domingo, setembro 30

Post amargo e irritado

Para que serve? para "socializar", para "integrar". Qual é o espanto? Todos estamos habituados a essa rotina necessária: quando somos apresentados a pessoas com quem vamos provavelmente partilhar espaço ou actividades, é natural esperar que numa fase inicial elas nos obriguem a beber vinagre (se não forem muito mazinhas)  e a limpar-lhes a retrete, a fim de facilitar a amizade e a camaradagem no dia a dia.

É da praxe que no início do ano lectivo há notícias de estudantes atingidos, por vezes de forma violenta, pelas consequências dessa actividade inominável, tão estúpida e pirosa como o nome que lhe dão. Já se viu que as escolas não têm capacidade de refrear a prática. As claques de cultores falam dela como "tradição", mas em vez disso deviam dizer "importação" de mau gosto. Em Lisboa a praxe é moda recente, e nas universidades de província tem de o ser por força, porque todas elas são recentes. A instituição de uma longa época de brincadeira estudantil que se estende pelos primeiros meses do ano escolar é contemporânea da massificação descontrolada do ensino superior. A degradação de qualidade não é o único dano colateral do processo: ele arrastou a deterioração do nexo entre universidade e cultura ou élites. As manifestações inocentes desta quebra são a adopção maciça do trajo ridículo com que a estudantada se passeianas aulas e pelas ruas, e a presença dos Quins Barreiros deste país nas festas académicas. No seu pior, a estupidez afecta a saúde ou a vida.

O silêncio dos ausentes

Na saudação de Mariano Rajoy aos que não se tinham manifestado em Neptuno encontrou Pedro Almodóvar inspiração para uma resposta vigorosa e dissertar sobre a teoria das múltiplas narrativas e as manipulações a que as imagens se prestam.

Também as palavras também se vergam às convicções do narrador. Acusando Rajoy de se apropriar do seu silêncio, Almodóvar apodera-se do silêncio dos outros ausentes; certamente será apoiado por muitos, mas também não será pequena a pateada. O potencial da narração caleidoscópica tem sido bem explorado na literatura e no cinema, e o seu fascínio só pode vir, de facto, da omnipresença da ambiguidade no mundo real. Se o narrador omnisciente pode ser insatisfatório por boas razões, não pode Almodóvar esquecer que o seu ponto de vista é apenas mais um.  Se "Cualquier realidad puede significar algo o lo contrario, según los intereses de quien la narre", também qualquer um pode interrogar-se sobre os interesses que movem Almodóvar (que, repare-se, descobre por via deste episódio os malefícios da televisão pública) na criação da sua realidadezinha em palavras. Todos podemos permitir-nos a arrogância de acreditar que os calados estão connosco.

quinta-feira, setembro 6

Crise da Economia como área de conhecimento

Um breve artigo de Howard Davies, ex-director da LSE e primeiro presidente do FSA, levanta uma discussão aparentemente informada, com muitas palmas e pateada também. A controvérsia ilustra a desconfiança que alastra, mesmo entre os entendidos, sobre os caminhos da Economia e dos estudos financeiros. Até que ponto os modelos matemáticos, e os métodos importados da Física e da Engenharia, constituem um contributo de valor para construir uma ciência da economia? Não teremos andado a iludir-nos e a perder tempo, que melhor teria sido utilizado estudando bem a história, a sociologia e procurando compreender como agem as instituições? A resolução dos problemas com que nos deparamos dependem mais de decisões políticas ou de conhecer o comportamento das soluções de um problema em análise estocástica?

Não há consenso sobre a mínima coisa. Se muitos criticam a ausência de previsão da crise, logo outros clamam que houve quem previsse, sim senhor. Mas uns terceiros põem em causa o valor da previsão em face dos modelos disponíveis: quem acertou, acertou só por ser um pessimista incorrigível. Mas também estes não ficam sem resposta: os pessimistas foram ignorados interesse das instituições, tanto financeiras como reguladoras.

A matematização de uma área do conhecimento é um requisito maior para lhe conferir credibilidade e carácter de "ciência". Mas os modelos matemáticos têm um valor limitado e devem ser lidos com prudência quando estão em jogo comportamentos de pessoas e instituições de grande complexidade e que podem fugir aos axiomas da teoria.

Em vez de castigar a incipiente "ciência" económica e financeira, pode ser mais útil subir a fasquia de exigência aos dirigentes políticos e aos reguladores e perguntar, afinal, para que servem estes. E não perder de vista alguns princípios de bom senso no planeamento a longo prazo. Por exemplo, que o dinheiro não nasce do ar nem das leis. Que não é razoável gastar mais do que aquilo que é expectável que venhamos a ter. Ou que quando os governos privam os cidadãos de uma parte importante da riqueza para realizar investimentos que a muito poucos servem, ou a produzir o que só pode ser comprado à força, é provável que a factura venha a ser dolorosa para a maioria.

quarta-feira, setembro 5

Isto é notícia ou simples divulgação de um manifesto?

Quando é que os redactores aprendem a redigir? Em vez de "é uma das mais recentes figuras da sociedade portuguesa a subscrever o manifesto " deveria estar "é uma das figuras da sociedade portuguesa que mais recentemente subscreveram o manifesto". Jorge Sampaio não é figura recente, não há figuras recentes.
Indo à substância da notícia, o facto de serem comuns notícias deste tipo leva-me a ignorar os jornais portugueses. A notícia é apenas a reprodução de excertos do manifesto de uns senhores que nos querem dar uma música que já conhecemos, entrecortada por um recitativo inútil de ligação das frases. Não há surpresa nenhuma. Nenhuma pergunta, nenhum confronto.Se a notícia fosse reduzida à frase "a rtp tal como existe é necessária porque sim" o resultado seria igual.
Não preciso de recorrer ao PÚBLICO para ficar a saber que as pessoas mencionadas na "notícia" estão contra o "atentado ao serviço público de tv". Eu até posso enumerar mais umas dezenas e acerto de certeza. A única novidade para mim foi o nome completo do cantor, de que só conhecia o primeiro nome.
Quanto à gestão do serviço público de tv, não tenho preferências. Preocupante é que pesa demasiado na despesa e particularmente na factura mensal da energia. As alterações de que se tem falado não vão alterar este estado de coisas. Os subscritores do manifesto não estão preocupados com isso. Presumo que não têm dificuldade em pagar as suas contas, e ainda bem, mas podiam preocupar-se com as contas difíceis de muitos dos seus concidadãos.

domingo, setembro 2

E a luz desfez-se



Dando cumprimento a mais uma directiva do Grande Irmão que sabe melhor do que nós como devemos iluminar os nossos espaços, está ilegalizado a partir de ontem o fabrico de lâmpadas incandescentes na UE. A comercialização deste simpático produto está também condenada, ficando restringida a stocks e a modelos muito específicos. A sentença para o halogéneo está também lavrada: morte daqui a quatro anos. Preparemo-nos então para gastar uma pipa de euros nos LED que nos vão obrigar a consumir, para poupar uma pequena quantidade de energia - poupança que nem sentiremos porque a factura vai continuar a subir a favor das eléctricas. As novas lâmpadas anunciam com pompa grande longevidade. Como se a durabilidade técnica pudesse ser um desafio à legislativite compulsiva e à simpatia por algum novo lobby, que hão-de restringir o uso do LED mais cedo do que tarde.

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Duas ligações interessantes: http://greenwashinglamps.wordpress.com/ e http://freedomlightbulb.blogspot.pt/