domingo, setembro 26
As virtudes
Numa crónica inspirada e bem humorada no PÚBLICO de ontem, Pedro Mexia disseca a translacção de significado sofrida, nos nossos dias, pelos pecados capitais. Algo de semelhante se poderá dizer das virtudes. Estas andarão ainda mais pelos caminhos do esquecimento.
Prudência, na era do hedonismo e do multi-endividamento, é uma ideia hoje reduzida ao uso do preservativo. A Temperança entra em colisão permanente com os nossos "direitos": resta-lhe hoje o papel pífio de barreira ao consumo de gorduras, açúcar, sal e tabaco. A frasezinha de Wilde no Lady Windermere's Fan desferiu sobre a Força machadada de que nunca se haveria de recompôr. A Justiça acomoda-se ao acatamento das decisões formais dos tribunais (quando nos convém).
Isto para já não falar das chamadas teologais. Fé, hoje, é exercer a vulgaridade do "pensamento positivo" e a crença na culpa da nossa espécie por desencadear todas os desastres que as novas igrejas anunciam. Esperança é conceito que só aflora quando alguém diz que o seu clube vai ganhar por 3-1 ou que "desta vez" vamos à final de um europeu ou mundial. Quanto à Caridade, São Paulo bem se enganou, quando previu que no fim dos tempos, não havendo já necessidade de fé nem esperança, permaneceria aquela. Se dela sobram résteas é só para os animaizinhos e os espaços verdes: o nosso semelhante que se desenrasque ou o estado que cuide dele, pois para isso pagamos.
(Na reprodução: Alegoria da Temperança, Luca Giordano, National Gallery.)
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