sexta-feira, junho 30

Conversa de futebol

Está na ordem do dia falar de futebol ou queixarmo-nos do excesso com que dele se fala. Vasco Pulido Valente volta ao assunto hoje no PÚBLICO, confessando uma mistura de indiferença e fascínio pelo ambiente criado à volta do Mundial.

A conversa de futebol não é, claro está, interessante em si. Não envolve argumentos, mas sim desejos, declarações de fé e "prognósticos". A controvérsia fica, por regra, bem ao nível do balneário. O estado do músculo x do jogador Y ou uma contagem de cartões são as notícias mais excitantes.

Mas é uma ilusão pensar que a conversa que a rádio e a tv nos dão, habitualmente, é melhor do que isto. Deixemos de lado as inúmeras rádios-todas-iguais-às-outras que encharcam o FM com conversas matinais bem piores que o futebolês: a linguagem e os temas são os da pura e simples idiotês. O pior é que as conversas (matinais e não matinais) na Antena 2 não são nada melhores, ao contrário do que se poderia esperar. Os programas da manhã, os da Judite Lima e o ritornello, mais um ou dois de que não recordo o nome, destacam-se pela conversa que oscila entre o tonto e o que interessa só a um grupo restrito de amigos. Os funcionários e as funcionárias proferem banalidades sobre banalidades num dialecto ao pé do qual os diálogos dos morangos com açúcar fazem lembrar a Agustina. Além disso, elas entrevistam-se umas às outras e trazem à conversa muitos amigos, sempre maravilhosos e com um gosto musical óptimo. Por exemplo: parece que uma das funcionárias, Daniela Qualquer Coisa, entrevistou Catherine Deneuve; hoje de manhã as outras funcionárias entrevistaram-na ao telefone perguntando sobre a excitante experiência. A Daniela explicou que tinha ficado maravilhada com a militância de Deneuve contra a tortura, a pena de morte e a defesa do ambiente. Que Deneuve era uma senhora e isto e aquilo. Tudo polvilhado de elogios mútuos q.b.. Francamente! Pior do que isto só o Madail ou o major. Na rádio pretensamente "cultural" exibe-se diariamente uma cultura superficial que é mistura do reader's digest com o foyer do S. Carlos. Felizmente, a música que transmitem não é fabricada na casa. Não há pachorra para o culturês (ainda por cima pc).

quinta-feira, junho 29

Sucesso


O êxito mais notável dos sindicatos de serviços públicos está, fora de dúvida, no facto de o cidadão comum, que indirectamente financia os salários, ter interiorizado a justeza de acções que lhe causam um pesado transtorno, com paciência ilimitada, ao mesmo tempo que interpreta o protesto como estando dirigido a uma entidade abstracta.

quarta-feira, junho 28

Injustiças

O grande clamor em torno do tratamento dos prisioneiros de Guatanamo, e dos raptos e transporte de suspeitos de terrorismo por esse mundo fora, tornou-se banalidade. Não há nada de tão insistente e sistemático, nos meios de comunicação com força para gritar alto, sobre as práticas bárbaras das polícias e as penas degradantes na execução da justiça em certos países islâmicos.

O famoso terrorista "Carlos, o Chacal", raptado por agentes franceses no Sudão em 94, condenado e preso em França desde 1997, vem juntar-se ao clamor, processando as autoridades francesas pelo rapto efectuado fora da lei e fazendo queixas severas sobre o seu regime prisional, que caracteriza por períodos de isolamento extremo, assédio frequente e privação do sono. Comparando o seu caso com o dos suspeitos raptados e deslocados em aviões da CIA, "Carlos" quer justiça. Fica no ar, implícito, que os franceses são pelo menos tão desrespeitadores de direitos humanos, no tratamento de prisioneiros, como os americanos. Lá no fundo talvez "Carlos" tenha uma secreta preferência por Guantanamo.

Elas têm ciúmes

Nem todas querem mais futebol.

terça-feira, junho 27

A Caixa

Com imenso desvelo, somos presenteados com uma caixa de correio electrónico gratuito! Finalmente alguém faz alguma coisa por nós. Estávamos fartos das mensalidades exorbitantes do hotmail, do yahoo, do clix e do sapo: um verdadeiro assalto. Nem sei como é que o pobre orçamento familiar aguentava o luxo de ter 4 ou 5 endereços de email, pagos a peso de ouro. Só de facto num país onde se vive claramente acima das posses. Agora espera-se ansiosamente o passo seguinte: o governo vai anunciar, mais dia menos dia, um "mensageiro" gratuito para todos os portugueses (coisa inimaginável até hoje, mas a partir de agora o céu é o limite, como disse o outro a respeito de outra coisa)! Será com certeza um mensageiro seguríssimo, acessível - tal como o e-mail - em telemóvel e também na nova geração de frigoríficos inteligentes, que permitirá ao cidadão manter agradáveis chats com os funcionários e funcionárias da edp, epal, finanças, psp, ctt e até provavelmente da loja do cidadão e de ministérios. Tudo isto sem necessitar de ter computador, bastando upgradar o telemóvel ou o equipamento de cozinha.

Mas nem tudo é perfeito: à nova Caixa ou ao futuro Chat vai faltar o picante a que estávamos habituados no hotmail ou no yahoo. Um correio só para despachar assuntos burocráticos e pagar facturas fica triste demais. Ora, se os cidadãos e as cidadãs levarem para lá todos os amigos e amigas, todos os e todas as ex e futuro(a)s amantes, todos aqueles e aquelas com quem trocam anedotas e fotos de gajas ou gajos, não vai haver largueza de banda que aguente. A solução terá de passar por manter uma ou duas das nossas antigas caixinhas, mesmo pagando aquelas quantias incomportáveis. O tecnochoque deve estar a preparar milhões de correspondentes e interlocutores virtuais para animar o novo correio. Preparemo-nos: do e-boletim da autarquia até ao anúncio das fabulosas riquezas que ganharemos em certificados de aforro, passando pela abertura de mais um xizão para reciclagem, vamos ter muito que ler.

Um Marlboro desalcatroado, por favor

Se as tabaqueiras estiverem atentas aos nichos de mercado com grande potencial, e ao vertiginoso progresso científico dos nossos dias, iremos ter em breve os cigarros com nicotina pura, desalcatroados. Quem sabe até se o novo produto não virá a ser classificado como especialidade farmacêutica (onde, a propósito, o vinho tinto já deveria ter sido incluído). Os cidadãos livres têm o direito a escolher entre o cancro de pulmão, o enfarte de miocárdio e a doença de Alzheimer.

segunda-feira, junho 26

Finalmente o divórcio gay torna-se possível

Chega ao fim o casamento de X e Y, menos de um ano depois de a nova lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo entrar em vigor em Espanha. X, alegando que a dedicação a Y o impediu de se realizar profissionalmente, exige o usufruto do lar durante 15 anos, a tutela dos cães do casal e uma pensão mensal de 7000 euros.

À atenção da JS e do BE: por cá ainda vamos a tempo de tornar obrigatório um seguro no acto de casamento. Afinal, casar deverá ser encarado pelo menos tão seriamente como comprar um automóvel. Ou não?

domingo, junho 25

Notícias da universidade

Steven E. Jones, professor de Física na Universidade Brigham Young (Utah), membro da Igreja de Cristo dos Últimos Dias e, segundo algumas fontes, admirador de Bush até há pouco tempo, juntou-se à brigada da Teoria da Conspiração ao publicar um artigo em que defende que, no 11 de setembro, as torres do WTC caíram por implosão, devido a explosivos. Os aviões teriam sido uma camuflagem para desviar atenções. No início deste mês participou, em Chicago, numa conferência transformada em comício contra as forças sinistras que pretendem apoderar-se dos EEUU.

Os especialistas não estão de acordo com as teses defendidas por Jones, mas no âmbito da Resistência de Materiais há liberdade de expressão suficiente para que ninguém seja perseguido pela sua visão dos factos. Já o mesmo não se pode dizer de matérias como os direitos que devem, ou não, ser concedidos aos homossexuais. Jeffrey Nielsen, professor de Filosofia na mesma Universidade Brigham Young, e membro da mesma Igreja, acaba de ser despedido por ter tornado pública uma opinião favorável ao casamento de pessoas do mesmo sexo, contrariando uma posição da universidade em apoio da emenda à constituição (destinada a impedir aquela forma de união de pessoas) que foi rejeitada no passado dia 7 pelo Senado americano.

terça-feira, junho 20

Os direitos das mulheres estão imparáveis

Só alguém com má vontade pode dizer que os governos de inspiração socialista têm desprezo pelos aspectos religiosos da vida em sociedade. O ministério do interior aqui do lado anuncia que passa a poder ser utilizada, no novo bilhete de identidade electrónico, fotografia de rosto com véu, nos casos em que sejam invocadas práticas, crenças, e pertença a ordens religiosas. As freiras de toda a Espanha agradecem, pois foi obviamente a pensar nelas que a revolucionária medida viu a luz.

segunda-feira, junho 19

Gaivota 2006

Não é a ampliação de uma linha de metro. É o nome da operação da PSP montada para proceder hoje à distribuição dos enunciados de exame. Poderíamos pensar que finalmente se percebe para que temos polícia, mas ao ler esta notícia e os respectivos comentários, logo nos apercebemos de que a estratégia é errada e o alvo falhado: a bem da igualdade de oportunidades, faria mais sentido pôr os tais milhares de polícias a vigiar os alunos nas salas de exame.

Neto radical

Hossein Khomeini, neto do famoso ayatollah, em entrevista à Al-Arabiya, critica o regime de Teerão e apela à invasão pelos Estados Unidos. Diz que todos os caminhos são bons para chegar à democracia. Não deixa de ser extraordinário. Quanto tempo demorará até que o regime o silencie?

domingo, junho 18

Injectocarro



"Vem aí o carro da injecção" pode ser uma frase que tem sentido na China, mas não para significar que se aproxima uma equipa de cuidados médicos. É o modo de executar as sentenças de morte que está a mudar: a injecção letal está a ser adoptada com prevalência ao tiro na cabeça e de forma descentralizada. Para evitar os custos com o transporte de condenados até às prisões com equipamento, o injectocarro vai ter com eles. Também se diz que este meio de execução deixa o cadáver em muito melhor estado para efeito de extracção de órgãos. Desta mistura da morte com mesquinhas preocupações economicistas ninguém pode acusar as autoridades em regimes islâmicos, como se pode constatar aqui.

quinta-feira, junho 15

Reflexões triviais sobre o Mundial2006

Vamos ganhar ao Irão por 2-0! diz um fervoroso adepto da Selecção. O locutor pergunta-lhe se não tem dúvidas e ele reafirma. Estas certezas são tão frequentes como os jogos de futebol. Que eu me lembre, só Cavaco foi criticado por dizer que não tinha dúvidas.

Ronaldo tem tonturas na cabeça e bolhas nos pés. Nada de grave: efeitos da pressão que sofre por estarem cravados em si todos os olhos do mundo. É o stress, essa miraculosa explicação de todos os males, que agora disputa o lugar das antigas iras dos deuses. Uma prova medíocre da existência da alma.

Uma ruidosa multidão de fãos e fãs esperava o autocarro da Selecção à chegada ao hotel em Frankfurt. Uma fã excitada tinha visto o Cristiano Ronaldo e o Figo. Um fão estava lá desde as 4 da manhã e disse que tinha valido muito a pena.

Ser estrela do futebol agora não é uma pera doce: além da sobrenatural destreza física, os jogadores na berra têm que aturar rodas de jornalistas e debitar prognósticos e razões, com anúncios da sagres e da tmn em cenário de fundo. O Figo é um ás também neste campo: com evidente bom senso e desprezo pelos profetas de bancada, diz sempre, em essência, que ganharemos a não ser que venhamos a perder.

E ontem falou-se do Irão como um país de fanáticos... por futebol.
Era bom que fosse só isso.

O que é também mais ou menos cristalino é que o grande público, ao contrário da aparência, não aprecia futebol por aí além. Pelo menos não se nota grande movimentação e euforia a propósito de jogos que não envolvem Portugal, e parece que há várias equipas boas a competir. Mas a cidade só se transfigura, e só irrompem clamores de frustração e alegria vindos do interior dos prédios, quando "nós" jogamos. Os homens gostam sobretudo da coscuvilhice à volta das compras e vendas no grande talho da carne futeboleira, e das intrigas com árbitros e dirigentes; as mulheres normalmente não ligam a essas futilidades, mas estão na onda por causa dos namorados, maridos e, vá lá, de um ou outro jogador.

Do que a malta gosta também, claro, é de sofrer e gozar com a sua Selecção, fazendo de duas horas de exposição ao mundo uma imaginária suspensão da nossa irrelevância.


POST SCRIPTUM: 1) Tenho que reconhecer que o adepto sem dúvidas acertou em cheio.
2) Fotos à volta do Portugal-Irão aqui.

The wrong way

O governo irlandês vai adiar a decisão de deixar de incluir o mérito académico entre os critérios para selecção de professores. Dois dos principais sindicatos de professores insurgem-se, e sustentam que o adiamento é um mau serviço prestado a professores, pais e alunos. "É a maneira errada de lidar com a educação e o futuro das crianças", declarou um dirigente.

segunda-feira, junho 12

Alto e pára o baile!

Vamos lá interromper a desinteressante discussão em torno desse jogo digno de dó entre Portugal e Angola. Está ao rubro uma controvérsia muito mais excitante entre defensores da teoria de cordas e um militante do contra. O assunto foi reavivado em artigos publicados no Times, ontem e hoje, relacionados com o livro Not even wrong, de Peter Woit. Sempre se fala de visões do universo e de definições de ciência... O céu não é o limite, aqui.

domingo, junho 11

O cerco aperta-se

Desde ontem, estão em funcionamento as redes de telemóvel nas linhas do metro de Lisboa. Deixa de ser possível aos amantes infiéis, quando a pessoa traída pergunta onde estavam, invocar como desculpa: "não atendi porque fiquei sem rede, ia apanhar o metro".

sexta-feira, junho 9

Novo regulamento sobre ruído...

...aprovado ontem em Conselho de Ministros. O facto vai ser comemorado com arraiais de santos populares.

A qualidade das medidas

Anuncia-se mais um programa dispendioso e complicado para melhorar os resultados dos alunos em Matemática. Por exemplo, lê-se que


Cada agrupamento de escolas define a sua própria estratégia com autonomia, podendo por exemplo aumentar a carga horária da disciplina, criar equipas de dois professores por turma ou constituir equipas multidisciplinares de docentes para realizar actividades de apoio à Matemática nas áreas não curriculares como o Estudo Acompanhado.

Adquirir material didáctico ou software específico e melhorar ou criar de raiz espaços laboratoriais são outras estratégias que podem ser seguidas pelos estabelecimentos de ensino, com base no apoio financeiro da tutela.

Para se candidatarem às verbas, as escolas têm de apresentar um plano onde constem os resultados alcançados pelos alunos no ano de escolaridade anterior, a identificação das causas que influenciaram negativamente as notas e ainda as estratégias de melhoria das aprendizagens, além de uma estimativa dos custos do projecto.

Caso seja aceite o plano, que será avaliado por uma comissão nomeada para o efeito, a escola celebra com o Ministério um contrato-programa onde ficam definidas as metas a atingir e os apoios e recursos concedidos pela tutela.

Em cada escola haverá depois um docente nomeado pelo Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), que ficará responsável pelo acompanhamento do projecto.


Ora, dado o número de disciplinas que já compõem o currículo, mais actividades extra-curriculares, mais estudos com acompanhantes, mais horas extraordinárias aqui e ali, daqui a pouco as escolas terão de estar abertas até às 22h (mais ou menos). Pior do que isso, vão-se obrigar as crianças a estar sentadas um número excessivo de horas e ainda alguém virá com toda a lata exigir que não engordem.

Por outro lado, a complicação à volta das candidaturas das escolas ao programa não vai, obviamente, permitir aos professores envolvidos que se concentrem no objectivo principal que é ensinar Matemática bem. Aquisição de software específico? É um embuste pretender que a qualidade das aprendizagens (como eu gosto desta novilíngua) em Matemática, a nível básico, tem uma dependência significativa do uso de tecnologia.

Torna-se cada vez mais evidente que é preciso, antes de mais, melhorar a qualidade das medidas ministeriais.

Vamos ter estudo acompanhado obrigatório. Que tal a ideia de tornar o sucesso não obrigatório? Seria mais simples e barato e com certeza muito mais eficaz.

NOTA. As competências matemáticas (expressão deliciosa) descritas por lunáticos e outros extra-terrestres podem consultar-se aqui. Também ontem se realizou em Lisboa um seminário sobre as ditas, tendo como objectivo reflectir sobre as implicações da formulação da ideia de competências matemáticas, nomeadamente para o reconhecimento e avaliação de competências, para a valorização dos saberes e formação dos adultos e para o desenvolvimento curricular em matemática. Não se esclarece quem irá reflectir sobre as implicações da ideia de formulação da ideia de competências matemáticas, mas tenho a certeza de que não vão faltar candidatos.

terça-feira, junho 6

Sugestão

O Ministério da Educação tem em vista um complexo, moroso e dispendioso sistema de avaliação de manuais escolares que poderá determinar a não aprovação de alguns deles. A iniciativa é absurda, até porque é bem conhecido que os alunos não costumam abrir os livros de texto. O Falta de Tempo, interessado na poupança deste escassíssimo bem, assim como na redução da despesa pública (para possibilitar o pagamento de uma aposentação que se antevê problemático) sugere que simplesmente seja obrigatória a inclusão de rótulos como

Usar este manual prejudica gravemente a tua saúde mental e a dos que te rodeiam. Abstem-te!

Folhear este manual pode incapacitar-te para a escrita e o cálculo durante décadas. Não o abras!


Poderiam adicionar-se fotos de jovens adultos escrevendo quando é à e vice versa, ou encontrar-mos, ou tentando multiplicar 2 por 1/2 e obtendo zero como resultado.

As escolas desencorajariam o uso de livros de texto e criariam espaços para os viciados irrecuperáveis poderem abri-los e folheá-los.

Em cada ano lectivo seriam atribuídos rótulos, por sorteio, a não mais de 75% dos manuais comercializados. Para além da poupança, o efeito poderia ser surpreendente: com o atractivo da proibição, os estudantes talvez passassem a ler manuais.

segunda-feira, junho 5

Qualquer variedade tridimensional...

... sem bordo, compacta e simplesmente conexa é homeomorfa à esfera tridimensional. Dois matemáticos chineses, Zhu Xiping e Cao Huaidong, trabalhando sob a direcção de Shing-Tung Yau, professor de Harvard, reclamam ter demonstrado a famosa "conjectura de Poincaré", um dos grandes desafios matemáticos do milénio.

Huai-Dong Cao and Xi-Ping Zhu, A Complete Proof of the Poincaré and Geometrization Conjectures - application of the Hamilton-Perelman theory of the Ricci flow, (mais de 300 páginas) Asian Journal of Mathematics, Junho 2006.

domingo, junho 4

O perguntador

Tem-se discutido muito sobre qual seria a pergunta certa, a propósito da interrogação do Papa em Auschwitz. A pergunta é velha e atravessa séculos de filosofia e artes. Num belo filme dos anos 60, "Luz de Inverno", Bergman formula-a através de uma das suas personagens.

Para os que têm fé, a questão é destituída de sentido. À luz das escrituras, sabe-se que a conduta correcta é sofrer e calar. Deus dá carta branca a Satanás para cobrir de bolhas e chagas o corpo de Job, que as coçará com um caco. A aposta era que Job mesmo assim não maldiria o nome de Deus e Deus ganha. E se pensarmos no que Deus reservava para o seu "filho" estamos mais que conversados.

No PÚBLICO, Rui Tavares sustentava ontem que a pergunta correcta deveria ser onde estavam as pessoas nesses dias e Vasco Pulido Valente escreve hoje que a pergunta necessária é onde estava a Igreja. De certo modo, dizem o mesmo e têm alguma razão.
Mas parece-me que a novidade interessante não está na pergunta, que todos os homens inteligentes, Ratzinger incluído, sabem que não tem reposta, mas sim em quem pergunta. Deixando de lado a fragilidade e incómodo da posição do chefe da Igreja Católica na terrível questão, aquilo a que assistimos é inteiramente novo: é como se o Papa confessasse a angústia da consciência de que Deus é obra dos homens. Não estou a insinuar que a Igreja poderá ter em Ratzinger o seu Gorbachov, mas sim que o cardeal pensa pela própria cabeça com mais liberdade que alguns dos seus críticos.

Professores, avaliações, aflições

Com o objectivo de diminuir a despesa pública e, vá lá, "melhorar a qualidade do ensino", têm vindo a ser anunciadas medidas necessárias para a avaliação de professores e filtragem do acesso aos níveis elevados da carreira. Estando de acordo com o princípio da necessidade de avaliação (assim como o do condicionamento de acesso à carreira em exame nacional), entrevejo uma mão cheia de possibilidades de enviesamento do processo. Ou me engano muito, ou uma parte substancial da concretização das avaliações pode ficar nas mãos do lobby das "ciências" da educação, dado que há uma elevada possibilidade de os coordenadores de departamento curricular (a quem vai incumbir atribuir classificações) serem recrutados entre os inúmeros mestres e doutores, especializados em estudos de acaso, que durante anos interiorizaram a ideologia pedagógica em vigor. Podemos estar a assistir à criação de um corpo de guardiões da execução das orientações metodológicas rígidas e irrealistas que recheiam os programas oficiais. Ironicamente, muitos deles terão sido doutrinados sobre a inadequação dos exames como método de avaliação...

Lendo o anteprojecto de estatuto da carreira docente, disponível no site do ministério da educação, não fico muito descansado quando reconheço, aqui e além, os traços distintivos da escrita em eduquês. Por exemplo, no artigo 36-2º diz-se que são competências dos professores

gerir os conteúdos programáticos, criando situações de aprendizagem que favoreçam a apropriação activa, criativa e autónoma dos saberes da disciplina ou da área disciplinar, de forma integrada com o desenvolvimento de competências transversais.

Isto já foi escrito muitas vezes e não deixou boas recordações.

A avaliação pelos pais, no contexto de facilitismo com que o ensino foi contaminado nos últimos tempos, corre o risco de reflectir, em grande medida, os simulacros de avaliação feitas pelos próprios alunos em 1974 e 1975.

A ministra afirma ainda (PÚBLICO de hoje) que a escola já dispõe de meios de exercer autoridade. Do alto do "observatório da violência" a escola deve ser um pontinho longínquo e perdido no espaço: talvez o envio de uma sonda permita conclusões mais fiáveis. E, quando se humilha publicamente, em bloco, a classe dos professores, a questão deixa de ser a de saber se eles merecem ou não as frases reprovadoras, passando a ser a de avaliar se o efeito não será o mesmo que dizer: batam-lhes mais, que eles merecem.

sábado, junho 3

Choque disfórico

Vai ser possível, pelo menos em Espanha, reclamar o sexo com que cada um mais se identifica, mesmo sem operação cirúrgica. Basta um atestado de disforia de género: habituemo-nos à palavra. Ainda por cima pode escolher-se o nome a condizer, e tudo isto mantendo o número do BI. Só acho que todo este avanço cai, sem se aperceber, na armadilha de acreditar que apenas existem dois sexos. Por agora, as clientelas ficam satisfeitas com a possibilidade de alternar, mas não tardará a insurgência das insuspeitadas maiorias que não se revêem na armadilha estruturalista da dicotomia M/F.