domingo, março 29

A ciência no labirinto

A ciência é permeável à ideologia? Bom, a ciência é feita por seres humanos e todos temos a tendência para acreditar, ou pelo menos aderir emocionalmente, a determinados esquemas de explicação da realidade.

“The pope is correct, or put it a better way, the best evidence we have supports the pope’s comments. He stresses that “condoms have been proven to not be effective at the ‘level of population' " disse à National Review Online Edward C. Green, director do AIDS Prevention Research Project no Harvard Center for Population and Development Studies. Green explica que isto pode dever-se ao fenómeno que denomina compensação de risco.

A revista Lancet intimou há dias o Papa a desdizer as recentes afirmações sobre a ineficácia do preservativo. Há portanto sinais de fractura a nível da comunidade científica, o que não é inédito: já a respeito das "alterações climáticas" (o nome mais em moda do "aquecimento global") elas são mais que evidentes. No caso da prevenção da SIDA, dá que pensar, pelo menos, que se registem aumentos de infecção em sociedades como as nossas, onde em princípio o acesso ao preservativo é fácil e onde pouca gente liga ao que diz um qualquer papa.

Todos ralham. Quem terá razão?

A Lancet publicou até 2004 e 2006 artigos em que se pretendeu contar o número de mortos após a invasão do Iraque, e as reacções não foram pacíficas: os procedimentos metodológicos dos autores foram contestados e um dos autores fortemente censurado por recusar a revelar o procedimento seguido. (Uma parte da controvérsia está aqui e podem ver-se mais detalhes na Wikipedia.) Não consta que a Lancet tenha desdito o conteúdo do que a esse respeito publicou.

sábado, março 28

Sucessos da luta contra a criminalidade

As legislações modernas, permitindo classificar tudo e mais alguma coisa como crime, dão uma boa ajuda às estatísticas de resultados da acção das polícias.

Assim, uma menina de 14 anos de New Jersey acaba de ser acusada de pornografia infantil por colocar no MySpace trinta fotos suas em poses de nudez. As novas leis facilitam a vida aos procuradores: para caçar criminosos nem precisam de procurar muito ou sequer de correr riscos.

Este fim de semana desenrolou-se entre nós uma "mega-operação de segurança". Convenientemente colada à revelação dos números que mostram o aumento da criminalidade no país. A notícia de jornal não precisa à segurança de quem se refere o título mas, lendo melhor para percebermos qual o tipo de perigosos delinquentes detidos, fica-se a perceber que se trata da segurança dos autores de rapto, car e home-jacking, roubo com arma e homicídio.

quinta-feira, março 26

Periféricos?

O ex-presidente Sampaio mostra-se desagradado com a preferência do país por discutir assuntos periféricos. Refere-se ao caso do provedor de justiça e ao penalti. Tem razão no que respeita ao medíocre folhetim do provedor, que só mobiliza umas dezenas de actores com meios mas sem talento. A novela do penalti deveria ser, no entanto, reclassificada como assunto periesférico, uma categoria que é capaz de comover e crispar uns milhões de cidadãos. Não é mostra de grande lucidez misturar as coisas.

quarta-feira, março 25

Com os olhos e os ouvidos de África

Num registo mais sério, é interessante ler o artigo de Marie-Claire Nnana publicado há três dias em all.africa.com, dando conta da arrogância europeia, e particularmente a francesa, ao pretender impôr a sua visão sobre a viagem africana do Papa. Aqui ficam dois excertos incisivos.

Le journalisme des « petites phrases » est certes sensationnel et payant, commercialement parlant, mais l'on observera qu'en résumant huit jours de visite en deux petites phrases, de préférence celles susceptibles de remuer une opinion publique formatée, il y a un risque de caricaturer et de fausser le message.
Le comble, c'est lorsque ces médias déclarent parler au nom des Africains Non, merci, chers confrères, vous parlez pour vous-mêmes, et pour votre public.


Avec l'Internet, la télévision, la radio, les journaux, l'école laïque, la société dispose d'une machine de communication en théorie bien plus puissante que la seule parole du pape ! Pour finir de jouer sur ce registre cynique, on peut même rappeler avec Graham Greene, que « les principes sont faits pour être violés »

segunda-feira, março 23

Auto brilhante...


Ou como obter a lubrificação com melhor relação qualidade/preço. Parece-me que começo a compreender melhor as palavras do Papa na entrevista à partida para África. De certeza que ele estava informado disto.

domingo, março 22

Ensaios sobre a cegueira (2): o estudante de engenharia electrónica

"Ouvi que ela ainda tem 40%de visão no olho direito, mas a mim vão tirar-me a visão dos dois. Mereço que me ceguem de um olho, mas não dos dois, porque ela ainda vê um pouco", confessa a El Mundo Majid, o estudante de engenharia electrónica que cegou com ácido Ameneh, a rapariga que diz amar ainda. Diz que foi um erro e queixa-se de que a sua condenação é mais dura do que as que têm ocorrido em casos similares - tão frequentes que até há uma palavra para os atiradores de ácido: são os acid-pashi. Quer ainda viver com Ameneh, mesmo que estejam ambos cegos. A ténue esperança de Majid corre contra o tempo. Como vai Ameneh aplicar-lhe as gotas nos olhos se ela não vê? Só pode estar a mentir. A execução pode verificar-se já depois das festas do novo ano persa, a partir de 3 de Abril.

sexta-feira, março 20

Preservativos e tópicos afins

Numa entrevista longa dada à partida para África, o Papa voltou a falar do preservativo, e mal. A frase está perdida no meio de uma conversa com tronco e membros, mas lá ficou para gáudio da ocidentalidade anti-católica e da raiva dos personagens do Fórum TSF. Em vez de cascar no Papa, os media deviam agradecer-lhe: a pequena frase garantiu-lhes dois dias de gozo e justificação para os seus papéis.


Para lá disso, o Papa esteve mal ao não resistir à tentação daquelas palavras. Mas pior do que isso é que para os africanos a frase é irrelevante. Se o preservativo não é usado na escala adequada, não é por culpa do Papa (de cujas palavras, de resto, ninguém já faz caso, como bem sublinham os seus detractores), mas das políticas e da cultura local. Em África, poucos devem ter ficado a pensar no caso, se é que deram por ele.

A euforia dos media com o tema chegou ao ponto de terem esquecido outra oportunidade para malhar no Papa & Companhia: é que, precisamente também há dois dias, soube-se que a administração Obama subscreve agora a moção da ONU para despenalização da homossexualidade e que o Vaticano continua a demarcar-se. As organizações LGBT rejubilam. Não sei se terão reparado que o porta-voz Robert Wood se apressou a dizer que "subscrever a moção não nos obriga a compromissos legais".

Também não houve ecos da caça às bruxas em curso na Gâmbia, noticiada ontem no The Independent. A operação já levou à tortura e à morte de umas mil pessoas e foi lançada pelo próprio Presidente Yahya Jammeh, que está convencido que certos feiticeiros do país são responsáveis pela morte de uma sua tia. Jammeh acumula as funções de presidente com as de feiticeiro, pois tem umas ervinhas que curam os doentes com HIV.

3000 dólares por uma viúva

Para garantir o futuro das viúvas de mártires, o Hamas oferece 3000 dólares aos homens que desejem casar com uma dessas mulheres. Talvez seja mais correcto dizer: que desejem integrá-la na sua família. Porque os candidatos têm de fazer prova de ter recursos económicos para o efeito, de possuir altos valores morais de acordo com o Islão e têm de comprometer-se a tratar a nova esposa com o mesmo respeito que devotam às outras (suponho que nenhum). A história vem contada no Ynet.news e no El Mundo. Aqui dá-se conta de que a medida não é bem vista em todos os sectores. Alguns comités de mulheres em Gaza contestam a promoção da poligamia e outros temem que os subsídios vão parar apenas ao círculo dos apoiantes do Hamas.

terça-feira, março 17

Siento hermosa / I feel pretty




Na versão bilingue de West Side Story recentemente estreada em Nova York, com novas letras de Lin-Manuel Miranda, o verbo "sentir" foi despromovido a irreflexivo. Um sacrifício compreensível da gramática à métrica. Este musical resiste a tudo e a voz magnífica de Josefina Scaglione faria esquecer mil sílabas perdidas.

domingo, março 15

Carmen, de Recife

O envolvimento do alto clero brasileiro no caso da menina violada, vindo gritar excomunhão alto e bom som, tem sido mais um bom pretexto para os ataques dos que que gostam de mostrar a Igreja tão perigosa como nos "tempos da Inquisição" (sempre invocados nestas ocasiões). Ainda hoje, num programa de conversa transmitido pela Antena 2, Pedro Almeida Vieira recitava essa conhecida audio-file (cassete já não soa bem nestes dias). Que não se admirava, vindo de uma organização que patrocinara os autos de fé. Que não tinha havido a a preocupação de excomungar o violador. E por aí.

É curioso como estas vozes lamentam a não aplicação a alguns de um "castigo" que abominam e ao qual não atribuem qualquer sentido. Como parecem ignorar que a Inquisição foi o que foi porque o poder político na Europa precisou de Roma durante muito tempo para se afirmar e dela tirou o partido que pôde. Que o cristianismo continha já os mecanismos que permitiram separar Igreja e estado. Que nas nossas sociedades muito laicas e civilizadas, quando ainda há anos o aborto era criminalizado, também nunca havia réus, mas apenas rés.

A Igreja é conduzida por um clero mal esclarecido e inculto, que muitas vezes nem se apercebe da superioridade da mensagem que devia sublinhar e defender, e frequentemente reduz a sua actuação à de uma burocracia acéfala.

Mas também certo é que a Igreja não se reduz a vozes incompetentes. O arcebispo Rino Fisichella insurgiu-se hoje no Osservatore Romano em termos muito claros contra a atitude da Igreja brasileira ao excomungar Carmen e os médicos.

Carmen doveva essere in primo luogo difesa, abbracciata, accarezzata con dolcezza per farle sentire che eravamo tutti con lei; tutti, senza distinzione alcuna. Prima di pensare alla scomunica era necessario e urgente salvaguardare la sua vita innocente e riportarla a un livello di umanità di cui noi uomini di Chiesa dovremmo essere esperti annunciatori e maestri. Così non è stato e, purtroppo, ne risente la credibilità del nostro insegnamento che appare agli occhi di tanti come insensibile, incomprensibile e privo di misericordia.

Carmen, stiamo dalla tua parte. Condividiamo con te la sofferenza che hai provato, vorremmo fare di tutto per restituirti la dignità di cui sei stata privata e l'amore di cui avrai ancora più bisogno. Sono altri che meritano la scomunica e il nostro perdono, non quanti ti hanno permesso di vivere e ti aiuteranno a recuperare la speranza e la fiducia. Nonostante la presenza del male e la cattiveria di molti.

As estreias da semana - num cinema muito longe de si

Pânico na net

Hugh viaja frequentemente em trabalho para uma agência estatal. Anna, a mulher, fica alerta quando começa a senti-lo distante. Confrontando movimentos da conta bancária com um recibo de hotel que Hugh esquece no bolso de um casaco, identifica o local onde o marido terá encontros com uma possível amante, acabando por segui-lo para o espiar. Descobre que a rival é uma sua amiga de juventude, Silvia, que se mudara para Nova York. Obtém fotos e contactos de Silvia e começa a divulgá-los em chats eróticos, fazendo-se passar por ela... Tudo se complica quando começa a teclar com um esquizofrénico que a cerca e descobre a sua verdadeira identidade, mudando definitivamente o curso da sua vida.


Nem ama nem sai de cima

Ken, advogado de um grande banco, pai de família e profissional de sucesso, é assediado durante meses com mensagens de telemóvel de uma desconhecida que lhe marca encontros e durante muito tempo não aparece. Quando finalmente consegue um único encontro com Julie, a sua suposta perseguidora, fica enfeitiçado, mas ela volta a desaparecer sem lhe ter revelado os propósitos. Ken continua a receber mensagens mas Julie esquiva-se sempre a novo encontro... Com a ajuda de uma antiga amante que trabalha na operadora telefónica descobre que as mensagens eram enviadas de um telemóvel da sua própria mulher... esta descoberta vai mudar para sempre o curso da sua vida.


Até ao tutano

Susana e Jorge gostariam de ter casa e filhos mas sobrevivem com baixos salários e trabalho incerto, o que os obriga a continuar a viver com os pais. Susana trabalha como caixa no Jumbo e vive com a mãe alcoólica, Jorge trabalha numa lavagem de carros e mora com a mãe e o padrasto. Uma noite, ao fazer amor com a namorada, Jorge toma consciência de que ela geme como nenhuma outra que já conhecera e convence-a a fazer bandas sonoras para uma produtora de dvds pornográficos. A princípio a ideia deixa Susana chocada, mas Jorge não desiste de a impelir para o mundo do porno. Os filmes com os gemidos de Susana tornam-se um sucesso comercial e chegam a circular em formato CD. Susana engravida mas os problemas começam quando ela recebe novas propostas e Jorge perde o controlo da situação... A partir daí as suas vidas não voltarão a ser as mesmas.

quinta-feira, março 12

Os dias difíceis do TPI

Há quatro dias, o Yemen Times publicava uma lista de apoiantes do presidente do Sudão, Al-Bashir, contra quem foi emitida ordem de prisão pelo Tribunal Penal Internacional. A lista inclui o Irão, a Síria, o Hamas, a Jihad Islâmica da Palestina, a União Africana, a Liga Árabe e a Organização da Conferência Islâmica. E também a Venezuela e o ICC Watch. Alex de Waal argumenta que as coisas podem não ser tão simples como parecem, que o TPI pode estar a atravessar um momento crítico e que o procurador Luis Moreno Ocampo pode estar a ser conduzido por uma errância de projecção mediática que não acautela suficientemente os interesses da paz e das vítimas.

quinta-feira, março 5

Civilizações: ensaios sobre a cegueira

Há cinco anos, a jovem Ameneh Bahrami estava na universidade e tinha um pretendente que rejeitou. O rapaz lançou-lhe ácido à cara, desfigurando-a e causando-lhe cegueira. Actualmente Ameneh vive em Barcelona, tendo depois de várias operações recuperado alguma visão, que voltou a perder devido ao surgimento de uma infecção fúngica. O governo espanhol paga-lhe o aluguer de uma casa.

Tudo isto Ameneh Bahrami contou ao ABC em discurso directo. Isto e mais. O seu sofrimento todos estes anos, e o seu alívio ao conhecer a sentença do tribunal, condenando o agressor a ser vítima do mesmo crime, o que quer dizer condenado à cegueira. E os obstáculos que transpôs para conseguir que a sentença o condenasse à cegueira dos dois olhos. Inicialmente apenas a inutilização de um olho esteve prevista, pois de acordo com a lei islâmica dois olhos de mulher valem só um olho de homem. Na execução da sentença, que ocorrerá quando Ameneh Bahrami regressar ao seu país, o condenado será anestesiado, pelo que não sofrerá dor física. Não poderá ser a própria Ameneh Bahrami a executora por se encontrar cega, mas garante que não lhe faltam voluntários que a substituam.