domingo, setembro 26

As virtudes



Numa crónica inspirada e bem humorada no PÚBLICO de ontem, Pedro Mexia disseca a translacção de significado sofrida, nos nossos dias, pelos pecados capitais. Algo de semelhante se poderá dizer das virtudes. Estas andarão ainda mais pelos caminhos do esquecimento.

Prudência, na era do hedonismo e do multi-endividamento, é uma ideia hoje reduzida ao uso do preservativo. A Temperança entra em colisão permanente com os nossos "direitos": resta-lhe hoje o papel pífio de barreira ao consumo de gorduras, açúcar, sal e tabaco. A frasezinha de Wilde no Lady Windermere's Fan desferiu sobre a Força machadada de que nunca se haveria de recompôr. A Justiça acomoda-se ao acatamento das decisões formais dos tribunais (quando nos convém).

Isto para já não falar das chamadas teologais. , hoje, é exercer a vulgaridade do "pensamento positivo" e a crença na culpa da nossa espécie por desencadear todas os desastres que as novas igrejas anunciam. Esperança é conceito que só aflora quando alguém diz que o seu clube vai ganhar por 3-1 ou que "desta vez" vamos à final de um europeu ou mundial. Quanto à Caridade, São Paulo bem se enganou, quando previu que no fim dos tempos, não havendo já necessidade de fé nem esperança, permaneceria aquela. Se dela sobram résteas é só para os animaizinhos e os espaços verdes: o nosso semelhante que se desenrasque ou o estado que cuide dele, pois para isso pagamos.

(Na reprodução: Alegoria da Temperança, Luca Giordano, National Gallery.)

domingo, setembro 12

Aniversário: o mistério de Elisa Claps

Completam-se hoje 17 anos sobre o desaparecimento de Elisa Claps em Potenza. Era domingo também. O irmão mais velho de Elisa recorda que há responsabilidades de quem, sabendo, ocultou o que sabia, e dirige-se em particular ao bispo de Potenza. Tendo havido obras no tecto da Trinità, três anos após o desaparecimento da jovem, é difícil crer que ninguém tivesse visto nada, afirma Gildo Claps.

Brincando, brincando...

...O New York Times aponta-nos o verdadeiro inimigo. O título podia bem ser: O Ocidente em guerra com os engenheiros. Esta clarificação penetrante é de grande importância e não se compreende porque não lhe é dado relevo noutros meios de comunicação. É que agora não há desculpas para o que há a fazer. Desmantelar os estudos de engenharia, já!

sábado, setembro 11

terça-feira, setembro 7

A curiosa tabela

Esqueçamos que os juros sobre a dívida nos ameaçam. Portugal surge hoje relativamente bem colocado entre os países com maior percentagem de licenciados. Já batemos os grandes. Se for verdade o que nos sussurram há anos sobre a correlação deste indicador com a competitividade e o desenvolvimento, temos de estar confiantes e não desanimar. Mesmo que desse ponto de vista estritamente utilitário a tabela de classificação pareça estar ao contrário, com as possíveis excepções que podem ser erros de cálculo:

1 - Finland (63%)
2 - Iceland (57%)
2 - Slovakia (57%)
4 - Poland (50%)
5 - New Zealand (48%)
6 - Denmark (47%)
7 - Ireland (46%)
8 - Portugal (45%)
9 - Netherlands (41%)
9 - Norway (41%)
11 - Sweden (40%)
12 - Japan (39%)
13 - United States (37%)
13 - Czech Republic (36%)
15 - United Kingdom (35%)

A estatística não fala da qualidade dos cursos que foram contabilizados. Mas nós queremos lá saber. Afinal o que interessa são os números e não as pessoas (isto é, como saem da universidade). Ou era ao contrário? Não, isso só se aplica noutros contextos.

Os doces trailers silenciosos


O filme pode não ser brilhante, podemos ter a sensação de que o realizador foi filmando a banalidade de umas vidas enquanto o orçamento lhe permitiu, mas temos obrigação moral de proteger esta espécie em extinção: os filmes cujos trailers não nos danificam a audição com fortes percussões entre cada frase. Assim do género:

This is the story of noble warriors...

PAM! PAM!

... known as the keepers of the imortal army...

PAM! PAM! PAM!

...they have sworn to crush all evil...

PAM! PAM! PAM! PAM!

... now they're coming near you... in 3D!

PAM! PAM! PAM! PAM!
PAM! PAM! PAM! PAM!

(pode continuar até 10 pancadas nos tímpanos)

Os exemplos são aos milhares. Não posto nenhum por respeito aos 5 leitores do blogue.




O discurso

A estas horas já Barroso fez o seu (primeiro) discurso sobre o estado da União no Parlamento Europeu. Enquanto a França paralisa com os efeitos do anúncio de greve, o Presidente da CE veio tranquilizar-nos: estamos melhor que há um ano, e se nos afundarmos vamos todos juntos.

O discurso de estado é introduzido no tratado de Lisboa. Nos Estados Unidos, o discurso sobre o estado da União tem normalmente uma audiência de milhões de tele-espectadores. Não sei se aqui as televisões lhe deram algum destaque. As notícias sobre o discurso de hoje focam-se essencialmente num aspecto anedótico: com receio de ver o parlamento vazio e na impossibilidade de contratar figurantes, a Comissão tinha previsto multar os parlamentares faltosos na quantia de 100 €. Uma coima modesta, considerando a maçada em perspectiva. A ideia acabou por não vingar, porque houve ameaças de abandono da sala a meio do discurso e queixas de ataque à liberdade dos parlamentares. Afinal o hemiciclo encheu.

segunda-feira, setembro 6

Ter 25 anos na Ucrânia

O decréscimo populacional na Ucrânia atinge a taxa de 1,1% ao ano desde o início dos anos 90. Para estimular a natalidade, os deputados da região de Ternopol propõem a criação de um imposto, com taxa não inferior a 6%, incidindo sobre todos os homens que, tendo atingido os 25 anos, não tenham pelo menos uma criança a seu cargo. Esperam assim resolver, a curto prazo, o financiamento de orfanatos e escolas, e avisam que vai ser necessário ter em conta a bomba de relógio do envelhecimento global.

domingo, setembro 5

O aceitável é sustentável?

Enquanto em Espanha se anuncia a próxima subida da idade de reforma para os 67 anos, em França o governo fica-se pelo número 62, bastante mais modesto. Mesmo assim os protestos aumentam: segundo uma sondagem hoje publicada, está a ficar estreita a maioria dos que julgam aceitável a medida prevista. E uns esmagadores 70% apoiam as manifestações de protesto marcadas para a próxima terça-feira.

Uma sondagem a inquirir se gostariam que lhes saisse o euromilhões ou se não se importavam de morrer um pouco mais cedo poderia ajudar a formar uma ideia sobre a clarividência das massas.

As mudanças estão a ser conduzidas pelo ministro Woerth: o tal que já tem direito a um "sub-caso" com o seu nome dentro do "caso" Bettencourt, tão grossos são os salpicos que o atingem, com novas revelações todos os dias. Que triste democracia, em que as medidas desagradáveis, que tocam no bolso dos cidadãos, são anunciadas e assumidas por gente sem idoneidade moral.

sábado, setembro 4

Duas mulheres

Não encontrei a história em jornais chilenos. É contada noutros sítios de língua espanhola. Então é assim: Yonni Barrios, 50 anos, mineiro com conhecimentos de enfermagem, é um dos homens que neste momento esperam resgate a 700 metros de profundidade. Tem-se dedicado a dar cuidados médicos aos colegas. É casado com Marta Salinas, de 56 anos.

Entretanto, à superfície, durante uma vigília de apoio aos soterrados, Marta é surpreendida ao ver a fotografia de Yonni no cartaz empunhado por Susana Valenzuela.

Esse é o meu marido! gritou.

Quero lá saber! responde Susana. Estamos apaixonados há cinco anos, vou esperar por ele.

Também eu! tu não és legítima.

Se a história é verdadeira desejo a Yonni que rapidamente possa sentir na pele o amor ou a raiva dos quatro braços que o esperam.

sexta-feira, setembro 3

Conversa em Tabriz



O filho mais velho de Sakineh Mohammadi Ashtiani, agora com 22 anos, fala por telemóvel, de Tabriz, sobre o caso da sua mãe a Bernard-Henry Levi. Garante que a mãe não pode ter tido responsabilidade na morte do pai; que o verdadeiro assassino, Taheri, está em liberdade, porque os filhos de Sakineh se comoveram com as súplicas da filha de três anos de Taheri e o perdoaram; que a mãe foi violada antes da sua recente aparição na tv; que assistiu ao castigo da mãe com 99 chicotadas quando tinha dezasseis anos; que a pressão internacional deveria aumentar e que a Turquia e o Brasil são países-chave; que a execução da mãe pode estar próxima e que o adjunto do poder judicial em Tabriz está a fazer esforços para comutar a pena de lapidação para enforcamento.

quinta-feira, setembro 2

Breaking news

Não criei o Universo nem tenho nada a ver com ele, garantiu Deus hoje à BBC, a propósito da apresentação do novo livro de Stephen Hawcking.

O título exorbita. Quando lemos a notícia, apercebemo-nos de que, embora num contexto novo, se trata de um remake da célebre frase de Laplace em resposta a Napoleão: "Je n'avais pas besoin de cette hypothèse-là". Estava-se mesmo no fim do século 18 e acabava de ser publicada a Mécanique céleste.

Actualização em 4 de Setembro: entretanto, Deus já respondeu a Hawking. (Via The Reference Frame)