domingo, julho 21

A campanha permanente

Talvez salvação fosse um objectivo demasiado alto. Se não a temos é porque não a merecemos. Eu só pedia que me salvassem para já de uma campanha eleitoral.
Infelizmente, seja o que for que o PR nos vá dizer logo à hora dos telejornais, de campanha eleitoral não nos salvamos. Ela já aí está, há meses, e para ficar. A campanha é aquele período institucional que se prolonga muito para antes e para depois do tempo, durante o qual os partidos que não estão no poder juram que querem o nosso bem e nos vão resolver os problemas (incluindo alguns que não pretendemos ver resolvidos). A presente campanha tem mais do pior. Os que estão no governo bem poderão esforçar-se por incluir umas tiradas novas, que a audiência não vai crescer. Catarina do BE, sempre triste e mal disposta, faz-nos sentir saudades de Ana Drago. Seguro, por seu lado, não se acanha com a sua ambição: basta-lhe o mundo. Mas ouvi-lo convoca mais do que a boa vontade habitual para fingir que acreditamos. Terá que fazer um esforço enorme para não ser tomado pelo boneco insuflado pelos matreiros ventríloquos do Rato.

Perguntas

Uma parte da América protesta nas ruas pela sentença que absolveu Zimmerman  (o New York Times faz os leitores de tontos e adocica escrevendo "em memória de Trayvon Martin"). Entretanto, há quem faça perguntas incómodas:

Onde está o protesto contra os assassinatos de negros por negros?

E há quem já tenha feito perguntas que ocorre recordar:

Porque é que o assassinato de Mark Carson, negro e homossexual, só levantou protestos dos chamados grupos LGBT?

sexta-feira, julho 19

Na Câmara dos Lordes, hoje

Debatem hoje os lordes o perdão a Alan Turing, condenado por comportamento indecente ao abrigo das leis de 1952. Na opinião de Matt Ridley, no Times, perdoar é pouco.

quinta-feira, julho 18

Acordo ortográfico: o massacre das palavras ditas


A propósito desta notícia, parece-me oportuno republicar o que já disse do acordo ortográfico:

As luminárias de gabinete que teceram o recente e inútil acordo ortográfico não cuidaram de prever as consequências mais gravosas das regras que inventaram. Descarto já a ocultação de conexões de significado entre vocábulos com raiz comum. Refiro-me ao efeito da grafia na corrupção da pronúncia.

Sob a capa da simplificação, abre-se o caminho à deterioração do português falado. Parece apenas diletante propôr a queda do c e do p quando "não se pronunciam" (dizem eles, esquecendo que estas consoantes exercem um efeito de acentuação significativo e em alguns casos se pronunciam de modo subtil). Os iluminados proponentes esqueceram que não é o mesmo usar uma ou outra grafia em Portugal ou no Brasil. Lá, eles sempre disseram e dirão tèlèfone, enquanto aqui, sobretudo na região de Lisboa, onde se fala o pior português do mundo, dizemos tlfone. A nossa tendência vocalicida fará com que, num futuro breve, ado(p)ção soe como adução, rece(p)ção como recessão... os exemplos são inúmeros. Para além do surgimento de uma bolha de homófonas, assistiremos ao emudecimento do "e" ou do "a" em palavras como infeção ou inação. Far-nos-emos entender cada vez pior.

Quero ressalvar apesar de tudo que o acordo é muito adequado à escrita de sms.

domingo, julho 14

Altima Dance


O pesadelo em versão espanhola


O caso Bárcenas é a versão local, em Espanha, da maldição das arcas da governação. Chamuscando o primeiro ministro até aos cabelos, tem no centro uma personagem de perfídia novelística mas exibe no seu conjunto uma classe e um sistema político que não prestam. A oposição grita, sem crédito: decorre um inquérito ao caso dos ERES na Andaluzia, com 93 arguidos ligados ao PSOE, dos quais 20 são altos quadros. A casa real também tem dado os lindos exemplos que se sabe.

De pouco servirá a Rajoy que uma parte do público assista ao triste desenrolar das notícias pronto a dar-lhe o benefício da dúvida. Mesmo que não venha a ser arguido ou até investigado, a nódoa não sai. Quando a revelações do calibre das deste caso se segue a obstinação em não dar explicações, o mais natural é que ganhe terreno a presunção de culpa. Os SMSs recentemente trocados entre Bárcenas e Rajoy, que o El Mundo hoje publica, não dirão grande coisa, mas carregam um subtexto de palavras não ditas que é mortal para Rajoy. Assim, mesmo que Bárcenas seja um traste, mesmo que tenha urdido um plano para tramar os parceiros contando a verdade com provas falsas, os que dele não se afastaram preventivamente são irremediavelmente contaminados. Os únicos aliados de Rajoy são o tempo, com o qual virá o cansaço do público sobre mais este policial, e a mediocridade dos adversários, enlameados pelos seus próprios delinquentes.

O pesadelo da arca

Embora esteja para já afastado o espectro de uma campanha eleitoral em cima da constante campanha eleitoral em que vivemos, a proposta do Presidente da República veio apenas deixar as coisas como estavam, ou piores. Eleições, antecipadas ou não, na circunstância presente, só resolveriam alguma coisa se os partidos que têm andado metidos na arca da governação não tivessem a lata de se apresentar de novo, com aquelas mesmas caras, que conhecemos de variados ministérios recentes, parlamento e televisão.

sábado, julho 6

Sinfonia nº 2


Arrepio

Com a crise de governo em banho-maria com chama alta, actores políticos mencionam volta e meia a necessidade e a inevitabilidade de eleições. Não estou a utilizar a palavra actores no sentido "culto" de intervenientes com capacidade de agir. Quero dizer actores à antiga. Eles não nos representam, eles representam uma farsa totalmente previsível, onde os personagens são frouxos e as falas maçadoras.

Estas pessoas, que pelo menos bem se conhecem a elas próprias, nunca se deram ao trabalho de melhorar o enquadramento institucional dos actos eleitorais. Sabem que eleições antecipadas são uma tentação, como sabem que elas envolvem custos e prazos inaceitáveis, mas agem como se estivessem completamente distraídos. O que já é habitual, de resto. Por exemplo, um não reparou que não devia ter aumentado a função pública em 2009. Outros não percebem o enredo em que se movem.

Para lá dos defeitos formais do sistema, a perspectiva de eleições neste momento particular é arrepiante por outros motivos. É que será necessário haver campanha eleitoral, nome inadequado para a reposição de uma peça gasta, com as tais personagens pífias e as suas deixas rombas, que nunca deixámos de ouvir ao longo das semanas e dos meses. Pelo que temos visto e ouvido, ninguém terá nada de novo para dizer. A campanha será, nestas condições, uma encenação caríssima, obrigatória, e que teremos que pagar mesmo detestando o espectáculo.