segunda-feira, setembro 10

A vida real





(Numa sexta feira, num intercidades da linha do norte)
-Oi, então, mais um fim de semana?
-É verdade. Um esticão até Setúbal.
-Onde é que trabalhas agora?
-Em Vitória. O ano passado era em Pamplona mas já deixei.
-...
-Ando farto desta merda. Às vezes passa-me pela cabeça arranjar maneira de ficar no fundo de desemprego.
-?
-...
-Olha, não te metas nisso que os gajos andam em cima e lixas-te. Não há nada como dormir descansado.
-O patrão agora já não está lá, é o filho que manda. Se fosse com o pai... O filho é só roubar.
-...
-Quando posso também o lixo, um dia não fui e não deram por nada, pagaram tudo.
-...
-Hoje trabalhei até ao meio dia. Tinha a mala pronta.
-E até quando ficas lá em baixo?
-Domingo levanto-me à um quarto prás quatro, chego lá tomo banho e começo a trabalhar lá prás 10, à noite desforro-me a dormir.
-Então e o Leandro continua lá?
-Esse arranjou uma hérnia discal, nem pode ser operado.
-Então e está lá a fazer o quê?
-Não sei, está de baixa. Não pode fazer força.
-Mas pode conduzir?
-Todo esticado. Cá por mim não deve estar lá muito tempo. Deve vir de lá despachado de alguma maneira.
-Ainda faltam duas horas para Lisboa.
-É verdade. Vou dormir um bocado.

2 comentários:

Orlando disse...

Qual é a moral da história?
Não, não é razoavel dizer que não tem.
É bastante razoavel esperar de alguém a quem foi proporcionada entrar numa carreira onde desempenha um trabalho interessante, com segurança laboral e não muito mal pago, alguma lealdade para com o empregador.
Um tipo que executa um trabalho precário, que o patrão despede na primeira oportunidade de relocalizar a empresa, deve sentir-se constrangido por alguns princípios morais?
Porquê?

lino disse...

Esta história não tem moral. É um encontro casuístico com a realidade da actual emigração portuguesa (para Espanha, no caso). O diálogo é real, reproduzido de memória com razoável fidelidade.