domingo, dezembro 30

Sugestões linguísticas para 2008

Para manter a saúde da língua seria bom que os redactores dos media deixassem de utilizar:

- a feia expressão jurídica em sede de

- as expressões aquilo que é, aqueles que são, etc que só faz perder tempo entre verbo e complemento

- o verbo "acreditar" com o sentido de "estar convencido de" ou, mais precisamente, "querer fazer os outros acreditar que se está convencido de".

Para as aventuras do ensino-barra-aprendizagem, acho que as escolas deviam preencher as horas de enriquecimento curricular com o projecto de ensinar o que, com toda a evidência, não se consegue ensinar nas aulas normais de empobrecimento. Tenho três propostas para actividades muito concretas:

- estudar a diferença entre à e

- estudar a diferença entre pira-se e pirasse, basas-te e basaste (dependendo da turma, poderão ser dados exemplos com verbos mais eruditos, mas é essencial não discriminar ninguém)

- estudar algumas noções sobre colocação de vírgulas em frases simples. Depois pode-se avançar e corrigir a virgulação da sofisticada frase "As actividades de enriquecimento curricular propostas para este ano, pretendem complementar o currículo de cada aluno, desenvolvendo capacidades e competências geradoras de saberes diversos e enriquecedores de cada individuo."

Fatima e os suicídios

"Assim não vais a parte nenhuma. Não tens escolha senão voltar para nós. Esquece o teu marido, o escravo" é o texto de um sms enviado a Fatima pelos seus meio-irmãos. A história passa-se em Jeddah, Arábia Saudita e mostra que os divórcios dos casais felizes também podem acontecer. Os meio-imãos denunciaram a um tribunal a origem tribal do marido de Fatima, exigindo o divórcio. Apesar de casados havia dois anos e com filhos, a sentença do juiz deu razão aos queixosos. Fatima está separada do marido pela força desde 2005, recusando-se no entanto a voltar para a família. Na semana passada, Fatima deu sinais de pensar no suicídio.

Entretanto, um investigador da Universidade King Saud fez um estudo recente sobre o suicídio no país, e concluiu que, das tentativas de suicídio em 2006, 96% eram de mulheres. Muito argutamente, o investigador atribui o facto às fortes pressões sociais e particularmente à prática comum do casamento forçado. Agora sabemos que o divórcio forçado pode levar ao mesmo resultado.

sábado, dezembro 29

Curiosidades do dia

Um deputado egípcio lamenta que o país tenha dado ao mundo a ideia de que aceita a prostituição dos chefes de estado. Nem que Carla Bruni fosse noiva de Sarkozy lhes deveria ter sido permitido partilharem o mesmo quarto de hotel (em Luxor).

Bispo e associação gay-lésbica-etc-etc (em Tenerife) promovem-se mutuamente, vivendo o seu dia de fama.

quinta-feira, dezembro 27

Doutrina e problemas reais

A falta de bom gosto e o discurso burocratizado, irrisório em conteúdo, não se confinam à política: a Igreja também sofre destes males. Um discurso frouxo e sem espessura, como o de José Policarpo no dia de Natal, está mesmo a pedir uma crítica como a de Rui Tavares no PÚBLICO de hoje. Rui Tavares afirma que a estratégia de privilegiar a doutrina abstracta em detrimento da atenção ao mundo real é errada do próprio ponto de vista da Igreja.

Talvez sim, talvez não. Mas se olharmos para essa outra grande religião (digamos assim, para nos entendermos) em expansão, o Islamismo, o que vemos é respeito cego pela doutrina e pouca preocupação com as causas do sofrimento da humanidade e ainda menos dos indivíduos.

A asserção de Rui Tavares não tem aplicabilidade universal. E quando contrapõe ao elogio da "vida eterna" o facto de ela estimular bombistas suicidas, está a manipular sem pudor: a vida eterna de que fala Policarpo não é a mesma de que fala o Corão. Deus não é Alá, e entre os que nem sempre se preocupam em desfazer possíveis confusões estão, isso sim, responsáveis da Igreja.

De qualquer modo, as palavras do cardeal têm certamente importância e influência reduzidas. No âmbito da contradição entre doutrina e problemas do mundo real, as novas igrejas em ascensão são muito mais eficazes e perigosas. Estou a pensar nos crentes, primários ou universitários, no aquecimento global e nos devotos da abrangente culpa ocidental.

quarta-feira, dezembro 26

Presépio na Sé de Lisboa

Dos amantes



Os factos levaram a introduzir duas categorias de pais: os biológicos e os de afecto. Sem explicitação necessária, estas categorias existem também noutros tipos de parentesco, e particularmente entre os amantes. O amante biológico é o que responde antes de mais às urgências do corpo; quando é também amante de afecto ele ou ela é o par ideal com que muitos sonham. A vida, no entanto, obriga frequentemente à separação de funções, e por isso as relações amorosas em equilíbrio podem ter que envolver pelo menos três pessoas. O que, incidentalmente, prova a existência da alma.

(Na foto: Bouguereau, Rapto de Psyche, 1895)

sábado, dezembro 22

UK: a guerra ao pudim



O governo britânico tem um painel de conselheiros preocupado com o desperdício e, em última análise, com a salvação do planeta: o Waste and Resources Action Programme, que recebe 80 milhões de libras por ano. Este natal, o WRAP aconselha o povo a desistir dos tradicionais pudins e substituí-los por gelados. É que, quando uma pessoa se farta do gelado, volta a pô-lo no frigorífico. Está perto o dia em que uma agência governamental irá controlar o lixo de cada um.

Se o governo tivesse dois dedos de testa, pagava ao WRAP em gelados e não em libras.

sexta-feira, dezembro 21

O fim do sopapo

Já vamos a Espanha para a gasolina, para as compras e para os centros de saúde. Agora as crianças portuguesas, quando souberem disto, também poderão aproveitar as idas a Espanha para se portarem mal: os pais deixam de ter apoio na lei para admoestar os filhos com sopapos ou bofetadas.

terça-feira, dezembro 18

A rapariga de Qatif é perdoada

A mulher violada e condenada a 200 chicotadas na Arábia Saudita foi indultada pelo rei. Em face das reacções internacionais, funcionou o receio de que a execução da sentença prejudicasse ainda mais a imagem do país.

segunda-feira, dezembro 17

Amarelo e laranja

O Canadá e o norte dos Estados Unidos estiveram no fim de semana sob intensas tempestades de neve. Muitos milhares de pessoas ficaram sem energia eléctrica. Tivessem eles os nossos alertas amarelos e alaranjados e nada disto acontecia.

Ele voltou!

sábado, dezembro 15

O significante

Vasco Pulido Valente já podia deixar de incluir aspas quando menciona Europa. Os leitores já sabem que o significado da palavra não é dissociável de quem escreve, e automaticamente imaginará as aspas mesmo quando elas não estiveram lá. Tal como quando lemos liberdade no texto escrito por um comunista.

sexta-feira, dezembro 14

Azevias de grão


Candidatas a alvo do fascismo nutricional.

terça-feira, dezembro 11

A sombra dos cruzados


No dia 27 de novembro, o Fenerbahce perdeu por 3-0 com o Inter. Agora Baris Kaska, advogado turco fanático do seu clube e especialista em direito europeu, pede à UEFA a anulação dos golos como castigo pelas camisolas usadas pelos jogadores do Inter: a grande cruz não passa de uma manifestação racista de superioridade. A foto da equipa não deixa dúvidas: racista até dizer chega.

domingo, dezembro 9

O amor nos tempos de internet (13)

A ocultação de Matilde tinha-me arrasado. Depois de dois meses sem contacto, dava-a como perdida, mas acordava várias noites com o mesmo sonho: num jantar de amigos alguém me apresentava uma mulher que me encantava; havia cumplicidade nos nossos olhares mas nunca chegava a poder conversar com ela em privado. O jantar acabava consumando a separação. A mulher do sonho não tinha nenhuma semelhança física com a Matilde, mas ao despertar a identificação era clara.

O mês de Dezembro teve duas semanas pesadas. A Rita ultimamente não passava comigo mais do que três ou quatro dias por semana. O pai tinha sido operado a uma hérnia discal e o pretexto da convalescença deu-lhe um argumento cómodo para o afastamento. Sabíamos os dois que as coisas tendiam para o seu fim natural.


No primeiro fim de semana do mês só falei com a Rita por telefone. No sábado fui a Faro para trabalhar com o núcleo local da Companhia sobre os novos produtos em lançamento, e no domingo, no caminho de volta, aproveitei para cumprir uma promessa: almoçar em Lagos com um grande amigo de juventude que tinha ficado pelo Algarve. Tinha-se divorciado há meio ano e não nos víamos desde o meu primeiro casamento. O encontro estava combinado desde um mês atrás e, talvez devido ao declínio do relacionamento com a Rita, tinha achado desnecessário pô-la ao corrente disso.

-Então conta lá.
-Primeiro vamos escolher os pratos.
-Então os senhores já se decidiram?
-Para mim é o arroz de marisco.
-Muito bem, o arrozinho, está uma delícia.
-E tu, Ângelo?
-As lulas são frescas?
-Estão óptimas, pode pedir à confiança.
-Então pode ser lulas para mim.
-As lulinhas, sim senhor. Já trago a carta de vinhos.
-Não traga, eu bebo um sumo de laranja e aqui o meu amigo uma cerveja. É que ainda tenho que ir para a estrada hoje. Pronto, agora já podes começar.
-Pois olha, o essencial já sabes: a estas horas a Lucília está com outro e eu para aqui sozinho.
-Pois, tu contaste. Mas como foi?
-Bom, se calhar fui eu que falhei em primeiro lugar. Acho eu. Nós nunca falámos disto, mas a Lucília começou a esfriar muito há para aí uns dois anos. Eu a princípio nem notei, porque chegava à noite tão cansado que depois do jantar adormecia encostado ao ombro dela.
-Lembro-me de me teres contado que estavas a… como é que tu disseste? pôr uma pedra na fase de macho latino da tua vida. Ah, ah.
-Sim. A idade e o trabalho. E talvez a rotina, embora eu gostasse muito da Lucília. E então aconteceu que ela começou a andar com um gajo, apesar de eu nunca ter conseguido provas a tempo.
-Como é que deste por isso?
-Descobri logo no princípio da coisa. Uma noite ao deitar recebeu uma mensagem no telemóvel e ficou muito nervosa. Disse que era uma colega a tentar trocar o turno com ela para o dia seguinte mas que só ia responder de manhã. Lembro-me de ter ficado muito surpreendido e de sensores alerta, mas na altura nem comentei.
-Ora aqui está a cervejinha e o suminho de laranja.
-Obrigado. E depois, houve mais suspeitas?
-Depois passei rapidamente às certezas. No dia seguinte ela foi para o trabalho no hospital e ligou-me à hora do almoço a dizer que talvez chegasse um pouco mais tarde, para substituir a colega.
-Podia ser verdade.
-Ela sabia que era dia de eu ir a Portimão levar umas encomendas. Mas o caso moía-me a pinha e não fui. Cheguei a casa cedo e liguei-lhe para propor jantarmos fora, mas tive que deixar mensagem porque não me atendeu.
-Podia estar mesmo ocupada.
-Acabou por chegar à meia noite, eu sem comer e sem sono pela primeira vez.
-Mas discutiste com ela?
-Ela percebeu que eu estava furioso mas não tive maneira de a culpar, não tinha provas, só suspeitas. Ela arranjava justificação para tudo.
-Então e quanto tempo se aguentou isso?
-Uns dois meses, com esta cena a repetir-se. Muitas vezes dizia para mim: que burro que és, Ângelo, se não descobres nada é porque é tudo imaginação tua. Doía-me muito, mas não tenho feitio para grandes discussões. A saída que encontrei para suportar a situação foi fazer o mesmo, e para mim era fácil, com as gajas que me aparecem lá na loja. Era só escolher, para todos os gostos e idades. Eu que lhes nunca dava saída, comecei a dar troco e acabei por me enrolar com uma inglesa que mora no Alvor. Ela já tinha vindo cá muitas vezes, andava sempre a mudar de cortinados e estores.
-É normal, ninguém aguenta o mesmo estore mais de um mês. Ah, ah, acabaste por te tornar um engatatão sem querer.
-Chama-se Dora, é uma beleza de mulher e o marido passa a maior parte do ano em Inglaterra. De maneira que a partir daí fui eu quem começou a chegar tarde.
-E gostavas de estar com ela?
-Uma maravilha. Só o meu inglês é que estava emperrado, o resto não.
-Mas levava-la para casa?
-Não, aí é que está. Íamos sempre para casa dela, à entrada do Alvor. E não vais acreditar, mas a Lucília descobriu-me pelo conta-quilómetros.
-O quê? Como é isso?
-Já se percebia que havia qualquer coisa no ar, e entre mim e a Lucília estava tudo frio. Um dia ao fim da tarde, quando saio do carro para tocar à porta da Dora no Alvor, dou com a Lucília. Ainda gozou comigo: ó Ângelo, vens de mãos a abanar, parece que te esqueceste da encomenda.
-Ah, ah, ao menos ela tem humor. Mas como é que ela…
-Pois, a Lucília é um génio. Explicou-me depois que tinha tomado nota das quilometragens vários dias e pelo desvio do normal concluiu que eu fazia uns 50 quilómetros a mais nos dias que lhe levantaram suspeitas. Só nessa altura é que percebi porque é que andava sempre a pedir-me para ir ao supermercado no meu carro. Fez as contas e à quarta tentativa apanhou-me logo. Tinha feito duas incursões em Vila do Bispo e aquela era a segunda no Alvor. Estacionava à entrada à espera de ver chegar o meu carro.
-Que mulher tão fina.
-Podes crer. No fim quem se lixou fui eu. Fui mesmo tanso. Depois aproveitou para me culpar de tudo, até disse que fui eu quem nunca quis um filho.
-Bom, ao menos nesse aspecto foi menos grave o divórcio.
-Pois, mas estou a pagar em euros. E por causa do receio de escândalo fiquei também sem a Dora.
-E afinal a Lucília está com quem?
-Um director de uma agência de um banco de Portimão. Mudou-se para lá.
-Mas é o tipo com quem tu achas que ela se envolveu?
-Não sei, suspeito que sim. Ele tem uma casa em Lagos, estás a ver.
-Ora então aqui estão as lulinhas para o senhor e o arroz de marisco para o seu amigo. E aqui está o azeite. Bom apetite.
-Essa história está a pedir alimento. Que cheiro tão bom, este arroz! No fundo não tens certezas... e uma mulher que faz o que a tua fez com o conta-quilómetros é porque está cheia de ciúmes.
-Sei lá. Acho mas é que ela procurou uma situação que desse para divorciar e ficar a ganhar com isso. Eu é que meti o pé na argola. Se continuo a lembrar-me disto ainda perco o apetite para as lulas.
-Ó Ângelo, isso nem parece teu. Depressa arranjas outra.
-Olha, mas então para me distrair das minhas desgraças conta-me lá como tem sido a tua vida. Porque é que não trouxeste a Rita?

Luzes



sábado, dezembro 8

O mistério da Universidade

Em França já há muitas críticas a Sarkozy, nas vésperas de Kadhaffi armar a sua tenda em Paris. Olhando para os críticos, parece que nem se lembram da grande amizade entre Mitterrand e Arafat. Por motivos muito práticos, Sarkozy acabará perdoado pela sua hospitalidade ao Guia da Líbia. Uma central nuclear, uma frota de Airbus e um novo aeroporto em Tripoli são negócios difíceis de desdenhar.

Em Lisboa, vá lá que o deixem montar a tenda, enquanto convidado da cimeira. Mas que ganha uma Universidade, ao recebê-lo com alguma pompa, a pretexto do convite de um seu centro de investigação, oferecendo-lhe palco para justificação do terrorismo e para fazer ameaças de extorsão em que o Guia, depois de encerrar a fase bombista da sua carreira, se tornou hábil? O título anunciado da "conferência" já não augurava nada de bom, mas o resultado foi francamente decepcionante. Kadhaffi não veio cá ensinar-nos nada. Estamos fartos de ouvir a mesma coisa, dita por personagens cá do burgo, ilustres ou nem por isso.

quinta-feira, dezembro 6

Felicidade, vinho e bacalhau

A folha publicitária de uma cadeia de supermercados, que me entra pela caixa do correio todas as semanas, dá pistas para resolver todos os problemas. "mesmo os mais complicados. Trabalho, amor, família, invejas" - o Professor Bambo tem solução para tudo, até para outros problemas "inexplicáveis". (O Professor Bambo fala francês e dá consultas numa rádio da região de Lisboa, com uma assistente para tradução. Explica que uma empresa pode falir por obra de um mau olhado.) E há também a senhora Maria Duval, que com honra de página inteira documenta até com fotos o caso de duas famílias que através dela se livraram do infortúnio. Uma cabeleireira a quem o negócio corria mal, e em vias de perder o marido, recupera o êxito comercial (por via da falência dos que lhe faziam concorrência) e logo passados quinze dias o marido volta, pedindo perdão. Ainda por cima, logo a seguir, ganha o Euromilhões. Outra jovem desempregada arranja o trabalho com que sempre sonhou e ao mesmo tempo o noivo pede-a em casamento. Com tanta fartura, fico a duvidar seriamente da qualidade dos vinhos e do bacalhau.

Ontem, de madrugada


Makwan Moloudzadeh, iraniano curdo de 20 anos, foi enforcado na prisão de Kermanshah. A condenação deveu-se à prática de actos homossexuais quando tinha 13 anos de idade. Os acusadores retiraram a queixa durante o julgamento. Chegou a ser anunciado um adiamento da execução e um possível perdão. A família e o advogado só foram informados da execução depois de ela ter ocorrido.

segunda-feira, dezembro 3

Utopia na gaveta, para já

Socialismo do séc. XXI ... um regime pacífico e democrático assente na complementaridade entre a democracia representativa e a democracia participativa; legitimidade da diversidade de opiniões, não havendo lugar para a figura sinistra do "inimigo do povo"; modo de produção menos assente na propriedade estatal dos meios de produção do que na associação de produtores; regime misto de propriedade onde coexistem a propriedade privada, estatal e colectiva (cooperativa); concorrência por um período prolongado entre a economia do egoísmo e a economia do altruísmo, digamos, entre Windows Microsoft e Linux; sistema que saiba competir com o capitalismo na geração de riqueza e lhe seja superior no respeito pela natureza e na justiça distributiva;
Boaventura Sousa Santos, director do Centro de Estudos Sociais, laboratório associado com classificação de excelente, é também derrotado hoje. O presidente Chávez não estudou bem os seus artigos.

No PÚBLICO ainda não tiveram tempo de absorver a notícia.

domingo, dezembro 2

Interrogações

Ana Benavente partilha hoje connosco, no PÚBLICO, as suas interrogações e apreensões sobre o governo e o PS. Porque ocupamos sempre os piores lugares nas estatísticas disto e daquilo?, pergunta. Curiosamente, não inclui na pergunta as estatísticas de desempenho dos estudantes em comparações internacionais, em que os alunos portugueses costumam ficar na cauda. Provavelmente é porque não lhe convém recordar que teve responsabilidades governativas na área da educação, e porque afinal nada de bom ficou como rasto da sua passagem pelo governo. De resto, apesar das diferenças de atitude, Maria de Lurdes Rodrigues é uma continuação natural de Benavente sob o signo de Sócrates. A burocratização infernal do ensino-aprendizagem não foi inventada agora: por mais que disfarce, a menorização do papel do professor está inscrita nas teorias pedagógicas subscritas pela doutora Benavente.

Ana Benavente insurge-se contra a criação do prémio para o "melhor" professor. Mesmo descontando a sua aversão às avaliações, está apesar de tudo a ser ingrata, já que o prémio foi atribuído a um colaborador do ministério desde há longa data, ao longo de vários governos do centrão, incluindo aquele de que Benavente fez parte, e em consonância com muitas das suas ideias. (O vencedor tem outros méritos, quanto a mim mais sólidos, mas também esses deixam Benavente indiferente.)

No fim do artigo, escreve: "As únicas críticas sistemáticas às agressões quotidianas à liberdade de expressão são as do Gato Fedorento". A professora só pode estar distraída: um telespectador atento não precisa de estudos sociológicos para ver que os Gato Fedorento desempenham, no presente, a função de descompressão do teatro de revista de outros tempos.

As raparigas em flor ficam na sombra


Anne-Lorraine Schmitt foi assassinada no dia 25 de novembro perto de uma estação do RER de Paris. O jovem (creio que é assim que devo escrever) que a agrediu com uma faca já tinha sido condenado anteriormente por violência sexual. Tentou reincidir com Anne-Lorraine, mas a rapariga resistiu e conseguiu feri-lo também com a própria arma, o que facilitou a captura do alegado assassino. A indústria da informação não pôde dedicar muito espaço ao assunto por causa do acidente com uma mota roubada em que morreram dois jovens. As cerimónias fúnebres de Anne-Lorraine Schmitt realizaram-se ontem.

sábado, dezembro 1

Luz de crise


Alguém disse natal?

Sistematizando a histeria

Lista completa e documentada dos efeitos do aquecimento global.

A ciência tudo explica

Em Amsterdão, cidade de todas as liberdades e tolerâncias, houve em 2006 registo de 32 crimes tendo homossexuais como alvo, e na primeira metade de 2007 a lista já soma 26. Perante este mistério, o presidente da Câmara Municipal encomendou um estudo à Universidade de Amsterdão, conta a Spiegel, com o objectivo de descortinar a razão dos ataques. E fez bem, porque, como é hábito, a ciência é que tem as chaves da verdade, mesmo que contrariem o senso comum. Descobriu-se assim que metade dos crimes foram cometidos por norte-africanos "estigmatizados pela sociedade", o que os terá levado a atacar "os que eles encaram como pertencendo aos estratos inferiores da escala social". Mas esta pode não ser a única razão: outra teoria sustenta que "os agressores lutam contra a sua própria identidade sexual." Ora, ora.

sexta-feira, novembro 30

"No"


Fascistas encheram ontem a avenida Bolivar, em Caracas. (Foto: The Devil's excrement) De acordo com o que conta o NYTimes, são cada vez mais os venezuelanos que não compreendem os benefícios do socialismo. Hoje será a vez do "sim" encher a avenida.

quinta-feira, novembro 29

Se viaja para o Reino Unido, cuidado com a língua

Um homem de 55 anos foi condenado a 10 dias de prisão (suspensa) por ter tido o azar de chamar puta inglesa a uma senhora de Gales. Tudo se passou na sequência de uma discussão por causa de um carro riscado. O crime que figura no veredicto: chamar nomes a um urso de peluche, perdão, enganei-me, comportamento racista agravado.

A anemia vocabular

Sobre as últimas notícias de repressão à oposição a Putin, grandes dirigentes mundiais aprimoraram-se na escolha dos verbos para exprimir estados de espírito.

Barroso: "I was very concerned..."

Bernard Kouchner: "I am surprised by this violence." Atreveu-se a pedir uma explicação.

Bush: "I am deeply concerned..."

Face ao horror que se abate sobre a professora inglesa presa no Sudão, Gordon Brown "was disappointed..." Actualização: Sabe-se agora (20.00h) que a professora foi condenada apenas a 15 dias de prisão seguida de expulsão. O Foreign Office já manifestou "disappointment", enquanto o Muslim Council of Britain, mais impressionável, se declarou "appalled" (as notícias dão a entender que é porque consideram a pena dura demais, não imaginemos coisas). Malcolm Moss, um conservador do Commons foreign affairs committee, disse que tudo isto é "disgraceful".

Exércitos de imaginativos assessores afadigam-se, certamente, a organizar listas de verbos, substantivos e adjectivos (não sei se ainda se diz assim) não contundentes. Do outro lado, alguém se ri desta gramática. Eles também a conhecem mas usam, em paralelo, meios mais persuasivos.

terça-feira, novembro 27

A virgem e as socialistas (ou o grau zero da lucidez)



Se concebeu o filho, não o fez certamente sendo virgem. No dia em que fomos informados de que uma professora se arrisca a prisão e 40 chicotadas no Sudão por causa de um ursinho de peluche, e poucos dias depois da condenação de uma jovem na Arábia Saudita a 200 chicotadas por ter estado num carro com um homem, o grande motivo de indignação destas básicas é o discurso da Igreja Católica sobre a Virgem Maria. Pobres loucas, não percebem que a sua campanha tem menos sentido do que pedir uma edição revista do Memorial do Convento em que Blimunda não escuta vozes nem guarda vontades numa garrafa. O melhor é fazerem já as malas e iniciarem por esse mundo fora a campanha de mudança de etiquetas que se impõe: Prado, Brera, Uffizzi, Vaticano, Louvre, Alte Pinacotek, Metropolitan... o mundo espera-vos para ficar limpo de poesia e mistério.

segunda-feira, novembro 26

Outra mudança faz de mor espanto...

A grande palavra-chave das ciências humanas nos dias que correm não é globalização, não é acção afirmativa, não é minorias e desigualdades, nada disso. O grande tema da investigação pós-moderna parece ser o contexto de mudança. Pelo menos é o que se depreende de títulos que se apanham a granel.

DESENVOLVER E GERIR COMPETÊNCIAS EM CONTEXTO DE MUDANÇA (Publicado na Revista Hotéis de Portugal – Julho/Agosto 2004)
As Ciências Sociais - Cultura e desenvolvimento organizacionais em contexto de mudança
Modelação das preferências modais em contexto de mudança: elementos para a definição de políticas de transportes em Portugal. CESUR IST
"Justiça Relacional nas Organizações e Comportamento Humano em Contexto de Mudança", apresentada no Encontro de Psicologia Social e Organizacional, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), Lisboa.
A cultura profissional de professores de Matemática e o trabalho colegial entre professores em contexto de mudança curricular...
Ser Professor em contexto de mudança
o trabalho intelectual-profissional em contexto de mudança social
As actividades de enriquecimento curricular em contexto de mudança”.
Representações sobre aborto: activismo, (i)legalidades e saúde reprodutiva num contexto em mudança

A lista está muito longe de ser exaustiva. Sente-se aqui um filão com grande força. Admira não haver ainda um esforço sinergético, criando por exemplo departamentos universitários ou projectos de investigação para aprofundar cientificamente o contexto de mudança per se. Uma licenciatura em contexto de mudança também não ficava mal e, a julgar pela amostra, os alunos sairiam armados de competências polivalentes que lhes permitiriam empregabilidade imediata.

sábado, novembro 24

O fabuloso destino de Olga Almeida

A senhora que se fazia passar por juíza ou advogada para extorquir dinheiro a pessoas e empresas publicamente indiciadas por dívidas vai, provavelmente, ser libertada, por já ter cumprido três anos de prisão preventiva. Agia por dificuldades financeiras. Um problema de muita gente, que provavelmente não terminará aqui. Faz bem por isso o Estado ao não permitir a publicitação das suas próprias dívidas. Era o que faltava, sujeitar-se (e a todos nós por arrastamento) às investidas de uma Olga qualquer. Os particulares que a aturem.

sexta-feira, novembro 23

Prémio Rádio Clube



João Guerreiro, vencedor das Olimpíadas Ibero-Americanas de Matemática, 20 valores no exame nacional, actualmente no programa Novos Talentos em Matemática da Fundação Calouste Gulbenkian, acaba de vencer também a competição para Jovem do Ano no Rádio Clube. Os outros concorrentes eram Ricardo Araújo Pereira, do Gato Fedorento, Pacman, vocalista dos Da Weasel e o jornalista João Pereira Coutinho. Votaram ouvintes do Rádio Clube (entre os quais eu) e leitores do Metro.

quinta-feira, novembro 22

Desminto

Quando fiz o post anterior, não era minha intenção dizer que as fotos tinham sido tiradas de manhã. E até podem não ter sido tiradas em Carnide. O que quis dizer é que Carnide de manhã é exactamente assim.

quarta-feira, novembro 21

terça-feira, novembro 20

O Le Monde escreve sobre Chávez

No editorial de ontem:

O activismo de Chávez na cena internacional, da América Latina ao Médio Oriente, da Rússia à França, acompanha-se na Venezuela de uma evolução inquietante para um regime autoritário. A gestão errática dos imensos recursos petrolíferos, desmultiplicadas por um preço do barril próximo dos 100 dólares, começa a prejudicar os programas sociais que valeram ao chefe do Estado uma popularidade sólida.

A concentração dos poderes em benefício do presidente da república, a ausência de diálogo com a oposição, a desqualificação do movimento estudantil, classificado de "fascista", o encorajamento de bandos armados (...) numa palavra, a militarização da vida política, são acompanhadas de ma corrupção sem precedente. Esta é favorecida pela opacidade das despesas públicas e pela criação de orçamentos paralelos.

O populismo não é boa solução em parte alguma.


Actualização:

Communiqué du Parti socialiste sur le Vénézuéla
Lundi 12 novembre 2007
Les électeurs vénézuéliens doivent se prononcer le 2 décembre prochain sur une réforme constitutionnelle proposée par le président Hugo Chavez. Cette réforme prétend donner au Venezuela le caractère d’État socialiste. Le Parti socialiste remarque que ce choix altère la neutralité de la démocratie vénézuélienne. Il est à l’origine d’un regain de tensions porteur de graves divisions citoyennes.

Le 7 novembre, un groupe de personnes armées a pénétré sur le campus de l’Université centrale (UCV) pour agresser des étudiants opposés à cette réforme. Neuf étudiants ont été hospitalisés. Trois d’entre eux ont été blessés par balles. Le Parti socialiste condamne ces violences et l’intolérance qu’elles révèlent. Il demande que le débat entre opposants et partisans de cette modification de la Constitution puisse garder la forme d’un échange d’arguments sanctionné le 2 décembre par les urnes.


(através de um comentário aqui )

terça-feira, novembro 13

Diálogo de civilizações

Um responsável do parlamento iraniano, Mohsen Yahyavi, teve há pouco tempo uma entrevista com membros do parlamento britânico onde foram discutidos direitos humanos. De acordo com o Times, o diálogo pode ter sido mais ou menos assim:

-Olhe, nós estamos muito preocupados com as notícias de que homossexuais continuam a ser condenados à morte no seu país.

-Sabe, de acordo com o Islão não se pode permitir a existência de gays e lésbicas.

-Mas confirma que existem, e que os executam!

-A actividade homossexual em privado não tem mal nenhum, mas quem faz isso às claras merece ser torturado.

-Torturado?! Que coisa tão inadequada.

-Sorry, eu queria só dizer enforcado. Do modo como nós os enforcamos dá equivalência.

-Ah... Mas vocês estão a enforcar miúdos tão novos... não acham que que deveriam suspender esse tipo de execuções?

-Ora, minha senhora, eles merecem porque anda a propagar a SIDA.

-De qualquer maneira parece-nos excessivo que apliquem a pena de morte. As pessoas não escolhem a sua orientação sexual.

-Esse conceito não existe no Islão. Foi inventado para corromper a natureza humana. Alá criou-nos para nos reproduzirmos. Os homossexuais não se reproduzem.

-Também nos preocupa muito a notícia de que uma mulher engravidada pelo irmão foi condenada á morte e vai ser enforcada publicamente. O irmão foi absolvido com base no arrependimento. Não acha que há aqui uma desigualdade de tratamento inaceitável relativamente a homens e mulheres?

-Tem toda a razão. Talvez devêssemos ter apedrejado o irmão.

-Oh! Não era bem o que queríamos dizer...

-Bom, de qualquer modo esta troca de impressões correu muito bem. Tomei notas que serão muito úteis. Agora tenho que ir, um resto de bom dia.

-Bom dia.

segunda-feira, novembro 12

O redondo vocábulo

O grande sucesso do fim de semana é a frase do Rei "Porque não te calas?". Compreendo o enfado e falta de pachorra de Sua Majestade. Para além disso, no entanto, talvez haja uma incompreensão generalizada do insulto que muitos confundem com o valor facial da palavra "fascista". Fascista, nas bocas de esquerdalhos que não conhecem mais números do que zero e um (e mesmo assim não compreendem o que é o zero) é simplesmente um sinónimo vulgar de cabrão ou filho da puta. E, tal como um filho da puta chama isso a outros, tornou-se frequente o insulto "fascista" ou a sua variante "nazi" ser proferido por quem tem tendências fascistas ou nazis ou seus apoiantes.

Dado o empobrecimento semântico do vocábulo, mais vale deixá-lo morrer na companhia do cabrão e do filho de puta, que é a que merece. A grande questão não é mandar calar: é falar e não desistir de fazer ver que, de acordo com o que sabemos hoje, "comunista" é um candidato a sinónimo tão bom como o outro. E, já agora, pode-se-lhe juntar esse curioso aliado circunstancial, o islamismo como ideologia de estado. Apontar o mal é a melhor ajuda que se pode dar aos que lutam pela liberdade, em condições muito difíceis, sob os modernos regimes totalitários. Não foi evitando nomear as raizes do mal que se ajudou a cair um muro, há uns anos atrás.

O fim da ASJ?

A Associação Sindical de Juízes está a pressionar contra a aplicação a estes profissionais do estatuto de funcionário público. Eles não dizem, porque não é necessário, mas certamente que, em coerência, a vitória deverá implicar a implosão da ASJ.

domingo, novembro 4

Conversas de urinol



Ontem, na Universidade de Nova York, realizou-se a conferência Outing the Water Closet: Sex, Gender, and the Public Toilet . O programa pode ser consultado aqui

Podemos ter uma ideia dos temas abordados através dos trabalhos de Ruth Barcan, uma das conferencistas, professora de estudos de género na Universidadede de Sydney. Por exemplo, num artigo publicado no Journal of International Women’s Studies Vol 6 #2, 2005, Barcan chama a atenção para a subtil diferença entre "limpeza" e "sinais de limpeza":

Modern westerners avidly consume the signs of cleanliness, which may or may not have much to do with actual cleanliness or health. For example, chemical air-fresheners do not cleanse or purify the air but mask the smells we associate with dirtiness using a blend of (arguably) toxic chemicals. (One of the men in my study said there were “two schools of thought” about whether or not so-called “trough lollies” [urinal deodorizers] actually improve the smell of urinals. “It’s the kind of debate men have at pubs,” he said.)

E mais à frente: The increasingly avid consumption of signs of cleanliness is made possible by the experiential and conceptual distancing from nature brought about by modernity. Modernity is characterized by ambivalence about nature (...)

Se não fosse este artigo eu nunca viria a ter consciência de que a minha empregada, a Dona Vitória (que muito prezo) é adepta fervorosa da modernidade.

O artigo contém muitos outros profundos e inesperados ensinamentos, mas não deve ser lido durante uma refeição.

(Na foto: urinóis do Cinema São Jorge, Lisboa.)

segunda-feira, outubro 29

No inferno do ensino/aprendizagem



Vamos lá ver se dou conta do recado esta semana. Para começar, vou identificar as situações-problema, fazer uma ficha de avaliação diagnóstica e elaborar o plano de recuperação. Não posso esquecer-me de descrever as metodologias a adoptar, o plano de acção a desenvolver e as metas a atingir.
Vou ter o cuidado de seleccionar as estratégias de ensino aprendizagem de acordo com a complexidade dos conteúdos e as aprendizagens anteriores dos alunos. Vai dar-me algum trabalho preencher aquela lista de recursos diversificados de ensino/aprendizagem, mas lá chegarei.
Tenho que incluir algumas fichas de avaliação formativa e um plano de integração na área de projecto. Que sorte a minha escola ser agora um TEIP. Bem, mas não posso divagar, senão não me vai chegar o fim de semana para preencher as grelhas sobre intervenção oral e compreensão escrita que ainda tenho pendentes da semana passada. Ainda vou ter que combinar com a coordenadora do Eco-Clube a sessão de leitura de folhetos publicitários impressos em papel reciclável. Se ela não estiver de acordo, não me atrapalho, deixo isso para uma OTE ou uma TOA, talvez aquela do desenvolvimento das relações inter-pessoais e da alteração de comportamentos e atitudes.
Ao menos, enquanto estou entretida nisto, não me vem à cabeça a cena do aluno que me apalpou as mamas há quinze dias e que quase me ia despindo em plena sala de aula.

quinta-feira, outubro 18

Che fracturante



O editorial do El País "Caudillo Guevara", publicado no dia 10 de Outubro, é desaprovado por mais de dois terços da redacção, soube-se hoje. "O texto não abordava na sua totalidade uma figura suficientemente complexa para ser tratada como se não houvesse uma gradação de cinzentos."

(Foto em Little Green Footballs)

P.S. Che é (literalmente) fracturante também na Veneuela, onde um monumento em vidro, em sua memória, foi destruído menos de três semanas depois da inauguração.

domingo, outubro 14

Doris Lessing sobre o politicamente correcto como legado do Comunismo

Apesar da morte do Comunismo, os modos de pensar a que ele deu origem ou força ainda dominam as nossas vidas. Nem todos são tão evidentes (...) como o politicamente correcto.

Primeiro ponto: a linguagem. (...)Há uma gíria Comunista reconhecível em cada frase. Pouca gente na Europa não brincou com "passos concretos", "contradições", "interpenetração dos opostos" e por aí fora.

A primeira vez que vi que os mortíferos slogans tinham asas para voar para bem longe das suas origens foi num artigo do Times em 1950. "A manifestação de sábado foi uma prova irrefutável de que a situação concreta..." Palavras confinadas à esquerda (...) tinham adquirido utilização comum e, juntamente com elas, as ideias. Encontravam-se artigos na imprensa conservadora e liberal que eram marxistas, mas os autores não o sabiam. Mas há um aspecto desta herança muito mais difícil de ver.

(...) O Izvestia, o Pravda e muitos outros jornais comunistas eram escritos numa linguagem que parecia concebida para encher o maior espaço possível sem dizer nada. (...) Mas a herança da linguagem morta e vazia nos dias de hoje encontra-se nas universidades, particularmente em áreas da sociologia e da psicologia.


O segundo ponto liga-se com o primeiro. (...) A todos os escritores se pergunta: "Acha que um escritor devia...?" A pergunta tem sempre a ver com uma posição política e por detrás da pergunta assume-se que todos os escritores deveriam agir do mesmo modo (...) Outro exemplo é o do "compromisso", tão em moda não há muito tempo. Fulano de tal é um ecritor comprometido?

Ao "compromisso" veio seguir-se o "alertar das consciências". (...) Aqueles cujas consciências são alertadas podem receber a informação de que necessitam desesperadamente (...) mas o processo quase sempre significa que o receptor só tem acesso a propaganda aprovada pelo instrutor.


A exigência de que um trabalho da imaginação, uma história, tenha que ser "acerca de" alguma coisa vem do pensamento comunista e, mais atrás ainda, do pensamento religioso (...)

O politicamente correcto tem um lado bom? Sim, porque nos leva a reexaminar atitudes (...) O problema é que em todos os movimentos populares a franja lunática rapidamente deixa de ser franja; é a cauda que passa a abanar o cão. Por cada um que está a tentar uma análise séria e cuidada, há 20 agitadores cuja real motivação é o poder sobre os outros (...)

Tenho a certeza de que milhões de pessoas, a quem o tapete do Comunismo foi retirado, estão desvairadamente à procura, sem o saberem, de outro dogma.


Escrito em 1992 e republicado ontem no New York Times. Via The reference frame.

sábado, outubro 13

Há 700 anos




No dia 13 de Outubro de 1307, uma sexta feira, foi executada a acção policial que Guillaume de Nogaret, ministro de Filipe IV de França, preparou cuidadosamente, e em que foram presos membros da ordem dos Templários por toda a França. O grão-mestre, Jacques De Molay, estava em Paris, onde tinha participado no funeral da cunhada do rei.

A memória de Nogaret é evocada, na literatura ndo século XX, através de uma personagem com o mesmo nome na novela Monsieur de Lawrence Durrell.

Conversa no jardim de Évora



-Já não vale a pena, agora fazes o que tu quiseres.
-Ora, aposto que tu ainda arranjas outra pessoa mais depressa que eu.
-Sei lá, o que eu menos penso agora é arranjar.
-Se não arranjas, ao menos deixas-te arranjar, que eu sei muito bem. Não te dou nem um mês que já estás acompanhada.
-Ó amor, ai porra, desculpa, ó Joaquim, pára com essas merdas agora que acabou tudo.

quarta-feira, outubro 10

O véu mental

O governo inglês acaba de anunciar uma lei que pune crimes de ódio contra "gays" com pena até sete anos de prisão. Cabe à polícia avaliar se os delitos caem dentro da alçada da nova lei, que abrange também lésbicas e bisexuais. Ficam de fora por enquanto os "trangéneros". Como o conceito de "crime" introduzido é muito lato e ambíguo, é natural que no futuro próximo em Inglaterra só se possa fazer humor sobre heterosexuais empedernidos, o que pode fazer o nível das piadas cair a pique. A notícia já gerou no Daily Mail online o dobro do número de comentários à do caso Maddie.

Em Itália está em discussão o uso da burka. Um magistrado de Treviso, Vittorio Capocelli, emitiu parecer favorável ao uso e logo foi apoiado pela ministra da família, Rosy Bindi, para quem o véu é manifestação de uma cultura escolhida livremente. As opiniões estão fracturadas, com os "progressistas" do costume a secundarem Capocelli e Bindi. Muitos europeus já escolheram, livremente, o uso de um véu mental.

sábado, outubro 6

Matemática para o ensino básico: um programa e muito mais

Terminou a "discussão pública" do "reajustamento" do programa de Matemática para o Ensino Básico. Significa isto que uma comissão andou a redigir uma proposta e que algumas pessoas e grupos deram a conhecer ao Ministério da Educação as suas palmas ou assobios a esse respeito. Depois, feitas no esboço modificações insignificantes para que se possa dizer que houve discussão e consenso alargado, haverá um programa homologado e, na melhor das hipóteses, tudo continuará na mesma: quero dizer, vai haver maus resultados em Matemática como é costume, e o Ministério procurará combatê-los com engenharias avaliativas.

O programa de Matemática enumera os tópicos da disciplina que devem ser ensinados e aprendidos. Não o faz com grande auto-exigência de rigor e conexão (ao contrário do que pede aos estudantes, que devem "compreender como as ideias matemáticas se inter-relacionam e se apoiam umas nas outras constituindo um todo coerente" (pág. 8)), mas daí não decorre qualquer desastre. O resultado da aprendizagem está, em última análise, nas mãos de um punhado de bons professores, que ainda existem. Seria óptimo que houvesse programas bem estruturados e bem redigidos, mas mesmo a partir de um mau programa é possível escrever bons manuais e dar boas aulas.

O problema, com este e suponho que com programas de outras disciplinas, é o excesso de coisas que lá se dizem. Desde que os "especialistas em educação" passaram a ter voz de comando na produção destes documentos, os chamados "programas" economizam em qualidade científica e pedagógica o que esbanjam em indicações metodológicas espartilhantes, teorização barata e chavões repescados por copy-paste de teses, relatórios e outros documentos: de há uns anos para cá, sempre que sai um novo "programa", temos a sensação de estar sempre a ler a mesma coisa.

Este aspecto poderia ser inócuo, mas não é. O "programa" assume-se como primeiro elemento de um big brother que emana do ministério e pretende vigiar com suspeita minúcia a actividade do professor ("Trabalhar apenas com dízimas infinitas periódicas cujo período tem no máximo três algarismos.", p. 55). A desorientação que o palavroso texto é susceptível de provocar a qualquer professor menos seguro, ou que não tenha suficiente sentido de humor para sorrir ao lê-lo, é coerente com os variados procedimentos absurdos a que a vida na escola actualmente obriga os docentes, transformando-lhes a profissão num pequeno inferno.

Repare-se, a título de exemplo, na insistência com que está escrito que os alunos devem desenvolver

capacidade de abstracção e generalização e de compreender e elaborar uma argumentação
matemática e raciocínios lógicos;
capacidade de comunicar em Matemática, oralmente e por escrito, descrevendo, explicando e justificando as suas ideias, as estratégias e procedimentos que utiliza e os raciocínios, resultados e conclusões a que chega (p. 5);

acompanhar e analisar um raciocínio ou estratégia matemática.
descrever e explicar, oralmente e por escrito, as estratégias e procedimentos matemáticos que utilizam e os resultados a que chegam oralmente e por escrito, descrever a sua compreensão matemática, os procedimentos matemáticos que utilizam, e explicar a sua argumentação (p7)

desenvolver e discutir argumentos matemáticos (p8)


e mais à frente repisa-se que os alunos devem

Ser capazes de resolver problemas, raciocinar e comunicar em contextos numéricos(p.16)
Ser capazes de resolver problemas, raciocinar e comunicar recorrendo a representações simbólicas(p.47)
Raciocinar matematicamente, formulando e testando conjecturas e generalizações, e desenvolvendo e avaliando argumentos matemáticos relativos a resultados, processos e ideias matemáticos;
Comunicar oralmente e por escrito, recorrendo à linguagem natural e à linguagem matemática, interpretando, apresentando e discutindo resultados, processos e ideias matemáticos (p. 50)


e, não vá alguém esquecer-se, recorda-se que os alunos devem ser capazes de

Explicar e justificar os processos, resultados e ideias matemáticos.
Apresentar ideias e processos matemáticos, oralmente e por escrito, usando a notação, simbologia e vocabulário próprios (p. 52)

Raciocinar matematicamente, formulando e testando conjecturas e generalizações, e desenvolvendo e avaliando argumentos matemáticos incluindo cadeias dedutivas;
Comunicar oralmente e por escrito, recorrendo à linguagem natural e à linguagem matemática, interpretando, apresentando e discutindo resultados, processos e ideias matemáticos (p67).


É claro que muitas das recomendações lá escritas, mesmo quando têm em vista um mundo ideal que não existe na grande maioria das escolas, são bem intencionadas. O problema é que ou são irrealistas ou não valia a pena escrevê-las. Qual é o professor de Matemática dotado de bom senso que precisa de que lhe digam, por exemplo, que

promover o raciocínio e a comunicação matemáticos(...) constituem também importantes orientações metodológicas para estruturar as actividades a realizar em aula (p11) ?

domingo, setembro 30

Contribuição de Ahmadinejad para o avanço teórico dos estudos GLBT

A imprensa e as televisões deram alguma atenção às gargalhadas que se seguiram à afirmação do Presidente do Irão na Universidade de Columbia, no início da semana: "No Irão não há homossexuais. Não sei quem lhes disse que tínhamos lá isso."

É fácil rir deste tipo de "bocas", mas isso pode ser compatível com uma visão turva das coisas. Quando perguntaram a Ahmadinejad, nessa sessão, porque executavam homossexuais no Irão, o Presidente respondeu com um desvio, mais ou menos assim: nos Estados Unidos também se executam traficantes de droga, porque eles são maus para a sociedade. E parece que esta justificação mereceu uma ovação da estudantada.

Mas o subproduto mais curioso, embora não o mais surpreendente, da presença de Ahmadinejad na Universidade, é a tomada de posição da Columbia Queer Alliance:

Não temos a pretensão de compreender as múltiplas e diversas experiências de viver com desejos pelo mesmo sexo (repare-se no cuidado com a terminologia) no Irão. Os nossos valores culturais e experiência são diferentes, mas a questão é a mesma: o direito humano essencial de exprimir livremente os desejos.

Além disso, gostaríamos que os media e as organizações estudantis fossem cautelosos com o uso dos termos "gay", "lésbica", "homossexual" para descrever as pessoas que no Irão se envolvem em práticas com o mesmo sexo e sentem desejo pelo mesmo sexo. A construção da orientação sexual como identidade social e política, e todo o inerente vocabulário, são um produto cultural ocidental. Por isso, os estudiosos da sexualidade no Médio Oriente usam em geral termos como "práticas com o mesmo sexo" e "desejo pelo mesmo sexo", como reconhecimento da inadequação da terminologia ocidental. A presença do Presidente Ahmadinejad no campus constituiu um estímulo para reflectirmos sobre várias questões, mas o que mais nos interessa são as complexidades de como a identidade sexual é construída e compreendida em diferentes lugares do mundo.


Compreende-se que não seja dada muita atenção a posições como esta. Seria indelicado para com Ahmadinejad: estes tipos são bem mais cómicos que o Presidente.

sexta-feira, setembro 21

A revista




Por iniciativa da Cãmara de Lisboa, vem aí a recuperação do Parque Mayer com "qualquer coisa de teatro de revista", segundo o PÚBLICO de hoje. É um género que "tem público", dizem eles. Terá? Bem, de acordo com o cartaz dos teatros, só se classificarmos a Música no Coração como revista à portuguesa.

Juntando as peças, no entanto, certas coisas passam a fazer sentido.

Até 1973, no Teatro maria Vitória encenavam-se duas ou três revistas por ano; "Ver, ouvir e calar" teve o seu nome alterado para "Ver, ouvir e falar" em 1974, e daí em diante, foram raros os anos em que mais de uma revista subiu à cena, até à quase extinção da actividade.

As recentes iniciativas do governo para limitar a liberdade de expressão mais não são, certamente, que um convite à criatividade dos autores de revista. Num tempo em que as piadas de sexo se banalizaram, a revista não pode sobreviver sem a aparência de furar uma censura qualquer. Recriando um ambiente com suaves reminiscências de Estado Novo, talvez a revista à portuguesa seja de novo viável. Está em marcha a "criação de novos públicos", que muitos tanto apreciam referir. Afinal é tudo pela arte.

(Foto: http://germana-teatro.blogspot.com/)

domingo, setembro 16

O não debate

É uma óptima ideia que o debate entre Mendes e Menezes vá sendo sucessivamente adiado. Poupa-se uma hora de bocejo a quem cair na armadilha de assistir. Antes um documentário no Discovery sobre a essência do murro de Scolari, ou um filme porno com as personagens vestidas.

sábado, setembro 15

Vila Real de Santo António

Soube-se há dias, num jornal e numa televisão, que dezenas de doentes portugueses estão a receber tratamento oftalmológico em Cuba, pago pela câmara municipal de Vila Real de Santo António. É notícia com significado porque começa por ter como pano de fundo a ineficácia do nosso serviço nacional de saúde. Ainda bem que aquelas pessoas viram os seus problemas de visão resolvidos, e não ponho em dúvida a qualidade do tratamento, tanto mais que neste caso há em jogo uma mais valia publicitária para o regime da ilha. Também admito que não havia alternativas num raio de 8000 quilómetros. De qualquer modo, não há operações a cataratas grátis. Para já, sabemos que a autarquia transferiu 50 mil euros para, como é descrito no boletim municipal, reconstrução de um Parque Infantil e respectiva Creche. A referida Creche, situa-se no Pólo Cientifico de Engenharia
Genética e Biotecnológica da cidade de Playa e destina-se a
acolher os filhos dos trabalhadores.

Como parece óbvio que a autarquia pagou também pelo menos as viagens, seria interessante fazer o balanço financeiro do acordo. Admito que se tenha conseguido um bom preço, caso em que conviria realizar um protocolo do SNS com o sistema de saúde cubano, abrangendo muito mais municípios e muito mais especialidades. Se não, quando me reformar vou procurar casa em Vila Real de Santo António.

sexta-feira, setembro 14

Não souberam a tempo

O Human Rights Watch está preocupado com o fecho de Guantanamo. Parece que a administração americana está a mandar para casa alguns detidos sem garantias de que vão continuar a ter o tratamento de que dispunham na ilha. O caso dos tunisinos Abdullah al-Hajji Ben Amor e Lofti Lagha tem sido muito comentado na imprensa: em face da sua situação actual na Tunísia, dizem que se soubessem o que os esperava ter-se-iam oposto à libertação.

quarta-feira, setembro 12

Uma bomba amiga do ambiente



A notícia surgiu ontem ao fim do dia. A Rússia de Putin executou o teste da sua nova e revolucionária bomba: com menor carga explosiva, consegue duplicar o poder destruidor da MOAB dos EEUU (a "mãe de todas as bombas"; esta é o "pai"). Uma vitória da nanotecnologia. Graças a uma altíssima temperatura e a uma onda de choque ultra-sónica, tem um poder de destruição devastador. Tudo limpo, sem radiactividade nem danos para o ambiente. Um general russo comentou que a Rússia estava assim apta a combater o terrorismo internacional em qualquer situação e em qualquer região.

A Rússia comemorou assim, com discreta conspicuidade, o aniversário do 11/9.

segunda-feira, setembro 10

A vida real





(Numa sexta feira, num intercidades da linha do norte)
-Oi, então, mais um fim de semana?
-É verdade. Um esticão até Setúbal.
-Onde é que trabalhas agora?
-Em Vitória. O ano passado era em Pamplona mas já deixei.
-...
-Ando farto desta merda. Às vezes passa-me pela cabeça arranjar maneira de ficar no fundo de desemprego.
-?
-...
-Olha, não te metas nisso que os gajos andam em cima e lixas-te. Não há nada como dormir descansado.
-O patrão agora já não está lá, é o filho que manda. Se fosse com o pai... O filho é só roubar.
-...
-Quando posso também o lixo, um dia não fui e não deram por nada, pagaram tudo.
-...
-Hoje trabalhei até ao meio dia. Tinha a mala pronta.
-E até quando ficas lá em baixo?
-Domingo levanto-me à um quarto prás quatro, chego lá tomo banho e começo a trabalhar lá prás 10, à noite desforro-me a dormir.
-Então e o Leandro continua lá?
-Esse arranjou uma hérnia discal, nem pode ser operado.
-Então e está lá a fazer o quê?
-Não sei, está de baixa. Não pode fazer força.
-Mas pode conduzir?
-Todo esticado. Cá por mim não deve estar lá muito tempo. Deve vir de lá despachado de alguma maneira.
-Ainda faltam duas horas para Lisboa.
-É verdade. Vou dormir um bocado.

domingo, setembro 2

Minneapolis story

Já muito se escreveu sobre o escândalo que levou o republicano Larry Craig a anunciar a sua demissão. Dos jornais à internet, não faltam opiniões sobre o caso para todos os gostos e até está disponível uma reconstituição do episódio em video.

Não há ponta por onde se pegue para simpatizar com Craig: parece que o homem não se notabilizou por nada em particular e, tendo tomado posições que sistematicamente contrariam a luta pelos direitos de pessoas homossexuais, a primeira tentação diante do que lhe aconteceu é dizer que "é bem feito".

A historieta tem, no entanto, aspectos muito curiosos. Não admira: a invenção mais rica é a da própria realidade. Por exemplo, ficamos a saber que este simpático e promissor polícia, que obteve o ano passado um mestrado em justiça, chefia e educação, parece ter agora como missão ficar sentado numa retrete de aeroporto à caça de homossexuais à procura de sexo no lavabo. Parece que já prendeu 12 este verão. Uma eficácia notável, só explicada, certamente, pela alta qualificação académica do rapaz.

Nada surpreendente é o facto de sites "gay", como este, rejubilarem com a divulgação do caso. Dado que nesses sites (próximos das correntes ditas "liberais" nos EEUU) não há economiza de apelos à satisfação sexual pura e simples, há pouca dúvida sobre o que realmente os excita: o facto de Craig ser republicano. Não lhes interessa, neste particular, que o homem tenha sido atingido por via de um comportamento de características "gay" e, certamente, por ser figura pública (dos outros 11 não ouvimos falar).

Finalmente, a questão da hipocrisia de Craig, abundantemente apontada a dedo pelos observadores, é talvez o aspecto mais ambíguo e ilusório de tudo o que rodeia o episódio. Quando Craig afirma, no discurso em que anuncia a demissão, que não é "gay", provavelmente não mente. Provavelmente ama a mulher e a família. Provavelmente é apenas um de uma multidão de homens cuja vida heterossexual não é de fachada mas que frequentemente são tentados por uma variação e tentam satisfazer-se com uma companhia rápida e anónima. A sua posição e o modo e o lugar que escolheu tramaram-no. Provavelmente o homem nem sequer é incoerente, lá por ter votado contra os casamentos homossexuais: a simples ideia de viver com outro homem pode ser-lhe repugnante.

Lawrence Durrell explicava, na abertura do seu "Quarteto", que há mais de cinco sexos e só o grego popular conseguia diferenciá-los. Os tristes vocábulos e siglas modernas, politicamente correctos ou não, inventados para descrever os sexos ou, talvez, novas bandeiras de luta, vão apenas encobrindo no seu esquematismo pobre uma complexidade de que sabemos pouco.

sábado, agosto 25

Felix Eugenne

Pode um europeu cruzar-se com um empregado de supermercado condenado à morte por apedrejamento?

Parece que sim. Felix Eugenne, um cristão nigeriano refugiado em Itália e actualmente a trabalhar num supermercado em Turim, aguarda a decisão da Comissão para os Refugiados das Nações Unidas, em 3 de Setembro, que eventualmente lhe evitará a deportação para a Nigéria, onde corre o risco de ver completada a sentença de morte precedida por vários dias em que receberá 21 chicotadas. Felix conseguiu evadir-se e parece que o carcereiro distraído foi exemplarmente degolado numa praça pública. O crime de que Felix é acusado: teve sexo com a namorada, Fatimah, antes do casamento. Dela e da sua família nada sabe, pois seria demasiado perigoso tentar comunicar.

O governo italiano anunciou ontem que acolheria Pegah Imambakhsh, iraniana refugiada no Reino Unido desde 2005 e também em risco de sentença de morte no seu país por ter tido relações sexuais com outra mulher.

As mil e uma noites: o conto que faltava

Myriam, uma jovem de 19 anos, submeteu-se a uma operação de mudança de sexo, em Jedda, e transformou-se em Khaled, rapaz de 19 anos. Agora já pode realizar um sonho: ter carta de condução!

(Via Or does it explode?)

sexta-feira, agosto 24

Modernização

Segundo o presidente da Associação Académica de Coimbra, a nova lei sobre o regíme jurídico de instituições de ensino superior é "extremamente negativa" e "não vem ao encontro das necessidades de modernização e progresso [bláblá]". Pasma-se um bocado com a opinação sobre modernidade por parte destes rapazes embatinados que dominam a etiqueta do vestir até ao pormenor de contar o número de botões da lapela, da parte média posterior e das mangas, e de saberem que se pode usar um gorro sem borla nem bico. Além disso, não sei se as massas estudantis estão muito interessadas no cinzento assunto em causa. Certo é que também elas têm queixas da resistência à modernização por parte da AAC, em matéria bem diferente e pela qual se mobilizam. Uns antiquados, a malta da AAC! Sempre agarrados ao Quim Barreiros quando temos essa outra verdadeira estrela da música popular alternativa.

Ciência em Festa

A ciência está na Festa do Avante. O grande tema é: da roda ao TGV. Como ciência e progresso tecnológico não são independentes da luta de classes, "pretende-se ainda estabelecer uma relação entre ideologia e os transportes. Não é indiferente a cada época ou a cada governo o índice de desenvolvimento dos transportes terrestres. Rodoviário ou ferroviário, individual ou colectivo, público ou privado – todos estes vectores são claramente políticos."

Deve valer a pena ir ver a prometida exposição, onde de certeza não faltará uma comparação entre o decadente serviço ferroviário nos países capitalistas (China pode estar incluída) e o progresso que a Coreia do Norte, a título de exemplo, realiza nesse campo, extraindo a correspondente conclusão. Se a teoria do partido estiver certa, não precisamos de certificação para concluir que esta foto de um comboio com uma porta obstruída por bagagem



deve ter sido tirada algures na Europa, enquanto esta



retrata a realidade do país do querido líder.

segunda-feira, agosto 20

Há beijos bons como milho

Ouviu-se há bocado, na SICnotícias, um ministro a associar a Universidade Nova de Lisboa ao episódio do milho transgénico. É estranha a afirmação. Com a mania de compreender o mundo, acabo de fabricar uma teoria conspirativa: o ministro lançou uma mensagem cifrada. Ele dirige-se à rapaziada hiper-activa que precisa de queimar energias e sugere-lhes que há vida para além da ceifa. Fantasias privadas, sedução verbal e passagem ao acto através de carícias e de beijos: tudo actividades pacíficas que não perturbam o verão das GNRs e dos governantes. Vá lá, inscrevam-se, que ainda vão a tempo, e vejam lá se não chateiam mais.

Raio atraído por telemóvel?

Já se sabe que há muito tempo que os telemóveis servem para muito mais do que telefonar. Desde rádio a câmara de vídeo, passando por lanterna quando falta a luz na escada, as funções do objecto não param de crescer. Fica-se a saber que pode funcionar como pára raios. Não é a brincar.

sábado, agosto 18

Não maltratarás gatos nem leões

Uma cadeia de tv controlada pelo Hamas costuma emitir programas destinados às crianças, com intervenção de crianças, com o fim de lhes ensinar quem são os seus inimigos. Uma personagem vestida de Rato Mickey era mostrada, recentemente a ser vítima de agressão de um agente israelita. Vimos há dias na SIC uma reportagem sobre estes programas, que levantaram protestos de Israel e da Disney.

Agora as coisas passaram das marcas: uma organização com sabor a esquerda (PETA) vem protestar contra um programa da Hamas tv! É que, para ensinar às crianças a não maltratar os animais, mostraram uma personagem vestida de abelha que atira pedras aos leões no zoo e agarra um gato pela cauda. A PETA avisa: as crianças mais facilmente imitam o que lhes mostram do que escutam um aviso.

O Hamas necessita de uma equipa de psicólogos competentes para fazer passar com eficácia a sua mensagem.

(Via Astute Bloggers)

quinta-feira, agosto 16

A justiça dos civilizados adaptada aos bárbaros

O estilo de vida de Fátima, adolescente de Bologna, não agradava à família. Por isso, os pais e um irmão mantiveram-na amarrada a uma cadeira e depois agrediram-na brutalmente. Houve uma condenação destes actos em primeira instância em 2003. Agora, o tribunal supremo de Itália vem absolver os agressores: para os juízes, afinal, a jovem só fora agredida três vezes e, para mais, pelo facto de os seus comportamentos terem sido julgados incorrectos. Como Fátima vivia aterrorizada pelos pais e fizera ameaças de suicídio, o tribunal considerou que eles fizeram bem em amarrá-la para evitar que a rapariga se se auto-mutilasse.


"Uma vergonha", diz Souad Sbai, presidente da Associação de mulheres marroquinas em Itália, "uma decisão digna de um país onde vigorasse a sharia. Os juízes aplicam dois tipos de regras: uma para os italianos e outra para os imigrantes".

Música para um dia de verão

The little maiden of the sea
was not at all like you and me:
where we have legs, she was a fish,
and she could only say, "I wish... I wish
I were not incomplete.
I wish I had some dainty feet."
You see, one day she'd met a prince,
and she'd been pining ever since
(the little maiden of the sea).
She'd gain her own immortal soul
if she became the prince's wife.
She autovivisected. Whole, she walked!
Each step was like a knife--
a knife into her dainty feet--
and she could neither speak nor sing;
but, surely, now she was complete.
Her prince would think of marrying
the little maiden of the sea.

He married someone else, of course;
and, saying nothing, she went home.
Then something turned, by mystic force,
the little maiden into foam.


Stephin Merritt, Showtunes, 2006. Música belíssima, rara, surpreendente.

quarta-feira, agosto 15

Chávez até ao fim do tempo

Mário Soares responde hoje, no PÚBLICO, ao director. No que toca às suas afirmações sobre Chávez não dá o braço a torcer: ao mesmo tempo que declara que "calar uma voz incómoda é intolerável" justifica o encerramento (disfarçado de não renovação de licença) de uma televisão e recorda a propósito tentativas de atacar violentamente o estado. Ora, precisamente hoje, Chávez resolve acelerar o processo de reforma constitucional. Um anúncio muito conveniente, parece, para desviar as atenções do escândalo da mala, ou maletagate, uma ponta de iceberg de que já se começava a falar dentro da própria Venezuela. Limitadamente, claro, pois nestas coisas dá muito jeito ter a informação sob controle.

Ler, escrever, aritmética: no Reino Unido

Nos testes de língua, matemática e ciências, alunos que vão entrar no ensino secundário voltaram a revelar conhecimentos insuficientes. Pior: apesar dos planos especiais do governo e dos milhões de libras gastos na tentativa de atacar o problema, há um pequeno retrocesso em relação aos resultados do ano anterior. A única excepção é uma melhoria na capacidade de leitura. Os dados mostram que as raparigas dão-se melhor que os rapazes com estas coisas. Preocupante também é a descida do número de classificações altas.

sábado, agosto 11

No escuro (II)

O ponto da situação sobre o mistério do desaparecimento de Madeleine McCann está em dois artigos do Daily Mail de hoje: a nova atitude da polícia face ao casal e as perguntas por enquanto sem resposta.

quinta-feira, agosto 9

No escuro

Os pais de Madeleine McCann vêem-se envolvidos na tragédia por novas razões. Tendo contribuído para o assalto das televisões e jornais ao enigmático acontecimento, transformado em reality-novela, são agora vítimas das reviravoltas do argumento (parcialmente escrito nas redacções por múltiplos autores) e das variações de simpatia do público. Em entrevista ao Evening Standard, o advogado de Murat ataca os McCann e afirma que a população da Luz quer vê-los pelas costas. Hoje, Gerry ainda não actualizou o seu blog. .

terça-feira, agosto 7

Em busca da culinária perdida



Entre as joias da culinária portuguesa, o bacalhau à Braz é das que mais foram desfiguradas pelo desmazelo da cozinha em que caem restaurantes maus, bons e assim-assim um pouco por todo o país. Por isso merece destaque a descoberta de algum dos raros sítios onde sabem fazê-lo gostoso.

O melhor bacalhau à Brás que comi em restaurante foi provado nos arredores de Lisboa há uns 20 anos, mas o restaurante, que suponho ainda existir, deixou de o fazer.

Há poucos dias tive a sorte de encontrar um bacalhau à Brás de 4 estrelas, numa escala de 5, num restaurante completamente despretensioso: o Imperial, em Tavira. Para quem está perto, garanto que o desvio vale a pena.

segunda-feira, agosto 6

Ingrid Betancourt já em liberdade?

De acordo com esta notícia, Ingrid Betancourt poderá já estar na Venezuela e será entregue brevemente à mulher de Sarkozy. Intermediário nas negociações com as FARC: Hugo Chávez.

O governo francês nega os rumores e a mãe de Ingrid tem dúvidas.

Duas horas de pé: um massacre

"É complicado para os homens e mulheres presentes nesta cerimónia, ficarem obrigados a estar ali duas horas e tal de pé, à espera que a cerimónia acabe. É mais um sacrifício do que propriamente um dia de festa", palavras de um membro da Associação Sindical de Profissionais de Polícia a respeito de umas comemorações a que não podem assistir sentados.

Tem razão o porta-voz. Há coisas que não se devem exigir a um polícia. Quem está treinado para passar duas horas de pé é quem tem de apresentar queixa de um roubo de telemóvel, enquanto alguém (sentado) do outro lado do balcão inquire e tecla, sem pressas, preenchendo um formulário electrónico.

Preso por ter cão

Etemad Melli é o nome de um jovem que perdeu o seu cão. Ao tentar pôr um anúncio para o recuperar foi preso. As autoridades pretendem assim enviar uma mensagem clara contra uma cultura corrupta importada do ocidente. A cena passa-se em Teerão.

domingo, agosto 5

Sol do sul

Silly season 2



As pessoas precisam mesmo de quem lhes diga o que podem e o que não podem fazer. Basta andar pelos passeios, pelas esplanadas ou pelas praias para ficarmos estarrecidos com o número de doentes que andam por aí em vez de recolherem a casa ou ao hospital. A situação é tanto mais alarmante quanto se sabe agora que se trata de uma doença infecciosa. Alguém tem que fazer alguma coisa, já.

Silly season 1



Não sei se a venda de rosas em restaurantes pelos paquistaneses vai de vento em popa, mas não há uma alma caridosa que lhes explique a maneira fácil de duplicar as vendas? Eles ignoram não só as mesas em que há dois homens ou duas mulheres mas também quem gosta de jantar só.

Há 45 anos



Numa tarde quente de Agosto sabia-se, pela rádio, que Marylin se suicidara. A aldeia já era global. Era domingo, como hoje.

terça-feira, julho 31

Luz de Inverno



O mistério da ausência de Deus, por Ingmar Bergman, 1963.

segunda-feira, julho 30

Não surpreende

Pelo contrário, é apenas uma confirmação para quem acredita no carácter estruturante do conhecimento matemático: os estudantes que tiveram mais matemática no ensino secundário têm melhor desempenho em todos os tipos de ciência na universidade. Há uma grande variedade de dados quantitativos, mas esta frase condensa o essencial do artigo de Philip M. Sadler publicado na Science na semana passada.

sábado, julho 28

Freguesia X

X é o nome da minha freguesia. A junta edita e distribui pelas caixas de correio o boletim "X". São 11000 exemplares de 24 páginas a cores, com fotos dos membros do executivo, entrevistas aos próprios ou aos membros da assembleia de freguesia, breves sobre as grandes realizações em matéria de jardins, organização de convívios e passeios e êxitos na criação de associações desportivas. Em complemento, notas sobre o que não se conseguiu fazer, por culpa da câmara de Lisboa. O número deste mês inclui duas páginas de educação sobre os problemas ambientais onde somos aconselhados a tomar duche em vez de utilizar a banheira, a preferir os transportes públicos, a colocar filtros nas chaminés das fábricas e a utilizar os transportes públicos (é assim mesmo). O autor do artigo esqueceu-se de falar das árvores que se poupariam se o "X" deixasse de ser publicado.

Como tema recorrente, a junta passa todos os meses a mensagem de que X é um lugar único e mágico.

Um pouco de socialismo soft em versão kitsch açucarada não faz mal a ninguém. Mas suspeito que pelo menos o pavimento de uma rua esburacada, de que a junta se queixa, poderia ser resolvido com a suspensão do "X". Declaro-me pronto a prescindir desta leitura. Em caso de saudades, compro o Avante.

quarta-feira, julho 25

Sempre contra o medo. O medo de quem?

Há cerca de ano e meio, Cavaco era, para Manuel Alegre, o candidato da direita, do neo-liberalismo e do desmantelamento do estado social; o candidato com um programa de controlo do poder e que, sendo eleito, provocaria uma crise política em seis meses.

Das duas uma: ou a análise e previsões de Manuel Alegre não valem nada, ou, confrontando estes avisos com as actuais preocupações de Alegre e com o seu artigo de hoje no PÚBLICO, cada vez mais se confirma que o alvo do então candidato era outro. O que ele queria dizer é que, com Cavaco na presidência, o tal verdadeiro alvo ficaria em roda livre.

terça-feira, julho 24

Para compreender os quadros interactivos

Surpreendido pelas notícias de ontem, não quis ficar feito bota de elástico a lamentar o provável desaparecimento do quadro preto com giz e fui procurar compreender a maravilha que se anuncia com trombetas e holofotes. Nada melhor do que deixar falar quem sabe. Encontrei assim este testemunho de um participante num encontro sobre quadros interactivos que, numa linguagem cheia de carisma e com um conteúdo completamente original, me deixou esclarecido.

Os quadros brancos interactivos (QBI) foram apresentados como um recurso tecnológico a optimizar no processo de ensino-aprendizagem. Os testemunhos das docentes x, y e z, revelam o surgimento dum novo paradigma educativo que passa pela escola virtual. Vimos que o aluno assume uma grande autonomia na sua aprendizagem. O docente aparece como o facilitador e orientador dos contextos de aprendizagem.
Neste encontro vimos também exemplos de trabalhar pedagogicamente por competências com uma metodologia de projecto e aprendizagem colaborativa. Os alunos assumem uma participação criativa na construção do conhecimento.
Mas que impacto terá o QBI na aprendizagem desta nova geração de alunos? Como avaliar? Quais os resultados?
O desafio nasce para a investigação científica na área das ciências da educação. Numa metodologia de investigação objectiva / quantitativa teremos diversas dificuldades, porque em educação há muitas variáveis. Todavia, numa análise qualitativa, ficou a impressão subjectiva dos pais ao referirem, por comparação entre filhos, que verificam uma diferença: mais motivação, brio e aplicação na realização das tarefas.
Espero, por fim, que o projecto Interact continue a ser um estímulo à arte de ser educador. Queremos mais... aprender, criar e inovar!

Um de nós,

uvw


Portantos, a tendência outono-inverno em matéria de títulos para teses em educação será: O quadro interactivo: novo paradigma do conflito interpessoal na sala de aula ou O papel regulador específico do quadro interactivo na produção de metáforas conceptuais - um estudo de caso.

As modas globais

O Australian Mathematical Sciences Institute critica os testes de numeracia realizados recentemente pelo governo australiano, pela ignorância que revelam do que é a matemática e pelo não envolvimento de matemáticos no processo. O afastamento destes profissionais de tudo o que diz respeito ao ensino não universitário tem produzido ideias equívocas sobre a matemática moderna e em particular sobre o papel determinante da matemática "pura".

Com um ensino tomado de assalto por modas efémeras, falta pertinência matemática nos conteúdos dos programas, acabando a disciplina por perder coerência e alguns dos melhores professores. Os programas tendem a reflectir a ideia de que a matemática pura só interessa para estudos altamente especializados, ignorando o papel que ela tem nas aplicações a novos campos, como as mudanças climáticas, e na determinação da capacidade de aplicar os conceitos matemáticos.