quinta-feira, dezembro 25

As luzes da cidade


Quando vem o natal, já se sabe que aparecem iluminações nas ruas mais comerciais das cidades. A opulência das decorações é variável com as características dos tempos que se atravessam, mais ou menos salpicados de crise. Nos arquivos deste blogue encontram-se recordações das luzes de dezembro em Lisboa ao longo de vários anos. Tanto quanto me apercebo, os últimos símbolos de alguma religiosidade ligada ao significado antigo das festas surgiram em 2006, na forma de umas figuras de anjos de depurada elegãncia que anunciavam a limpeza que iria seguir-se. Terão sobrevivido silhuetas de sinos e estrelas e pouco mais. As estrelas, com caudas ousadas, são abundantes este ano. Algumas igrejas continuam a expor presépios. Uma junta de freguesia liderada por comunistas, aqui ao lado de onde teclo, também.

Os valores

No dia do El Gordo, os jornais espanhóis contaram nas primeiras páginas: O juiz Castro leva a Infanta a julgamento no caso Noos, por fraude fiscal. Castro não acredita, portanto, que a senhora seja uma tonta que não se apercebe do que se passa em casa. Não se levantaram vozes a carpir os danos de imagem causados a Espanha pela actuação do juiz.

Ainda há pouco mais de um mês, a popularíssima tonadillera Isabel Pantoja iniciou o cumprimento de uma pena de prisão efectiva, condenada por delito que também se mede em milhões de euros.

Outros indiciados notórios, envolvidos em situações de enriquecimento ilícito (Bárcenas, Matos...) continuam sob investigação. Sobre dez membros da muito notória família Pujol pendem os indícios do costume: fraude fiscal, branqueio de capitais e tráfico de influências.

Uma historieta de enganos e burlas, rondando a comédia, a das incríveis aventuras do "Pequeno Nicolás", como enternecidamente lhe chamam os media, está também a animar a tele-realidade aqui ao lado.

Na mensagem de Natal de ontem, o rei afirmou:
 
...quiero añadir ahora que necesitamos una profunda regeneración de nuestra vida colectiva. Y en esa tarea, la lucha contra la corrupción es un objetivo irrenunciable.
Es cierto que los responsables de esas conductas irregulares están respondiendo de ellas; eso es una prueba del funcionamiento de nuestro Estado de Derecho.

Quando a própria irmã vai ser levada a julgamento, o significado destas palavras é, sem ambiguidade, o de um respeito necessário pela moral, mais do que pelas estruturas formais do Estado. Certos "republicanos" da nossa aldeia, recentemente dados à gritaria em defesa de um indiciado das suas hostes, têm muito a aprender com os valores implicitamente enunciados pelo rei Felipe.

domingo, dezembro 14

Um AVE das Arábias

Enquanto a corrupção e as discussões sobre se há ou não recuperação da economia tomam conta das aberturas dos noticiários, lá como cá, os vizinhos ibéricos estão agora a fechar um negócio de muitos milhões e alta tecnologia. Um comboio de alta velocidade, fabricado em Las Matas, Madrid, está a caminho da Arábia Saudita. Irá ligar Meca e Medina a 300 km/h, com equipamento especial para enfrentar tempestades de areia e as enormes amplitudes da temperatura local. Tem todos os ingredientes para se tornar notado como um sucesso da engenharia. Haverá ligações de 10 em 10 minutos, garantidas por 35 composições. Um AVE especial de luxo (porque de corrida são todos) estará destinado à família real.

Tal como se diz na publicidade dos automóveis, nenhum detalhe foi esquecido a pensar na comodidade dos passageiros, desde portas niveladas para facilitar o acesso de quem veste túnica até à previsão de espaço para transporte de garrafas de água sagrada, um extra importante da bagagem. O progresso não pára. Nem que seja para facilitar a vida aos seguidores de uma tradição que parece excluí-lo.

quinta-feira, dezembro 4

Some like it phony

Foi muito notada e comentada a entrevista que há poucos dias uma figura razoavelmente mediática deu à RTP. À pergunta da entrevistadora sobre o tema da conversa que o entrevistado tivera com outra figura muito mediática, a resposta foi

"... livros".

Este bocado da entrevista deixou-me bem disposto. Há pessoas que têm graça, ou convocam a graça, sem saber. Porque  de imediato me subiu à memória uma passagem da minha comédia favorita: Some like it hot. É um filme bem conhecido do grande público. Na cena, o rapaz do contrabaixo (Jerry, feito por Jack Lemmon), por acaso travestido de rapariga, toca um instrumento que mostra uma fiada de buracos obviamente provocados por balas. Sue, a chefe de orquestra, pergunta-lhe com ar desconfiado:

Como é que esses buracos vieram aí parar?

Jerry, olhando para baixo, titubeia:

Ah, isso aí... Não sei...
Ratos?

O colega do sax, Joe (feito por Tony Curtis), também travestido no momento, tenta ajudar acrescentando:

Comprámo-lo em segunda mão.

A entrevista foi menos engraçada que isto, mas valeu a pena a evocação.