terça-feira, junho 28

O paraíso ao virar da esquina: num país perto de si


Una estación de Alta velocidad por AlbaceteTeVe

14 de Maio, em campanha eleitoral: alguém anuncia a ligação de Albacete por alta velocidade à linha Madrid-Sevilha e que o tempo de percurso Toledo-Cuenca-Albacete iria ser ainda mais reduzido, passando a fazer-se em apenas 1 hora e meia. Boas perspectivas para Albacete, que ficaria a pouco mais de duas horas das praias.

28 de Junho: a RENFE anuncia o encerramento da linha de alta velocidade Toledo-Albacete, por falta de procura (média diária de 9 passageiros, um movimento um pouco acima do do nosso neo-aeroporto). O director do serviço de passageiros afirma que a empresa foi ao encontro das aspirações dos "alcaldes" locais, que converteram a alta velocidade em símbolo do desenvolvimento regional.

domingo, junho 26

Antes filho que boy

O caso passou-se em Grândola e foi referido há três dias nos jornais. Suspeito que não contém nada de realmente novo nem original, mas a singularidade das justificações do Presidente da Câmara de Grândola é interessante e merece alguma atenção.

A nomeação do filho como adjunto foi maduramente pensada e assenta na qualificação académica muito pontuada da pessoa (não especificada) que o filho representa, e que o Presidente garante conhecer há 29 anos. Não invento nada, é o que a notícia diz. Mas não nos percamos em elocubrações improdutivas: este discurso críptico pode reflectir simplesmente um problema de redacção. Mais significativo é que temos aqui um invulgar exemplo de coragem. Apesar das gigantescas pressões que podemos imaginar, o autarca resistiu a nomear um boy, e avançou directamente para a família, arriscando-se, e aos seus, a uma bateria de críticas. Ainda mais, está a obrigar o filho a trocar pelas ingratas funções públicas uma actividade profissional (supõe-se que promissora) em empresas do sector privado ligadas à área do desenvolvimento e turismo. É  preciso ter coragem e ser limpo para fazer esta nomeação", afirma Beato. Concordo em absoluto.

Dois pontos sobre rodas


A curiosa notícia sobre os ciclistas nus suscita duas reflexões.

Primeira: que moral poderá estar a ser ofendida com esta iniciativa? Atendendo a que estamos em 2011, só pode estar em foco a obrigação de os cidadãos se protegerem dos ultra-violetas e outros efeitos deletérios do calor, como a Autoridade Nacional de Protecção Civil não se cansa de recomendar com os seus alertas coloridos.

Segunda: tentando interpretar correctamente a moral do dia que corre, ao recomendar o uso de cremes solares, o Presidente da Câmara de Lisboa assume competências inesperadas e está a dar uma sugestão aos novos governantes. A ANPC pode ser desmantelada já.

(Imagem. J Roybal)

sábado, junho 25

Mini-preços, mini-duração

Madrid é diferente. Micro-teatro por dinero é uma novidade de sucesso. Por apenas 3€, pode ver-se teatro e tomar uma bebida. Mas não menos importante é a duração das peças: 15 minutos. O produto interessa a todos: aos que têm poucos euros no bolso e aos que, tendo muitos, não podem convertê-los nesse bem mais precioso que é o tempo. Sem esquecer os pobres ou ricos que por conformação genética adormecem ao fim de 20 minutos de declamações. Que grande potencial tem a ideia.

sexta-feira, junho 24

"Um diálogo Pos-moderno: um interdito linguistico em abismo " - 4 anos depois

Por via de uma citação do on, um post antigo tem um comentário novo.

Democratização do copianço

Os exames nacionais envolvem uma operação policial de grande envergadura, com entrega simultânea de pacotes de enunciados, mantidos em grande segredo até ao momento aprazado, nas escolas de todo um país. É assim em Portugal como é também em França. É preciso recuar a 13 de Outubro de 1307 para se encontrar uma acção comparável, quando o ministro Guillaume de Nogaret organizou a prisão dos Templários.

Mas agora os tempos são outros... Um exercício do exame de Matemática para o ensino secundário em França foi divulgado na véspera. Os jornais dão grande destaque ao assunto.

O autor da divulgação, que escreve com muitos erros de francês, garante no site que o exercício vai mesmo sair e encoraja os internautas a tentar resolvê-lo: garante que não se arrependerão. E desafia: se não acreditam, ao menos utilizem-no como treino.

Enquanto alguns já reclamam a repetição do exame de Matemática, o caso vai dar que pensar. O sistema utilizado é muito dispendioso e o peso do exame na nota final é diminuto, argumentam os que se queixam da desadequação do modelo que, afirmam, nem garante a equidade a nível do país.

segunda-feira, junho 20

A PP, o IA e o VIP

Tão pouco tempo e tanto que há para aprender. Ontem dei-me conta de que há uma coisa chamada Psicologia Positiva (PP) que parece que é uma ciência. Foi inventada em 1998 por Martin Seligman e tem por objectivo mostrar uma outra face da Psicologia. Grosseiramente descrito, o lema é: abaixo o divã e o escavar de memórias macabras; em vez disso procurem-se as raizes do génio e do talento e promova-se a valorização das experiências positivas e a busca da felicidade. Se a comparação me é permitida, e pedindo desculpa pelo simplismo do meu entendimento, é como se tivéssemos um novo género de canalizador que entra em acção quando os canos estão em perfeitas condições.

Fiquei a saber de tudo isto num programa da Antena 1, com a presença de uma investigadora que é pioneira da introdução em Portugal dos métodos da PP: o Inquérito Apreciativo (IA), o V.I.P. (valores, influências e projectos) e o World Café. Fiquei com vontade de saber mais e fui pesquisar. Eu explico rapidamente: o IA pode assumir a forma concreta de Máquina do Tempo, em que as pessoas são chamadas a escrever as suas experiências gratificantes em post-it de cores diferentes, que colam em papel de cenário numa parede. Com o V.I.P. descrevem o que lhes evocam os valores, influências e projectos enquanto desenham círculos concêntricos. No World Café promovem-se conversas sobre temas agradáveis à volta de uma mesa com uns acepipes.

De acordo com a literatura publicada, tudo isto é comprovadamente eficaz, podendo os resultados, decorrentes de intervenções concretas em algumas organizações, ser classificados de "surpreendentes". Se assim é, só posso ficar feliz.

Mesmo que pareça que estou a brincar com o assunto, esclareço desde já que não é o caso, até porque descobri que a mesma investigadora faz uma recomendação que recolhe toda a minha simpatia e apoio, sem qualquer réstea de ironia: o uso sistemático do humor a nível das organizações. Advoga que se saiba rir de nós próprios e dos nossos maiores insucessos, que as organizações formem pessoal em competências humorísticas e que o humor seja progressivamente introduzido em notas informativas, circulares e discursos. Já fico bem disposto só de imaginar esse mundo novo. Venham as directivas, já!

quinta-feira, junho 16

Philo

...dire la vérité est utile à celui à qui on la dit, mais désavantageux à ceux qui la disent, parce qu’ils se font haïr. (...)
Personne ne parle de nous en notre présence comme il en parle en notre absence. L’union qui est entre les hommes n’est fondée que sur cette mutuelle tromperie ; et peu d’amitiés subsisteraient, si chacun savait ce que son ami dit de lui lorsqu’il n’y est pas,
quoiqu’il en parle alors sincèrement et sans passion.
L’homme n’est donc que déguisement, que mensonge et hypocrisie, et en soi-même
et à l’égard des autres. Il ne veut donc pas qu’on lui dise la vérité. Il évite de la
dire aux autres ; et toutes ces dispositions, si éloignées de la justice et de la raison,
ont une racine naturelle dans son coeur.
 
Este é um dos textos que hoje sairam em exames nacionais de Filosofia realizados em França. Países cultos são outra coisa: ministros, políticos e outras figuras públicas são chamados a resolver as questões do exame e lá se desenrascam como podem, e até o povo responde ao desafio enviando as suas respostas em versão SMS. O país inteiro discute se a arte é mais importante que a ciência, se a igualdade sacrifica a liberdade ou se uma hipótese científica é demonstrável. Numa palavra, discutem-se os assuntos verdadeiramente importantes. E tudo sem usar calculadora! 

segunda-feira, junho 13

Petit scandale colatéral

Com os pequenos ou médios escândalos que têm os costumes sexuais em pano de fundo, saltam para os jornais os pequenos ou médios escândalos colaterais. Em França, o caso dos rumores sobre um antigo ministro trazidos à cena por outro antigo ministro evoluiu para acusações e recriminações, continuando em alta o escrutínio feito aos deveres profissionais e ao salário de Luc Ferry na Universidade de Paris VII. Ferry não deu aulas neste ano lectivo, mantendo o salário, que acumula com um adicional pelas funções exercidas como presidente do Observatório da Sociedade. Tudo legal, diz Ferry, pois a afectação a funções públicas está prevista e regulada. Não é bem assim, replica Paris VII: a lei de autonomia universitária que entrou em vigor em Setembro de 2010 veio mudar as coisas. O enredo, agora frente ao cenário dos chorudos salários em funções públicas de utilidade misteriosa, presta-se bem a todos os populismos e oportunismos, tanto mais visíveis quanto melhor observarmos as famiglias políticas que defendem e atacam. A moral pode bem ser substituida pela correcção dos procedimentos administrativos e pelas fidelidades ideológicas, se é que ainda há restos de ideologia. Entretanto, no Figaro de hoje, o número de comentários sobre o salário de Ferry já é 3 vezes maior que o número de comentários sobre o caso que originou o rumor.

sexta-feira, junho 10

Weiner show

Terão mudado assim tanto os padrões morais em meia dúzia de anos? A pergunta de William Saletan faz todo o sentido. É verdade que o caso Weiner evoluiu de mal a pior: da tentativa de negação inicial passou-se à exposição da mentira, à confirmação de que o congressista terá enviado pela net fotos da sua nudez a mais de uma mulher, e sabe-se agora que tudo isto se passou ao mesmo tempo que a esposa de Weiner espera um bebé. Pecadilho sem grande relevo, dirão alguns. Menos grave do que as fraquezas de Clinton na sala oval, talvez. Daí que se assista com surpresa à forte demarcação que conhecidas figuras do Partido Democrata estão a fazer em relação a Weiner, com apelos à demissão.

Muitos que começaram por apoiá-lo ficaram irritados depois de se saber que o homem afinal tinha mentido, e julgam que a perda do lugar é bem merecida, mais por ser um mentiroso do que por espalhar na net fotos das suas partes.

Seja como for, parece que a personagem central deste reality show não merece a piedade dos espectadores. Porque, se tivermos paciência para fazer um flash-back até 1991, ficamos a saber que o nosso homem saltou para a política usando métodos desprezíveis, que passaram por ataques caluniosos anónimos aos seus concorrentes e pelo apelo à hostilidade racial.

Para Weiner não vai ser fácil o caminho da demissão. Pela simples razão de que é um político de aviário, que nunca teve uma profissão na vida real e não sabe fazer mais nada.

quarta-feira, junho 8

A reacção do silêncio

É notícia nos jornais e rádios em França, por via de um artigo do Canard Enchaîné: o presidente da Universidade de Paris 7 convoca Luc Ferry hoje mesmo para que se explique. Segundo o artigo, o filósofo e professor está ausente do serviço há meses, continuando a receber o salário bruto de 4.499 euros. (Faz lembrar aqueles preços que nos anúncios terminam em 9 para parecer que estão longe da centena seguinte.) Quando os adeptos de todos os encobrimentos querem mostrar que ninguém pode lançar pedras, ficamos ao menos a saber quanto recebe um professor universitário em França.

domingo, junho 5

Duas mulheres?

Casaram-se ontem em Nancy e augura-se-lhes um futuro feliz. São duas mulheres lésbicas, dizem elas, uma das quais possivelmente um homem. É fácil perceber: Stéphane gostaria de ser chamada Stéphanie. Afirma aos jornalistas que fez cirurgia para mudar de sexo mas esconde a documentação às autoridades, o que lhe permitiu casar com a jovem Elise dentro da lei desse estado antiquado que ocupa o hexágono para lá dos Pirinéus. Porque quem existe em face da lei é o homem que Stéphane foi. Para lá da publicidade conseguida, a história é fascinante, porque na realidade não temos provas de nada do que as duas dizem. As notícias limitam-se a reproduzir a versão do casal. Stéphane-nie e Elise podem estar, simplesmente, a gozar-nos. Mas a estorieta do homem que se torna mulher porque ama uma mulher que gosta de mulheres é sem dúvida bonita, com ou sem ironia.

quarta-feira, junho 1

Onde de choque

Depois de DSK, houve o caso Tron. Em Espanha, um senador acusado de abuso de menores vai apresentar a demissão. Mas é em França que a discussão se faz ao rubro pela calada. Há dois dias, num programa do Canal+, o ex-ministro Luc Ferry acusou, sem o nomear,  um anterior ministro de actos de pedofilia praticados em Marrocos. A revelação não o é assim tanto: lendo o que se escreveu sobre o caso percebe-se que todos sabem não só quem é o inominado como também da existência dos tais rumores. A imprensa é enviesadamente cautelosa no que escreve, seja fechando as caixas de comentários , seja desinteressando-se da substância dos (alegados) factos e mobilizando-se contra o mensageiro.