quinta-feira, janeiro 19

Navios

Está na natureza humana salpicar de humor até os aspectos mais trágicos da vida. O terrível desastre do Costa Concordia ressuscita na net a citação atribuída por alguns a Winston Churchill:

There are 3 things I like about being on an Italian cruise ship. First, their cuisine is unsurpassed. Second, their service is superb. And then, in time of emergency, there is none of this nonsense about women and children first.

Mas é mais credível que se trate de uma tirada do Noel Coward, em registo mais ácido se possível:


I only travel on Italian ships; in the event of sinking, there’s none of that ‘women and children first’ nonsense!

Não sei se os italianos eram merecedores da piada. O último dos grandes naufrágios, antes da era do jacto, pertenceu ao transatlântico italiano Andrea Doria, com uma operação de salvamento competente e um custo em vidas moderado. A capa da Life, de 6 de Agosto de 1956, mostra o Andrea Doria visto do Île de France, a bordo do qual se encontrava o grande fotógrafo Loomis Dean. Dean fixou instantâneos de muitas celebridades do espectáculo e da moda. Entre elas o mordaz Noel Coward.

domingo, janeiro 1

Um guião esgotado

Com as mudanças de governo recentes em Portugal e em Espanha, volta ao palco a encenação cansativa de uma novela baseada na cultura da irresponsabilização, na desfaçatez com que todos mentem e no desvalor das etiquetas que os partidos colam a si próprios.

O enredo é mais ou menos estável: em cena estão dois partidos, cujos nomes têm um significado escorregadio e equívoco e por isso vamos designar simplesmente por A e B. O partido com etiqueta A é substituido por outro com a etiqueta B. Tomada a posse, B descobre um défice ou uns buracões muito maiores do que o previsto e desata a anunciar que tem muita pena mas não pode deixar de fazer umas maldades de que em campanha tinha prometido abster-se. Os figurões de A aproveitam para pôr a boca no trombone para desancar nos B. Com toda a lata e falta de vergonha, os que alegremente contribuiram para arruinar a situação com uma gestão que bondosamente podemos chamar de inepta, criticam os recém-chegados dizendo que assim não se consegue recuperar a economia, que as medidas são necessárias mas não são bem aquelas. O cidadão-espectador não sabe com quem há-de indispor-se mais. Por um lado parece incrível que não se soubesse o resultado das contas e que ele depois surja por milagre em tão pouco tempo. Parece haver iniciativas que deveriam ter precedência e ficam por tomar. Por outro, os derrotados não conseguem explicar porque é que o seu programa, que tiveram oportunidade de aplicar uns largos anos, não permitiu caminhar para a resolução dos problemas mas antes pelo contrário, e ainda por cima na etapa final dos seus governos enveredaram pelas políticas mais próprias dos B.

Esta coreografia lamentável é acompanhada em fundo por um coro que, contraditoriamente, entoa uma melodia da amnésia: estamos numa fossa mas não há culpados de nada, não vá alguma coisa cair-nos em cima. A responsabilidade quer-se colectiva, como recomendam os discursos redondos de algumas das nossas figurinhas públicas.

Em Espanha a tontice chega ao ponto em que o novo governo condecora ministros do anterior. Com a atribuição do colar da ordem de Isabel a Católica a Zapatero (o governante que por conveniência política consolidou a fragmentação do país e hostilizou abertamente a Igreja, enquanto criava essa inutilidade oportunista chamada Aliança de Civilizações) nem se percebe se estamos perante uma gaffe ou uma traquinice humorística. Como refere com graça um comentador no Libertad Digital, um paralelo apropriado seria condecorar o conde Drácula com um crucifixo e uma coroa de alhos.