quinta-feira, dezembro 25

As luzes da cidade


Quando vem o natal, já se sabe que aparecem iluminações nas ruas mais comerciais das cidades. A opulência das decorações é variável com as características dos tempos que se atravessam, mais ou menos salpicados de crise. Nos arquivos deste blogue encontram-se recordações das luzes de dezembro em Lisboa ao longo de vários anos. Tanto quanto me apercebo, os últimos símbolos de alguma religiosidade ligada ao significado antigo das festas surgiram em 2006, na forma de umas figuras de anjos de depurada elegãncia que anunciavam a limpeza que iria seguir-se. Terão sobrevivido silhuetas de sinos e estrelas e pouco mais. As estrelas, com caudas ousadas, são abundantes este ano. Algumas igrejas continuam a expor presépios. Uma junta de freguesia liderada por comunistas, aqui ao lado de onde teclo, também.

Os valores

No dia do El Gordo, os jornais espanhóis contaram nas primeiras páginas: O juiz Castro leva a Infanta a julgamento no caso Noos, por fraude fiscal. Castro não acredita, portanto, que a senhora seja uma tonta que não se apercebe do que se passa em casa. Não se levantaram vozes a carpir os danos de imagem causados a Espanha pela actuação do juiz.

Ainda há pouco mais de um mês, a popularíssima tonadillera Isabel Pantoja iniciou o cumprimento de uma pena de prisão efectiva, condenada por delito que também se mede em milhões de euros.

Outros indiciados notórios, envolvidos em situações de enriquecimento ilícito (Bárcenas, Matos...) continuam sob investigação. Sobre dez membros da muito notória família Pujol pendem os indícios do costume: fraude fiscal, branqueio de capitais e tráfico de influências.

Uma historieta de enganos e burlas, rondando a comédia, a das incríveis aventuras do "Pequeno Nicolás", como enternecidamente lhe chamam os media, está também a animar a tele-realidade aqui ao lado.

Na mensagem de Natal de ontem, o rei afirmou:
 
...quiero añadir ahora que necesitamos una profunda regeneración de nuestra vida colectiva. Y en esa tarea, la lucha contra la corrupción es un objetivo irrenunciable.
Es cierto que los responsables de esas conductas irregulares están respondiendo de ellas; eso es una prueba del funcionamiento de nuestro Estado de Derecho.

Quando a própria irmã vai ser levada a julgamento, o significado destas palavras é, sem ambiguidade, o de um respeito necessário pela moral, mais do que pelas estruturas formais do Estado. Certos "republicanos" da nossa aldeia, recentemente dados à gritaria em defesa de um indiciado das suas hostes, têm muito a aprender com os valores implicitamente enunciados pelo rei Felipe.

domingo, dezembro 14

Um AVE das Arábias

Enquanto a corrupção e as discussões sobre se há ou não recuperação da economia tomam conta das aberturas dos noticiários, lá como cá, os vizinhos ibéricos estão agora a fechar um negócio de muitos milhões e alta tecnologia. Um comboio de alta velocidade, fabricado em Las Matas, Madrid, está a caminho da Arábia Saudita. Irá ligar Meca e Medina a 300 km/h, com equipamento especial para enfrentar tempestades de areia e as enormes amplitudes da temperatura local. Tem todos os ingredientes para se tornar notado como um sucesso da engenharia. Haverá ligações de 10 em 10 minutos, garantidas por 35 composições. Um AVE especial de luxo (porque de corrida são todos) estará destinado à família real.

Tal como se diz na publicidade dos automóveis, nenhum detalhe foi esquecido a pensar na comodidade dos passageiros, desde portas niveladas para facilitar o acesso de quem veste túnica até à previsão de espaço para transporte de garrafas de água sagrada, um extra importante da bagagem. O progresso não pára. Nem que seja para facilitar a vida aos seguidores de uma tradição que parece excluí-lo.

quinta-feira, dezembro 4

Some like it phony

Foi muito notada e comentada a entrevista que há poucos dias uma figura razoavelmente mediática deu à RTP. À pergunta da entrevistadora sobre o tema da conversa que o entrevistado tivera com outra figura muito mediática, a resposta foi

"... livros".

Este bocado da entrevista deixou-me bem disposto. Há pessoas que têm graça, ou convocam a graça, sem saber. Porque  de imediato me subiu à memória uma passagem da minha comédia favorita: Some like it hot. É um filme bem conhecido do grande público. Na cena, o rapaz do contrabaixo (Jerry, feito por Jack Lemmon), por acaso travestido de rapariga, toca um instrumento que mostra uma fiada de buracos obviamente provocados por balas. Sue, a chefe de orquestra, pergunta-lhe com ar desconfiado:

Como é que esses buracos vieram aí parar?

Jerry, olhando para baixo, titubeia:

Ah, isso aí... Não sei...
Ratos?

O colega do sax, Joe (feito por Tony Curtis), também travestido no momento, tenta ajudar acrescentando:

Comprámo-lo em segunda mão.

A entrevista foi menos engraçada que isto, mas valeu a pena a evocação.

domingo, outubro 26

Se demolissem não arrasavam tanto

Hoje deu-me para pesquisar a ocorrência do verbo arrasar nos títulos de dois tablóides influentes, cada um com o seu segmento preferencial. Por comodismo, limitei-me às aparições do verbo no corrente mês de outubro. Um estudo mais aprofundado pode ser interessante mas será mais adequado que algum especialista em coisas sociais pegue nele.

Então é assim: o PÚBLICO sai vencedor com três arrasadelas:

DATA     ARRASADOR   ARRASADO

24/10        Reitores              avaliação

16/10        Ferreira Leite      governo

5/10          Marinho e Pinto  partidos

As presenças no CORREIO DA MANHÃ são duas:

DATA       ARRASADOR                        ARRASADO

24/10         auditoria interna às contas       Gomes Pereira

9/10           [António] Costa                       ???

Nesta última ocorrência, o verbo é utilizado numa acepção gramaticalmente criativa, sem complemento directo, embora o sentido da notícia permita colocar Passos Coelho no lugar do arrasado.

Compreende-se a sobreutilização do vocábulo: a possibilidade de alternância com demolir é inviabilizada pelo facto de este ser um verbo defectivo, o que obrigaria a construções sintáticas menos sedutoras em títulos tablóides.

Hoje há eleições no Brasil. Esperando-se um vencedor com folga ligeira, os títulos de amanhã vão ser com certeza menos repetitivos. Muito provavelmente, o verbo vai ter um descanso merecido. Vamos ver até quando.

domingo, outubro 19

O outro pecado do plagiador

As revelações de plágio que culminaram com uma demissão de um secretário de estado têm entretido e suscitado excitação em algum público.
Adoptar textos de outros sem referência, apresentando-os tacitamente como do próprio não é bonito, não. No site do jornal há exemplos de excertos copiados. Eis uma amostra:

O professor é um cidadão, o que lhe confere uma dimensão cívica e política incontornável. (...) é uma pessoa com sentimentos, valores, preocupações e emoções (...) a sua dimensão humana, moral e afectiva não pode ser negligenciada (...) tem igualmente uma dimensão organizacional e associativa, integrando uma cultura profissional específica

...a escola tem de afirmar a sua missão intelectual e social no seio da sociedade, contribuindo para a garantia dos valores universais e do património cultural...

Em face disto e do restante, julgo que o pecado maior de Granjo não foi devidamente sublinhado: o plágio de trivialidades denota uma grande ausência de critério. Ao mesmo tempo, no entanto, põe a nu, para quem quiser ler, a produção de textos burocráticos de escrita automática, ao abrigo da chancela e do prestígio das instituições académicas.

quarta-feira, outubro 1

Estimular o crescimento


Também assinalando o dia mundial da música: com a música e o fino humor de um génio do nosso tempo.

domingo, setembro 28

Sem adicionantes nem adjectivantes

No Prospect.

Números

Há em França uma linha telefónica verde para assinalar perfis inquietantes de prováveis jihadistas. Foi também recentemente criado um departamento, no âmbito do ministério da Justiça, cuja designação é uma delícia estruturalista mas que fornece dados interessantes. O CPDSI, ou Centro de prevenção contra as derivas sectárias ligadas ao islão, tem informações provenientes de 130 famílias que atestam a radicalização dos filhos. São famílias sobretudo de classes média ou média alta: parece que entre as classes mais baixas a denúncia é evitada por receio de consequências. Os dados traduzem-se nos números seguintes: 80% de ateus, 60% de pais professores, 90% de classes médias e altas. A notícia está no  Le Figaro.

domingo, setembro 14

Esta é boa

Quando Jesus se dirigiu à multidão desafiando quem estivesse livre de pecado para atirar a primeira pedra à adúltera, apanhou uma pedrada na cabeça. Ó mãe! gritou ele, quantas vezes te disse que ficasses em casa?

Lido no Café de Ocata.

segunda-feira, setembro 8

A vida de Julie segundo um escrevedor genial


Antes de mais, acreditem que sou apreciador incondicional de Balzac. Mas quando este verão me pus a ler a Mulher de Trinta Anos não sabia que iria acabar por abandoná-la antes do fim, terá ela os seus cinquenta e tais. Quem conhece o magnífico Tia Julia y el escribidor, de Vargas Llosa, perceberá porque é que a evocação dessa novela fica presente na mente do leitor à medida que avança na Mulher de Trinta. Mas não nos iludamos: Balzac tem um humor subtil e não é daqueles que tem graça sem saber.

Mas, por muito boa que seja a escrita, achei que já tinha aguentado guinadas e piruetas bastantes. Vamos ver. A primeira, suave, dá-se quando somos informados de que Victor, com quem Julie casa por amor aos vintes contra a vontade do pai, afinal não presta. Não lhe dá valor, é distante e ainda por cima vaidoso, colérico e um mulherengo infiel. A rapariga é infeliz até dizer chega. Apesar de não haver informação prévia nesse sentido, quem sou eu para duvidar. Gente medíocre é o que há mais por aí. As longas ausências do marido e um tal Lord Grenville a rondar a porta permitem o eclodir de uma nova paixão às escondidas. Balzac trata-os de “aimants” mas informa que não chegam ao conhecimento carnal. De resto, quando durante uma ausência de Victor isso poderia estar quase a suceder, o marido volta a casa de repente e o Lord refugia-se no parapeito exterior de uma janela para salvar a honra de Julie. Sabemos duas páginas a seguir, pela fala de uma personagem secundária, que o desgraçado terá morrido de resfriado. Victor nunca chega a suspeitar de nada: não acha a mulher suficientemente boa para incendiar corações.

A morte de Grenville vai marcar os anos seguintes da vida de Julie com o estigma da culpa. A filha, Hélène, não é fonte de alegria. Julie não lhe consegue dar ternura. Mas eis que entra em cena Charles de Vandenesse, em trânsito para o lugar de embaixador em Nápoles. Depois de comparações entre o casamento e a prostituição, um romance platónico de Charles com Julie avança e recua. Chega um momento em que as coisas aquecem a ponto de Charles, que decide afinal ficar em Paris, tocar a mão de Julie e a beijar na face, mas eis que de novo Victor entra inesperadamente. Diga-se de passagem que Victor não percebe nada do que vê, e pensa que Charles desiste do lugar de embaixador para não perder a oportunidade de caçar a herança de um tio bem colocado. (É burro, coitado, não há nada a fazer, pensa Julie.)

O capítulo seguinte abre com uma cena que o narrador descreve na primeira pessoa. Somos levados a presenciar o efusivo encontro de Julie e Charles num belo enquadramento do Paris moderno. Há duas crianças: Hélène e Charles, irmão mais novo e com traços físicos diferentes. Charles é loiro como o outro Charles. (Como o marido não percebe nada, teve a lata de pôr à criança o nome do amante, pensa o leitor.) A menina recusa-se a brincar com ele e a mãe enfurece-se com ela. Quando a mãe se despede do amante, Hélène afasta-se e o irmão pergunta-lhe porque é que não vem despedir-se do seu bom amigo. Hélène lança-lhe “o mais horrível dos esgares que jamais se viu nos olhos de uma criança” e empurra o menino, que desaparece na corrente do riacho.

Não ficamos a saber como terá Julie explicado lá em casa a funesta ocorrência, o que daria para um outro romance. A acção avança três anos, estando Julie e Charles a jantar com um notário e mortinhos para ele se ir embora para aproveitarem a ausência de Victor (um paradigma situacional), que fora ao teatro com os filhos (Hélène e Gustave). Mas antes da saída do notário eis que de novo, inesperadamente, entra Victor com os miúdos. A peça de teatro andava à volta de um drama numa torrente, e Hélène, pelas razões que o leitor sabe mas Victor não, tinha-se sentido muito mal.

Passam mais alguns anos e estamos na casa de campo de Victor e Julie, que agora têm mais dois filhos, Abel e Moina. É noite de natal e um aflito toca à porta: o homem está a ser perseguido pela gendarmerie e Victor dá-lhe guarida por duas horas no sótão. Os gendarmes chegam, dizem que há um assassino em fuga e, enquanto Victor fala com eles e garante que não viu ninguém suspeito, Julie manda Hélène ver quem é o estranho. Daí a pouco Hélène e o assassino descem à sala e anunciam nem mais nem menos que vão fugir juntos.

Logo a seguir ficamos a saber que isto foi apenas um aviso do destino. Um desastre financeiro arrasta a ruina de Victor, que é obrigado a emigrar para reconstituir a sua fortuna. Seis anos depois regressa a França num navio espanhol. Na aproximação a Bordéus o barco é abordado por um navio pirata. Victor escapa de ser lançado ao mar porque o capitão do navio pirata o reconhece: é nem mais nem menos que o assassino com quem Hélène fugira. Victor reencontra no navio pirata nem mais nem menos que a filha Hélène, no posto de mulher do capitão, enfeitiçada pelo companheiro como na noite de natal em que se tinham conhecido. O pai despede-se da filha enquanto o barco onde tinha viajado se consome em chamas atiçadas com garrafas de rum.

Meses depois de ter recuperado a fortuna, Victor morre, cansado da vida. Julie leva a filha Moina a viajar aos Pirinéus. Hospedam-se num hotel onde não conseguem dormir à noite, porque no quarto ao lado uma criança geme sem parar. No dia seguinte vão ver o que se passa: a hóspede é nem mais nem menos do que Hélène, e a criança que geme o único filho que conseguira salvar de um naufrágio. À vista de Julie e Moina, morre o menino e morre Hélène. Esta deixa à irmã um aviso: não se encontra a felicidade fora das leis. Cerrados os olhos de Hélène, Julie explica melhor: uma menina não encontra nunca a felicidade numa vida romanesca, fora das ideias com que foi educada e, sobretudo, longe da mãe.

No início da última parte (“Velhice de uma mãe culpada”) sabemos que Gustave e Abel faleceram e que Julie, embora parca em afectos, fez o seu melhor para garantir o futuro tranquilo de Moina. Este instante de tranquilidade relativa, não sei se fugaz, pareceu-me uma boa altura para o leitor se retirar. Nem mais nem menos.

sábado, setembro 6

A descoberta da caridade

Newton descobre a caridade. The Spectator

sexta-feira, setembro 5

Depoimentos


De Paulo Penedos disse Mário Soares, em depoimento escrito enviado à juíza titular do Face Oculta, que se tratava de "uma pessoa séria, inteligente e conscienciosa".
A propósito de José Penedos afirmou Jorge Sampaio, como testemunha abonatória, "Quem é influenciado e afectado [pelas ofertas], é porque não tem capacidade moral. Não quero com isto dizer que não haja pessoas que tentem fazer coisas menos dignas, mas não é o caso da pessoa por quem vim depor".
Estas palavras de apoio, mesmo cautelosas, não têm nada de extraordinário em si mesmas, até porque o conhecimento e mesmo a proximidade de uma pessoa não nos dá acesso a todas as facetas do seu comportamento.
No entanto, dado o peso político e institucional das pessoas que as proferiram, é óbvio que se tratou de usar o prestígio e a autoridade moral de que gozam em favor dos visados no processo. E sabemos agora que em alguma coisa que em nada os recomenda eles estiveram envolvidos, dada a relativa dureza das penas ontem anunciadas.
É inevitável que olhemos com muita cautela para as opiniões e posições de apoio de figuras como estas, que mostram dificuldade em ler a realidade para além da aparência mais imediata.

(É certo que sobre Vara nem Sampaio se enganou, após o escândalo ocorrido com uma Fundação que usava Rodoviária no nome. Mas nem isso parou a ascenção de Armando: pelo contrário, mão amiga se encarregou de o catapultar. A história está recordada aqui. )

sábado, agosto 16

Novos rankings de universidades

O novo ranking de Shanghai já está aí e os jornais já disseram o que mais salta à vista a respeito das nossas escolas: a geração mais bem preparada de sempre estuda em universidades que não aparecem nos primeiros 200 lugares da fila.

Alguns resultados parciais são mais animadores: no ranking da Matemática, por exemplo, a Universidade de Lisboa surge na posição 76-100, num apesar de tudo discreto 2º lugar (ex-equo com Granada) na Península Ibérica (onde, à frente, estão a Autónoma de Madrid e Santiago de Compostela).

Pode discutir-se a elaboração do ranking e arbitrariedade de alguns parãmetros utilizados, mas ele alguma coisa há-de significar, de modo que não há inconveniente em reflectir sobre as razões deste baixo perfil, mesmo que isso não sirva para nada. De resto, o facto não tem importãncia nenhuma nem é caso para alguém andar mal disposto, como acontece, por exemplo, quando a selecção perde o apuramento para uns quartos de final.

Sendo o problema muito complexo e difícil, convém tratá-lo em termos simples. Podemos sempre adiantar, como consolação, que os problemas da universidade não são uma pecha exclusivamente portuguesa e que há quem esteja pior. Mas aqui vai um alinhamento de pontos em que haveria que intervir quando houvesse vontade de provocar mudança:

- O sistema universitário está sobre-dimensionado no seu todo. Isto aplica-se às universidades públicas e não só à explosão oportunística de privadas a partir dos anos 80. Em particular, resulta daqui que o sistema é caro e que uma parte apreciável dos cursos que vende não prestam e não interessam a quase ninguém.

- As universidades não têm autonomia, por muito que o formalismo legal o apregoe. Uma peça importante do espartilho é o Estatuto da Carreira Docente Universitária, que não permite liberdade de contratação e nivela todos pela mesma bitola. Na situação actual em que os cortes de orçamento estão na ordem do dia, o resultado é mortal: a renovação e a atracção de talento tornou-se quase impossível.

- Se há sistema que acolha as más ideias com a inocência e a pressa dos ingénuos, é o sistema universitário. Estou a pensar no embuste conhecido como reforma de Bolonha, com os seus planos de estudo insensatos, mas podem dar-se outros exemplos. O cancro burocrático que tem vindo a alastrar dentro das universidades necessita também atenção e tratamento urgente. Os responsáveis (reitores, por exemplo) costumam dizer que as suas escolas não podem funcionar bem sem mais dinheiro. Nalgum ponto terão razão, mas do que as escolas mais precisam para funcionar melhor é de tempo e de bom senso. É necessário desarticular os procedimentos que retiram aos professores o tempo e a concentração necessários para fazerem boa investigação e até para darem bons cursos, e manter as horas de docência em limites decentes.

- A articulação entre universidades e agência de financiamento da investigação científica tem constituído um despique em que as indefinições e as tensões constituem entraves que prejudicam frequentemente a optimização de resultados.

terça-feira, agosto 12

A prova e os erros

Há um aspecto que não tem sido suficientemente aprofundado quando se fala da prova dos professores: que quantidade de erros dados pelos examinandos se devem à não observação do chamado acordo ortográfico? Aqui as baterias da crítica deveriam ser apontadas ao Ministério, que pelos vistos impôs uma norma de escrita muito contestada por representantes prestigiados das classes cultas e por variados estratos da população com interesse na defesa da língua. Acho inadmissível que se tenha obrigado os professores a exprimir-se nessa linguagem simplificada, que tanto dano irá causar ao uso do português falado, e que é mais apropriada para a escrita de SMS. Disto não falaram os protestantes sindicais. (Como também estiveram indiferentes à introdução e avanço do edu-burocratês e suas consequências, para as quais acordaram apenas quando a avaliação da professora Maria de Lurdes lhes caiu em cima -- provavelmente nem se aperceberam de que estava tudo ligado). Ora a discussão em torno do "acordo" é uma matéria que faria todo o sentido tornar-se peça de resistência dos profissionais de ensino. Sobretudo quando a contagem dos erros depende da versão que se convenciona utilizar. Vigora uma imposição que não tem por detrás acordo nenhum, que tem interesse mais do que duvidoso, que vai tornar a língua mais feia e danificar a oralidade em Portugal, criando a médio prazo uma bolha de homófonas (receção vai soar como recessão dentro de pouco tempo, não acreditam?). A decência mínima seria permitir também o uso do português anterior ao “acordo”.

quarta-feira, agosto 6

Post de férias

I. Desabafo de um oprimido pelo correio electrónico.

Havia um tempo em que o correio chegava a uma hora fixa do dia e nos dava tempo para elaborar a resposta ou outros procedimentos adequados. Agora o e-mail, que usurpou as funções do outro, chega em cada momento. Ainda estamos a responder a uma mensagem e já outra se interpõe, frequentemente a alterar pressupostos da anterior. Também nos pedem frequentemente uma confirmação de leitura para garantir que não escapamos a replicar.

Também faz falta um livro de etiqueta do correio electrónico. Que diga coisas tão simples como, por exemplo, esta: enviar uma resposta a dizer simplesmente "obrigado" por uma informação recebida é falta de educação e de consciência ecológica, pois implica perdas de tempo inúteis e contribui para entulhar a nossa caixa de enviados e a caixa de entrada do correspondente. O remetente deve poder também accionar um botão que transmita a notificação: por favor não responda a não ser que tenha alguma coisa substancial a acrescentar.

II. Filmes sobrevalorizados

Muito interessante esta série de artigos do blog de Santiago González sobre alguns dos filmes mais sobrevalorizados de sempre. Assino por baixo em relação ao Clube dos Poetas Mortos, cujo pretensiosismo e mensagem rançosa identifiquei à primeira, mas confesso que gostei da Morte em Veneza até à terceira vez que vi o filme. Foi à quarta que me apercebi do kitsch e pechisbeque envolvente, mas mesmo assim continuo a recordá-lo como um objecto interessante. A cena que mais costumo recordar, com um sorriso interior, é aquela em que o empregado bancário chama à parte o Aschenbach para lhe explicar o siroco e os itinerários da peste. Também gostei dos pregões dos vendedores de morangos no Lido.

terça-feira, julho 22

Vargas Llosa, honoris causa em Lisboa

Aplausos hoje para Mário Vargas Llosa e para a Universidade Nova de Lisboa, que confere ao grande escritor o grau de doutor honoris causa.

Há uns meses atrás, Juan Carlos Monedero, um patético fascista (sem saber) do novo partido P(H)ODEMOS  e professor da Universidade Complutense de Madrid, pedia num jornal o julgamento em tribunal popular de Vargas Llosa, que qualificou de "patético democrata".

Temos que assinalar quando constatamos que na Universidade ainda há lugares onde habita a inteligência. Se os exemplos como o de Monedero proliferassem, alguém teria de perguntar, como Santiago, enquanto contempla alguma avenida triste e enevoada: Em que momento se fodeu a Universidade?

quarta-feira, julho 16

O escudo e a culpa

Frase encontrada numa notícia do EL MUNDO de hoje (itálico e negrito nossos):

En Israel, por su parte, un muerto y más de diez heridos tras 1300 proyectiles de Hamas y la Yihad. La batería Cúpula de Hierro es la culpable del reducido número de muertos y heridos al haber interceptado unos 230 que iban dirigidos a zonas urbanas. Los últimos cuatro proyectiles interceptados esta mañana los ya famosos M75 de fabricación casera de Hamas iban dirigidos a Tel Aviv.

Para lá da curiosa redacção, talvez a culpa esteja atribuída com ligeireza. Pelo menos há peritos do MIT que divergem desta narrativa, e tentam explicar com gráficos e tudo.

quinta-feira, junho 26

De Espanha, hoje

UM: Será a notícia um balão de ensaio? A Monumental de Barcelona vai ser a maior mesquita da Europa. Terá um minarete com 300 metros de altura e capacidade para 40 mil pessoas. O financiamento vem do Qatar (pelo menos a nível intermédio) e ultrapassa os 2 mil milhões. A cultura sangrenta da tourada dá assim lugar a nova espiritualidade e nova cultura onde cabem as amputações e apedrejamentos a pessoas e a inspiração para fazer saltar pelos ares pequenas ou grandes aglomerações de gente.

DOIS: A ex-Infanta no banco dos réus? Pode até ser, mas sendo incerta a permanência da acusação de branqueio de dinheiro, muitos não acreditam. Apesar de tudo, o juiz Castro reabilitou pelo menos a imagem de uma Cristina-a-Tonta que não percebe nada do que se passa na própria casa nem das andanças em que se entretém o marido. No caso Nóos, os procuradores tinham-lhe feito o favor de fingir que a julgavam mentecapta.

TRÊS: Magdalena Álvarez renuncia finalmente ao lugar dourado no Banco Europeu de Investimentos, a fim de evitar a destituição que aí viria. Envolvida no lamacento caso dos EREs de Andaluzia e formalmente já indiciada, a Senhora Álvarez retira-se por agora com direito a um salário reduzida a cerca de 10 mil euros por mês até 2017, após o que terá de se contentar com uma pensão de 4000 euros, porque, coitada, só tem 4 anos de serviço. O que ela não poderia ainda amealhar até ao fim do mandato, se não tivesse tido esta pouca sorte. Com a arrogância usual dos corruptos, declara-se inocente e vítima de perseguição política.


domingo, junho 15

Enigmas, ou nem por isso

Em face das não tão surpreendentes notícias sobre o tumulto no Largo do Rato, a questão relevante para o espectador é compreender as diferenças entre as facções que se enfrentam. O boato mais consistentemente propagado, com a anuência de meios de comunicação, instila o dogma de que o António com apelido Costa é uma figura politicamente mais forte e com mais credibilidade para "mobilizar os portugueses" (ou lá o que é) do que o António com apelido Seguro. A inesperada jogada deste último, assente em recursos de secretaria e revelando que é um homem que detesta chatear-se sozinho, instala a confusão noutro nível. Afinal, percebe-se que o de apelido Seguro é mais teso e menos panhonho do que os detractores querem fazer crer. Assim, não se percebendo nenhuma diferença de ideário entre um e outro, não havendo curriculum relevante de nenhum deles (pelo contrário talvez sim), e parecendo agora equiparadas as capacidades de ambos em politiquear, o que está em jogo é mais óbvio do que antes: uma simples guerra entre dois grupos com os respectivos cortejos de apoiantes e dependentes. Nada de extraordinário nem que não exista noutros partidos. Nem admirável é o facto de as sondagens parecerem dar o primeiro lugar ao grupo que é apoiante do péssimo governo anterior.

domingo, maio 25

Depois da reflexão

Há bocado ia tendo uma recaída que quase me levou à assembleia de voto. Ora, como o nome do blog indica, não tive o tempo necessário para dedicar atenção à feira de promessas e insultos a que se convenciona chamar campanha. Assim, fui fazer uma consulta rápida ao site da Comissão Nacional de Eleições. O resultado foi desolador e fez imediatamente arrefecer a minha fraca intenção. O sítio contém as listas de candidatos e os contactos dos mandatários. Mas não há linhas mestras, resumo, palavras-chave de programa algum. Um homem tem de andar a procurar no google e nem sempre resulta. É verdade que também podia ter telefonado aos mandatários para me tirarem algumas dúvidas, mas não me pareceu adequado. As listas estão cheias de gente quase desconhecida, com excepção de 3 ou 4 cabeças de cartaz. Pior do que isso são os nomes das candidaturas. Há um "partido da terra" (starring um advogado polémico, como os jornalistas gostam de dizer), outro "pelos animais e pela natureza" (apoiado por um maestro muito conhecido que se declara alarmado com o degelo polar) e um "livre" (assim, sem nenhum substantivo, que péssimo aspecto). Além disso há um nítido excesso de escolhas socialistas e comunistas. Há uma CDU que aparece com o nome de Coligação Democrática Unitária e também Coligação Unitária  Democrática. Deveria haver um ente regulador da estética dos actos eleitorais. Achei a informação um pouco abandalhada. Deixo-me estar.

quinta-feira, maio 1

Das instáveis renováveis

Num tempo de dirigentes frouxos, asserções estereotipadas e discursos suporíferos, na República Checa há alguém que fala pela própria cabeça. É o presidente Milos Zeman. De esquerda, ou populista, como o descrevem os meios do arco da comunicação. Haja quem se preocupe em manter os ouvintes acordados.

domingo, fevereiro 9

A "política científica" nos jornais

Com a diminuição do número de bolsas oferecidas pela FCT, chega ao grande público o debate em que organizações de bolseiros e órgãos universitários por um lado, e pessoas do governo por outro, se enfrentam em posições extremadas. Os jornais fazem a sua investigação: ainda hoje o PÚBLICO dá grande destaque a um artigo cujo título ("Governo legitima mudança na política científica com dados descontextualizados") é uma tomada de posição. No calor do debate, não tem sido muito lembrado que temos um Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que este conselho tem emitido pareceres e recomendações, e que eles parecem estar muito bem arrumados em alguma gaveta.  Em particular, são interessantes as sugestões sobre o que interessaria modificar nos estatutos da carreira docente universitária e da carreira de investigação. Mas esse debate é possivelmente menos entusiasmante e menos susceptível de alinhar unanimismos do que o da contagem dos euros gastos em bolsas. Entre os temas desagradáveis a discutir estão as vantagens e inconvenientes da tenure, e os espartilhos do actual estatuto de carreira, que congela os horários semanais em limites perversos e não permite diferenciar salários.

 Afinal, sempre é mais fácil olhar para uma folha de Excel do que ir ao fundo de questões incómodas - particularmente para as universidades.

sexta-feira, fevereiro 7

Titulite

A tendência de alguns políticos profissionais para se apresentarem publicamente com currículos académicos meio falsos ou simplesmente suspeitos não é uma originalidade portuguesa. Na verdade, tanto o nosso ex-PM como Relvas podem considerar-se modestos ao ficarem-se por licenciaturas executadas com um cuidadoso "tuning". Há dois dias, o El Mundo denunciava que Pilar Rahola - figura de relevo nos meios políticos catalães - enriquecia as suas biografias oficiais com dois doutoramentos falsos.

Na sequência desta notícia, Santiago González revela, no seu blogue, um punhado de outros casos.

A titulite é possivelmente uma doença ibero-americana. Por cá, no Brasil e na América do Sul, ser senhor ou senhora sabe a pouco, e por isso há necessidade de ser chamado dr. ou engenheiro. Em Portugal o caso é verdadeiramente mórbido. Senhor é o canalizador que nos veio resolver a inundação na casa de banho ou Rajoy, senhora é a nossa empregada doméstica ou Merkel. Os media portugueses colaboram na farsa, incapazes da noção do ridículo.

quinta-feira, janeiro 2

Proust, cem anos de presença

Terminado o ano dos 100 anos do início da publicação de "Em busca do Tempo Perdido", inicia-se um novo período de 100 anos para continuar a falar da obra de Proust.

Há poucos dias defendia-se, no Telegraph, que há na Recherche traços de um humor fino e subtil. E, graças aos comentários, descobri um site com informação e comentários abundantes no goodreads, que é uma espécie de facebook onde as caras se escondem para dar lugar aos livros. O grupo é muito activo na discussão.