quarta-feira, março 26

O amor nos tempos de cólera em 139 minutos



O mais surpreendente neste mau filme é que não chega a aborrecer-nos. O segredo está na força do livro: mesmo em versão condensada, o encanto das palavras escritas por Garcia Márquez não consegue ser destruído. Apesar da péssima direcção, dos medíocres actores, do tom desajustado de tantas cenas e da pior maquilhagem de velhos e velhas que me lembro de ter visto no cinema, é bom recordar que o amor da alma é da cintura para cima e o do corpo é da cintura para baixo, e que o coração tem mais portas do que um hotel de putas.

Doença é quando um homem quiser

O DSM (5ª edição) está em preparação. O DSM é o Manual Estatístico e de Diagnóstico das Doenças Mentais, elaborado pela APA, American Psychiatric Association. Com muitas saídas e entradas, o DSM tem horror ao vazio. Agora, o Dr. Jerald Block vem defender, no American Journal of Psychiatry, que o vício da internet, e-mail e mensagens de texto deve ser considerado doença mental e incluído no DSM-V.

A homossexualidade já esteve na lista e foi retirada em 1973. Será necessária uma nova revolução de mentalidades para que se retire a estados naturais de tristeza e desgosto o estatuto de doença.

Claro que chamar "depressão" à tristeza tem vantagens óbvias para os Psis e para a indústria farmacêutica. A entrada da internet na lista tem para o Dr. Block ainda uma vantagem extra: ele é autor da patente de um artefacto que bloqueia o acesso à internet.

segunda-feira, março 24

O amor nos tempos do fisco

Hoje acordámos a saber que os nossos dirigentes vão apertar o crivo em torno de fotógrafos, floristas e restaurantes que trabalham para festas de casamento. Não me parece que estejam a raciocinar bem. Levantam um clamor enorme por bem pouca coisa. Dou-lhes uma sugestão gratuita e desinteressada. Pensem que ao longo de cada casamento pode haver dois ou três amantes de vários sexos a quem se oferecem prendas e jantares com alguma regularidade, sempre sem guardar recibo. Sim, nenhum esposo ou esposa no seu perfeito juízo se arriscaria a ouvir bocas do género: "o que é que andaste a comprar no Torres Joalheiros, se eu só faço anos daqui a seis meses?" ou "Hás-de explicar-me quem é que levaste a jantar ao Guincho no dia em que me disseste que tinhas uma reunião". Por isso, também não é com multibanco ou cartão de crédito que se fazem esses pagamentos, para não aparecerem de surpresa em extractos comprometedores. Há por isso aqui um vasto campo de intervenção. Não basta o levantamento universal do sigilo bancário. É necessário proibir a circulação de dinheiro em papel e conceder benefícios fiscais aos cidadãos que denunciem comportamentos suspeitos do outro membro do casal, a fim de se poder desencadear a investigação competente. Fisco e cônjuges traídos poderão dar as mãos no combate à evasão fiscal e ao adultério, dois pecados tenebrosos que tendem a encobrir-se.

sexta-feira, março 21

Sem título

O glorioso 9ºC

No teatro ou no cinema pedem-nos para desligar o telemóvel e de um modo geral o pedido é executado. Se por descuido algum toca, o dono costuma apressar-se a desligá-lo. Há uma boa razão para isto: habitualmente quem vai a um espectáculo está interessado em vê-lo.

Já o que se passa numa aula de escola secundária é completamente diferente. Até de acordo com as orientações metodológicas emanadas do Ministério da Educação, os alunos não são supostos interessar-se pela matéria, mas sim exibir "atitudes", "competências" (lista longa, para que lá caiba tudo) e procurar o seu bem estar afectivo ou emocional. Deste ponto de vista, se um aluno ou aluna esperar uma chamada ou sms do namorado ou namorada, privá-lo de a receber é, chamando as coisas pelos nomes, uma crueldade. Não sei se terá sido esse o caso na estorinha que ontem forneceu a uma escola do Porto o seu dia fama, mas poderá não andar longe disso. A ocorrência está longe de ser única, nem será com certeza a mais grave.

Alguns lamentam que a ministra da educação esteja calada sobre o caso: ela sabe que é melhor fazer do que falar. A avaliação dos professores posta em marcha vai apanhar nas suas malhas os professores cruéis e reticentes à pedagogia moderna. Sabendo que eles terão que ser pontuados, entre outras coisas, pelos items seguintes

Promoção de um clima favorável à aprendizagem, ao bem‐estar e ao desenvolvimento afectivo, emocional e social dos alunos

Concessão de iguais oportunidades de participação, promoção da integração dos alunos e da adopção de regras de convivência, colaboração e respeito

Disponibilidade para o atendimento e apoio aos alunos

Equilíbrio no exercício da autoridade e adequação das acções desenvolvidas para a manutenção da disciplina na sala de aula

Outro a estipular pelo Agrupamento /Escola não agrupada
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podemos descansar. A partir de 2009, os incompetentes que não se habituaram a ouvir tocar um telemóvel na sala de aula que se acautelem. O amanhã é dos nonos-C.

domingo, março 16

As desculpas e a confissão

O que mais impressiona no caso Spitzer não é a contradição entre a conduta pública e os vícios privados. Disso está o mundo cheio, e apenas se torna história quando os intervenientes pertencem a partidos ou igrejas. Não, o que aflige é a auto imolação implícita no pedido de desculpas público, sobretudo o da esposa. É a aceitação do maior vexame: se Spitzer teve que gastar em prostitutas uma soma tão elevada, é porque como homem é uma verdadeira nódoa. A senhora Spitzer confessa assim, na ribalta, o fracasso rotundo da sua vida.

domingo, março 9

Avaliações




A ministra da educação tem a missão de reduzir o número global de professores e em particular o dos que ascendem aos escalões mais altos, porque o orçamento é limitado. Mas não basta controlar o número de titulares. Os factos sugerem uma interpretação: é necessário transformar a vida na escola num inferno para provocar a debandada dos que estão mais próximos da reforma e dos menos aptos para a competição. O processo de avaliação posto em marcha cumpre perfeitamente os objectivos.

Depois do horário alargado e das inúteis aulas de substituição (que obrigavam já a queimar tempo na escola, com poucas condições para o aproveitar eficazmente), as inúmeras reuniões e preenchimentos de “grelhas” indecifráveis são a gota de água que fez saltar a tampa aos professores. Não se trata apenas de serem “avaliados”, mas também de serem submetidos a uma tortura burocrática que lhes invade todo o tempo disponível ao mesmo tempo que parece tratá-los como idiotas.

Só com uma concentração mental de grande intensidade se conseguirá dar resposta ao inquérito que inclui, para cada docente, parâmetros com subtis cambiantes diferenciais que a própria linguagem se vê aflita para nomear. Exemplo:

-Correcção científico pedagógica e didáctica da planificação das actividades lectivas
-Adaptação da planificação e das estratégias de ensino e aprendizagem ao desenvolvimento das actividades lectivas
-Adequação das estratégias de ensino e aprendizagem aos conteúdos programáticos, ao nível etário e às aprendizagens anteriores dos alunos
-Cumprimento dos objectivos, orientações e programas das disciplinas ou áreas curriculares leccionadas
-Diversidade, adequação e correcção científico pedagógica das metodologias e recursos utilizados


A maioria destes parâmetros não existe senão como invenção estruturalista. Por isso, atribuir classificações de acordo com este modelo pode acabar por ter resultados tão significativos como classificar os professores pela altura ou o peso corporal.

Durante anos, os professores -- e as suas associações e sindicatos -- engoliram e aplicaram este paleio nos mais variados relatórios, sem fazerem escândalo. Claro que os que conseguiram manter a sanidade mental iam-se rindo. Desde os tempos da senhora Benavente, pelo menos, proliferaram parâmetros de inspiração semelhante, utilizados para mascarar os maus resultados na avaliação dos alunos. Agora como então, o ministério pede à Escola que finja avaliar os alunos e recomenda sob ameaças que as retenções devem ter um carácter excepcional. Só que agora o mesmo ministério resolveu avaliar os professores, recomendando que o sucesso seja excepcional. A brutal diferença está aqui.

Como efeito colateral, o método implantado veio tornar impossível ensinar, mas também já há muito tempo que não se pede aos professores que ensinem. Desprestigiados e humilhados pelo poder da 5 de Outubro, enfraquecidos perante os alunos quer por declarações públicas quer por normas aviltantes, usando a gíria dos burocratas, nem se trata propriamente de “professores”; foram transformados em “educadores”, uma síntese que inclui competências de ama-seca, psicólogo e bombo de uma festa qualquer para manter felizes os meninos. E em tempo de vacas magras há que reduzir os serviçais.

sexta-feira, março 7

Campanha orgásmica

Pedro Zerolo, secretário de Movimientos Sociais do PSOE, excita-se com extrema facilidade:

Quanta felicidade nos trouxe Zapatero nesta legislatura! Alguns de nós ainda não acabaram de ter orgasmo atrás de orgasmo! Eu nunca tinha tido tantos orgasmos! Primeiro os que me dá o meu marido e depois os que me dá Zapatero. Orgasmos democráticos!

Está a ser muito criticado: que é uma tirada de mau gosto, que em campanha não só não deixa de pensar em sexo como não respeita o próprio marido, etc. Eu acho que Zerolo se tornou um dissidente, uma infiltração de direita no partido. Está simplesmente a dizer, em forma encriptada: se queres ser bem fodido, vota PSOE.

quinta-feira, março 6

Curriculum e mentiras

Bernat Soria é ministro da saúde em Espanha e candidato a deputado por Alicante.

Parece que resolveu "inchar" o seu curriculum, o que tem motivado uma dicussão animada no seu blog e muitos outros sítios da rede. O caso foi levantado num blog do El Mundo e também em Libertad Digital.
Em resumo, Soria não fez até agora contraprova de que:
1) nunca foi decano da Faculdade de Medicina de Alicante.
2) não teve nenhum auto-exílio em Singapura, tendo apenas colaborado com a National University of Singapore por períodos curtos.
3) não teve colaboração científica com os dois reputados cientistas Erwin Neher e Bert Sackmann (Nobel conjunto em 1991).
4) não recebeu a medalha de ouro (que, de resto, não existe) da Real Academia de Medicina. Foi só nomeado membro correspondente da Real Academia em 1988.

O caso é bem sintomático da diferença de nível que separa Espanha e Portugal. Este "apanhado", ao menos, doutorou-se em Medicina em 1978 e é co-autor de muitas publicações científicas.