sexta-feira, maio 25

Margarida Moreira votou Salazar?

Na sua coluna de hoje no PÚBLICO, Carlos Fiolhais aborda o recente e triste episódio ocorrido na DREN à volta de um comentário jocoso ou ofensivo, conforme os pontos de vista. Argumenta, com razão, que o que se passou é uma pequena amostra do que poderá suceder se novos centros de poder vierem a surgir em órgãos regionais.

Mas um ponto chave da crónica é a ironia de concluir que Margarida Moreira vem, com o seu gesto, revelar que votou Salazar no célebre programa de tv. Se à primeira vista, dados os actos de bufaria e repressão de opinião subjacentes ao caso, a asserção parece ter sentido, um minuto de análise é suficiente para reconhecer que a ironia não passa disso mesmo. Vindo de onde vem, e colocada onde está pela mão de quem foi, Margarida Moreira pertence, quase de certeza, à classe de cidadãos que jamais votaria Salazar e que, só por isso, se auto-atribuem superioridade moral. A repulsa pela vitória do antigo ditador vem de um nome e de um tempo que já não ameaçam ninguém. Sob o disfarce de nomes mais simpáticos, aspectos tenebrosos do que o salazarismo representou não podem causar senão um escândalo mais limitado. A repugnância pelo primeiro lugar de Salazar no concurso é compatível com práticas que o galardoado aprovaria.

quarta-feira, maio 23

Ser e não ser

Fazer um juízo sobre a actual situação da cidade de Lisboa e não do Governo. Este foi o pedido do antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, aos eleitores...
Agora que o actual Presidente da República está em paz com o governo, o ex faz-lhe uma censura mais que explícita. Inconsistente e auto-contraditória, como é hábito, vinda de quem vem.

terça-feira, maio 22

As palavras: continuação do post anterior

Durante muito tempo, em conversas amenas, costumava escarnecer dos estruturalismos que considerava ocos. Agora estou cada vez mais rendido à força devoradora das palavras, que deixam de o ser para se imobilizarem, petrificadas, na digestão dos objectos de que se apropriaram.

Ontem, numa entrevista de tv, Ruben de Carvalho comentava que as muitas candidaturas de "esquerda" são a prova da vitalidade da "esquerda".

Durante a última campanha presidencial, muitos preveniam contra o autoritarismo, o "fascismo" até, que aí vinha pela mão do candidato que acabou por ser eleito.

Quando Salazar ganhou um pífio concurso de tv, virgens ofendidas disseram cobras e lagartos do estado da democracia.

Quando, na realidade, um fascismo pequeno e subtil ensaia passos de lã, ele dificilmente é reconhecido, porque afinal vem trazido pelos que têm o monopólio do uso de rótulos anti-fascistas.

"Esquerda", "fascismo"... palavras que deixaram de o ser, para se tornarem obcessões que habitam as mentes paradas num tempo e num lugar.

quarta-feira, maio 16

A situação terrível

José Sá Fernandes apela à unidade da esquerda no episódio das eleições antecipadas, por motivo da situação terrível a que chegou a câmara de Lisboa. Roseta e o PCP, sorrindo, dizem não, mostrando assim a situação terrível a que chegou aquilo que se costuma designar como esquerda.

Os planos não devem ter resultados

Quando foi lançado um plano de acção para a Matemática, no final de 2005, exprimi dúvidas sobre aspectos relacionados com a direcção do projecto, onde assumiram papel de relevo defensores das políticas que têm conduzido ao desastre do ensino da disciplina. Os primeiros textos publicados pela comissão nomeada para o efeito continham um número suficiente de parágrafos em eduquês para ficarmos de sobreaviso.

É claro que a ministra sabia o que fazia. Não tem que se admirar, agora, de que lhe venham contestar esse vício de pretender que as acções sejam empreendidas tendo em vista resultados.

A APM aceitou estar representada na Comissão de Acompanhamento desta medida [o Plano de Acção para a Matemática], onde sempre contrariou o discurso excessivamente centrado sobre os resultados esperados com a realização dos projectos nas escolas, porque há muitos aspectos das aprendizagens que não são mensuráveis, sobretudo a curto prazo, e porque há muitos factores, alheios ao sistema educativo, que influenciam as aprendizagens dos alunos. A afirmação de que os resultados dos exames de Matemática do 9º ano vão ser “teste ao trabalho das escolas”, revela ausência de sentido pedagógico e exprime uma leitura muito simplista e redutora do que é esse trabalho e a educação. (Comunicado da Associação de Professores de Matemática, 15 de Maio).

Muitos aspectos não mensuráveis? Vá lá, vá lá. Mas, que diabo, professores de matemática não conseguem descobrir um par deles que o sejam?

Parece-me que a APM está a querer converter-se em factor alheio (se não de bloqueio) ao sistema educativo. E a revelar ausência de responsabilidade e sentido pedagógico. E a exibir uma leitura muito simplista e redutora da realidade.

A primeira medida

No PÚBLICO de 11/05, Luís Campos e Cunha propõe quatro medidas para o ensino superior com as quais estou de acordo.

A primeira consiste em não autorizar programas de doutoramento em áreas nas quais as unidades de investigação de uma dada instituição não estejam classificadas como "muito boas" ou "excelentes". De facto, esta é uma condição necessária mínima para garantir qualidade. No entanto, quando olhamos o problema de mais perto, é fácil compreender que nem com uma tal medida a qualidade fica garantida.

A principal razão é que os tempos modernos, e sobretudo os pós-modernos, erodiram e perverteram o significado de "investigação", de "área científica", e o do exame de "doutoramento" que lhes pode estar associado. De outro modo não seria possível encontrar "teses de doutoramento" com títulos como Educação Matemática e Conflitos Sociais (Un. Campinas, Brasil 2005), O nexo "geometria fractal - produção da ciência contemporânea" tomado como núcleo do currículo de matemática do ensino básico (Rio Claro, Brasil 2005), Cultura organizacional em contexto educativo : sedimentos culturais e processos de construção do simbólico numa Escola Secundária (Un. Minho, 2003) e muitos outros que aborrece citar. Os exemplos são igualmente numerosos lá fora. Em http://www.people.ku.edu/~jyounger/lgbtqprogs.html podem consultar-se programas de mestrado e doutoramento que falam por si. Por exemplo "East German Women's Struggle to Resist the Strengthening of Traditional Gender Roles in Reunified Germany", é o título delicioso da tese de uma professora da George Mason University, muito vocacionada para questões de género. (Curiosamente, numa universidade tão cheia de feministas, os estudantes muçulmanos impõem agora as suas regras num espaço de meditação, requerendo áreas separadas para homens e mulheres.)

É claro que unidades de investigação nestas áreas, sendo avaliadas pelas sumidades comprometidas com as mesmas ideologias, podem com facilidade ser classificadas de excelentes. A infecção alastra entre elogios.

domingo, maio 13

O destino de Dua Khalil Aswad

Dua Khalil Aswad era uma rapariga curda de 17 anos, pertencente à seita Yazid, adoradores de um anjo caído em desgraça e que se consideram a si próprios os veradeiros descendentes de Abraão. Dua enamorou-se de um rapaz sunita e certa noite não voltou a casa para ficar junto dele. Um chefe Yazid deu-lhe refúgio. Mas a notícia chegou à família com a carga da desonra: Dua tinha-se até convertido ao Islão por amor.

No passado dia 7 de abril, os familiares e autoridades religiosas Yazid, seguidos de uma multidão, forçaram a rapariga a sair da casa onde se abrigara, arrastaram-na pela rua e apedrejaram-na durante meia hora até à morte, com calhaus e um bloco de cimento. Tiveram a atenção, durante o acto, de lhe cobrir as pernas com roupa.

Coexistindo nos nossos dias o mundo medieval com os últimos avanços da electrónica, tornou-se possível presenciar estes actos bárbaros onde quer que estejamos. Alguém filmou com um telemóvel, quem sabe se com a mesma frieza com que se filma um casamento ou um bocado de um jogo de futebol. O video começou a ser divulgado há uma semana e foi retirado de alguns sites, como o YouTube, mas ainda é possível encontrá-lo noutros. O que não é fácil é suportar o visionamento.

segunda-feira, maio 7

A "amarga vitória"

Tem piada o fingido espanto diante da vitória esmagadora de AA Jardim na Madeira. Institucionalizem no meu bairro uma forma de governo com direito a transferências do orçamento e verão o acontece quando tentarem diminuir-nos o tamanho da fatia. Já agora, avancem para a regionalização e depois venham admirar-se com as "amargas vitórias da democracia".

O equívoco maior é a utilização da etiqueta de um partido (PSD) que só tem a ver com a situação na medida em que aproveita sofregamente as vitórias de Jardim, para compensar a sua cada vez maior irrelevância nacional. A todos convém, no entanto, manter a ficção de que as capelas de poder na Madeira podem identificar-se com as de Lisboa, na esperança (agora desfeita) de virem um dia a sentar-se à mesa com acesso ao bolo.

Nos próximos episódios, o mais provável é que Jardim, governando com as novas regras do jogo, venha a mostrar, na prática, que as alterações à lei das finanças regionais são razoáveis.

domingo, maio 6

A profecia fácil

Em várias cidades de França começaram os protestos pelo resultado das eleições. Ségolène, clarividente, tinha avisado. Os franceses não lhe deram ouvidos, mas há quem se encarregue de não a desiludir.
O dirigente de AC le Feu, Mohamed Mechmache, em Clichy-sous-Bois, já comentou: A França não compreendeu a mensagem do que aconteceu em outubro e novembro de 2005.
A dúvida do momento passa a ser agora: qual será o número de carros queimados?

Actualização às 8:50 de 2ª feira: o número é maior que 350 (já que coloquei a pergunta) mas no contexto francês talvez nem seja muito significativo...

quinta-feira, maio 3

A escola inclusiva

Ontem de manhã a Senhora Ana Benavente foi entrevistada no Rádio Clube Português. Sobre o estafado assunto dos males da educação disse coisas ainda mais estafadas, mas curiosas, porque normalmente ninguém se dá ao trabalho de reflectir muito sobre as fantasias que passam por erudição pedagógica. Disse a senhora que esta escola velha continua a insistir num erro: agrupar os alunos por faixa etária, como se todos tivessem as mesmas possibilidades de aprender o mesmo ao mesmo tempo, apesar de sabermos que os alunos têm não só diferentes capacidades mas também diferentes pré-disposições relacionadas com o meio familiar de proveniência.

Muito bem. A senhora não disse, mas presume-se então que, no seu entender, não sendo por idades, as escolas deveriam agrupar os alunos por etiquetas como: pobrezinhos e burros ou ricos e dotados. Uma maneira, como outra qualquer, de manter a reserva ecológica dos pobrezinhos que tanta falta fazem para elaborar teorias educacionais e programas políticos.