domingo, setembro 2

Minneapolis story

Já muito se escreveu sobre o escândalo que levou o republicano Larry Craig a anunciar a sua demissão. Dos jornais à internet, não faltam opiniões sobre o caso para todos os gostos e até está disponível uma reconstituição do episódio em video.

Não há ponta por onde se pegue para simpatizar com Craig: parece que o homem não se notabilizou por nada em particular e, tendo tomado posições que sistematicamente contrariam a luta pelos direitos de pessoas homossexuais, a primeira tentação diante do que lhe aconteceu é dizer que "é bem feito".

A historieta tem, no entanto, aspectos muito curiosos. Não admira: a invenção mais rica é a da própria realidade. Por exemplo, ficamos a saber que este simpático e promissor polícia, que obteve o ano passado um mestrado em justiça, chefia e educação, parece ter agora como missão ficar sentado numa retrete de aeroporto à caça de homossexuais à procura de sexo no lavabo. Parece que já prendeu 12 este verão. Uma eficácia notável, só explicada, certamente, pela alta qualificação académica do rapaz.

Nada surpreendente é o facto de sites "gay", como este, rejubilarem com a divulgação do caso. Dado que nesses sites (próximos das correntes ditas "liberais" nos EEUU) não há economiza de apelos à satisfação sexual pura e simples, há pouca dúvida sobre o que realmente os excita: o facto de Craig ser republicano. Não lhes interessa, neste particular, que o homem tenha sido atingido por via de um comportamento de características "gay" e, certamente, por ser figura pública (dos outros 11 não ouvimos falar).

Finalmente, a questão da hipocrisia de Craig, abundantemente apontada a dedo pelos observadores, é talvez o aspecto mais ambíguo e ilusório de tudo o que rodeia o episódio. Quando Craig afirma, no discurso em que anuncia a demissão, que não é "gay", provavelmente não mente. Provavelmente ama a mulher e a família. Provavelmente é apenas um de uma multidão de homens cuja vida heterossexual não é de fachada mas que frequentemente são tentados por uma variação e tentam satisfazer-se com uma companhia rápida e anónima. A sua posição e o modo e o lugar que escolheu tramaram-no. Provavelmente o homem nem sequer é incoerente, lá por ter votado contra os casamentos homossexuais: a simples ideia de viver com outro homem pode ser-lhe repugnante.

Lawrence Durrell explicava, na abertura do seu "Quarteto", que há mais de cinco sexos e só o grego popular conseguia diferenciá-los. Os tristes vocábulos e siglas modernas, politicamente correctos ou não, inventados para descrever os sexos ou, talvez, novas bandeiras de luta, vão apenas encobrindo no seu esquematismo pobre uma complexidade de que sabemos pouco.

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