão mas não sabe porquê) e perguntava:

¿Qué intereses defienden nuestros políticos? ¿Cuántos 11-M u 11-S necesitamos?

Tapial sublinhava então a legitimidade eleitoral do Hamas. Tapial e os que seguem a sua linha de pensamento deveriam explicar porque é que ninguém organiza protestos contra a destruição de casas em Gaza quando é o Hamas que avança com os bulldozers. Certamente atribuem a actual baixa aceitação do Hamas entre a população à ausência de discernimento daqueles selvagens a quem se chama palestinianos e que dão um jeitão como bandeira política.

sábado, junho 5

Duas Sarahs

De acordo com este artigo em Just Journalism, só Sarah Montague, da BBC, não comprou facilmente a versão activista sobre os recentes acontecimentos no barco turco, tendo encostado Sarah Colborne às hesitações da sua narrativa.

Parece que alguns dos passageiros do Marmara procuravam o martírio. Colborne não teve oportunidade de se cruzar com nenhum. Pode até ser. Com tanto video que por aí circula, sabe-se lá quais são os encenados, para não falar dos censurados, os que nos escondem. Se ainda aparecer o da recepção inicial aos soldados israelitas a bordo do Marmara, com flores e buffet, não me admiro.

Os danos estão aí. Mas o delicado sistema de alianças e amizades impõe prudência na análise dos factos. No editorial de ontem do NY Times as advertências à Turquia e a Israel esforçam-se por aparecer em doses equilibradas.

quinta-feira, junho 3

Venez comme vous êtes



Os privados investem na sua imagem em face do que sabem que o público alvo aprecia. No fundo, copiam os governos e os partidos. Um banco traveste-se de Ronaldo. Os CTT (que não se sabe o que fazem agora além de venderem uns livros e uns telemóveis tristes) metem-nos volantes nas caixas de correio a informar que nos fornecem produtos amigos do ambiente. Manuais escolares dão um espaço generoso ao alarmismo ecológico, causa simpática a toda a gente boa e simples. O Mc Donald's acaba de lançar em França um anúncio "gay-friendly". Muito previsível: é o filho que esconde do pai a sua orientação, e não o contrário. Qualquer Almodóvar recusaria um argumento agora tão batido.

Que se trata de uma promoção de imagem é claro, já que toda a gente come, independentemente do que aprecia na cama.

Indício de verdadeira tolerância, hoje, será uma pessoa mostrar-se aberta a ir para a mesa com outra qualquer - mesmo alguém que habitualmente frequente os Mc Donald's.


Actualização: há sobre este mesmo anúncio um comentário interessante no Audacious Epigone.

Sitges, 3 de junho

Enquanto os noticiários nos aborrecem com as notícias bocejantes a respeito das campanhas de Alegre e Cavaco, ou com o problema da constitucionalidade (que giro o politiquês) de aplicar impostos retroactivos - dois assuntos que obviamente não têm interesse nenhum - é reconfortante saber que ali perto de Barcelona alguém se preocupa com o nosso futuro global e colectivo. José Luís abre as jornadas de este ano. Dan Brown deve ter em projecto vários novelos a respeito. Ou se calhar até já os escreveu (não posso saber porque não os li).

terça-feira, maio 18

Evo e Benedito




O que o Papa tem que aturar. Um solteirão empedernido, que faz da sua irmã Esther a primeira dama do país, que declarou estar casado com a Bolívia porque precisa de ter todo o tempo para se dedicar à pátria, vem recomendar a Benedito XVI o fim do celibato na Igreja. Foi anteontem, no Vaticano, em que Evo teve 25 minutos de tempo de antena.

domingo, maio 16

Da cinzenta literatura

Pachauri teve o seu primeiro encontro com a comissão de revisão do relatório do IPCC. Defendeu que não se pode deixar de ter em conta a literatura "cinzenta", criada fora do sistema convencional de validação científica.

Não sei se sim ou não. Engraçado, no entanto, vindo do responsável de uma vasta equipa que invocou o sistema de revisão pelos pares não só para fazer passar um ponto de vista cada vez mais desacreditado publicamente, como para silenciar e banir do sistema as vozes discordantes.

Mas isto não interessa nada. Simplesmente, levou-me de link em link a conhecer uma faceta de Pachauri que ignorava por completo: o homem dedica-se mesmo à literatura. Publicou no início deste ano o seu primeiro romance, Return to Almora, que as badanas podem descrever assim:

For Sanjay Nath, life is calling. Literally. Haunted by the remembrances of his previous life, spent at Almora, Sanjay starts to long and more to return to his ‘home land.’ The usual mundane progression of life fails to keep him busy, and moved by personal tragedies and futility of human life, he ultimately gives up everything to chase meaning, memories, and peace.

Parece pouco sumarento como resumo, mas procurando encontra-se melhor. O livro tem um cunho autobiográfico e conta a história de Sanjay, um homem com preocupações ambientais e que já em criança surpreendera os pais ao revelar que a sua esposa na encarnação anterior ainda era viva. Narra a entrada na universidade, a perda da virgindade, a "possessão por uma lascívia nunca antes sentida"; mais tarde, o encontro com Shirley MacLaine (a própria) e a atracção incontrolável pelas mamas das alunas na universidade. O Telegraph ofereceu alguns excertos da prosa:

Afterwards she held him close. ‘Sandy, I’ve learned something for the first time today. You are absolutely superb after meditation. Why don’t we make love every time immediately after you have meditated?’

Sanjay saw a shapely dark-skinned girl lying on Vinay’s bed. He was overcome by a lust that he had never known before … He removed his clothes and began to feel Sajni’s body, caressing her voluptuous breasts.


mas desgraçadamente...

the excitement got the better of him, before he could even get started.

He enjoyed the sensation of gently pushing Susan’s shoulders back a few inches, an action that served to lift her breasts even higher (...) He was excited by the sight of her heaving breasts, as she breathed in and out deeply.

Por acaso até consta que o lançamento do livro na Índia teve o patrocínio de grandes empresas a quem o TERI, instituto que Pachauri dirige, tem atribuído prémios e distinções, e também de um Banco que já em 2007 tinha apontado as alterações climáticas como uma das áreas-chave de investimento no futuro e que, compreensivelmente, tem subsidiado estudos de climatologia.

Como humilde espectador sem autoridade para avaliar a literatura sobre o clima, tenho de me limitar às minhas intuições para escolher os pontos de vista que julgo credíveis e formar o meu julgamento pessoal sobre o que se esconde por trás das deixas de quem fala. Também não faço crítica literária e muito menos a partir de meia dúzia de linhas, mas a impressão que fica é que não iria perder tempo a ler uma página sequer do livro. Claro que um cientista não tem que ser um bom escritor de romances, mas Pachauri acaba por sugerir, talvez sem dar conta, por intermédio da sua vida real, um enredo fascinante para um thriller: um bando de magnatas e especuladores aparecem a apoiar a novela de qualidade duvidosa de um escritor medíocre - o leitor não despegará do livro até saber porquê.