domingo, agosto 23

Alguém está a exagerar

O terrorista do comboio "não compreende como é que esta história assumiu tais proporções" e com razão. Com o à vontade  de que goza para viajar para fora e dentro da Europa e com o sossego e tempo livre que lhe deixam para se dedicar a encontrar armas de guerra perdidas em parques, e para viajar em TGV, o que mais surpreende é que se faça tanto barulho à volta do caso. Como se determinadas causas não tivessem as naturais consequências. E mesmo assim as notícias são discretas e muito cautelosas. Por exemplo, só no La Razon nos informam de que estava previsto provocar um grande incêndio à entrada de Paris.


terça-feira, agosto 11

Teoria da literatura de praia


Nem só o Correio da Manhã, a Bola e o Record são lidos na praia. O expositor de livros é imenso ao longo do areal, e mesmo com um olhar distraído fico a saber que há títulos que de outro modo não me chamariam a atenção. Não tenho dados fiáveis, mas diria que este verão o top das leituras vai para a rapariga no comboio.

É provável que o "policial" tenha um atractivo especial. O que um leitor pretende é que lhe contem histórias, e o mistério que envolve um crime confere ao conto o picante procurado.

Há dias atrás gostei do título "A verdade e outras mentiras", exibido com destaque num expositor, e comprei o livro sem me aperceber de que estava na categoria dos policiais. Não vou lamentar-me, não: foi um passatempo interessante, mesmo que desde cedo fosse visível uma certa artificialidade do enredo. A narrativa é leve, como convém, por vezes pontuada por uns ditos que oscilam entre um bom achado, o bem humorado, e o mau gosto gratuito. Sem surpresas, o livro comporta-se mais como um eficaz script para tv ou cinema do que como uma novela de qualidade.

Qual é a distância entre esta "verdade e outras mentiras" e um livro fascinante? Para além da inverosimilhança exibida sem cerimónia (por vezes parece que estamos a ler as versões que os autores de delitos compõem para se justificarem), confiar ao narrador omnisciente aquele entramado todo só pode reforçar a impressão de que tudo se vai desenrolando com a ajuda de uns truques e toques de magia. Há uma personagem má (o protagonista), o que é bom, mas não mau a tempo inteiro, o que é mau; a Martha, coitada, não tem credibilidade, e o perseguidor Fasch é pouco mais que redundante.

O criminoso sabe, e repete, que é necessário um cuidado imenso para não deitar tudo a perder por algum detalhe ou partida do acaso. É esse toque de realidade que falta na novela: mesmo que o mau escape sem castigo, o leitor prefere que ele tenha estado em muito maior risco de se perder. Apesar de tudo, o livro entretém e fica bem em qualquer biblioteca à beira mar.

Post scriptum: A internet está cheia de recensões entusiásticas que o livro, quanto a mim, não merece. A crítica mais certeira encontrei-a no Cabaret Bizanzio.



domingo, agosto 9

As questões difíceis

Os pré-candidatos já falam todos os dias. Falam em circuito fechado, limitando-se por vezes cada um a desdizer o adversário. Por vezes até falam de temas importantes. Tecem algumas controvérsias onde a artificialidade fica à mostra e em que são difíceis de discernir as linhas de clivagem.

Para lá dos aspectos anedóticos que recentemente nos têm sido oferecidos (a comédia dos cartazes), adivinha-se uma campanha enfadonha e difícil de suportar.

O que mais me impressiona por parte da oposição é o ar estonteado e caótico como são geridas as intervenções. É admirável a futilidade com que esta gente, que parece saída de um curso de formação apressada para candidatos a governantes, se propõe liderar o país. Quanto tempo investem a reflectir e a estudar os problemas difíceis, aqueles com que vão (vamos) ser confrontados no futuro muito breve, num mundo perigoso, e que transcendem as pequenas variações em torno de cortes e reformas sob orientação da Europa (digamos assim, por comodidade de expressão)? Que opinião têm sobre os resultados das primaveras no norte de África e na Síria? Como valoram as actuações passadas de Sarkozy, Cameron e Obama, que opinam sobre actuações futuras da Europa neste âmbito? Como encaram a tragédia do Mediterrâneo? Pensam que Portugal não vai ser afectado pelas rotas, que por agora terminam em Calais, dos que fogem da miséria e da morte? Têm opinião sobre o acordo nuclear com o Irão? Já ouviram falar do IS? Estas seriam algumas das questões interessantes, embora pouco agradáveis, que os que aspiram a ser governo deviam abordar e trazer para a discussão com os adversários. Não o fazer significa que quem quer que nos governe se prepara para ir a reboque dos mais influentes, abdicando de uma contribuição própria, quando no futuro houver a realidade impuser acção.