Com as mudanças de governo recentes em Portugal e em Espanha, volta ao palco a encenação cansativa de uma novela baseada na cultura da irresponsabilização, na desfaçatez com que todos mentem e no desvalor das etiquetas que os partidos colam a si próprios.
O enredo é mais ou menos estável: em cena estão dois partidos, cujos nomes têm um significado escorregadio e equívoco e por isso vamos designar simplesmente por A e B. O partido com etiqueta A é substituido por outro com a etiqueta B. Tomada a posse, B descobre um défice ou uns buracões muito maiores do que o previsto e desata a anunciar que tem muita pena mas não pode deixar de fazer umas maldades de que em campanha tinha prometido abster-se. Os figurões de A aproveitam para pôr a boca no trombone para desancar nos B. Com toda a lata e falta de vergonha, os que alegremente contribuiram para arruinar a situação com uma gestão que bondosamente podemos chamar de inepta, criticam os recém-chegados dizendo que assim não se consegue recuperar a economia, que as medidas são necessárias mas não são bem aquelas. O cidadão-espectador não sabe com quem há-de indispor-se mais. Por um lado parece incrível que não se soubesse o resultado das contas e que ele depois surja por milagre em tão pouco tempo. Parece haver iniciativas que deveriam ter precedência e ficam por tomar. Por outro, os derrotados não conseguem explicar porque é que o seu programa, que tiveram oportunidade de aplicar uns largos anos, não permitiu caminhar para a resolução dos problemas mas antes pelo contrário, e ainda por cima na etapa final dos seus governos enveredaram pelas políticas mais próprias dos B.
Esta coreografia lamentável é acompanhada em fundo por um coro que, contraditoriamente, entoa uma melodia da amnésia: estamos numa fossa mas não há culpados de nada, não vá alguma coisa cair-nos em cima. A responsabilidade quer-se colectiva, como recomendam os discursos redondos de algumas das nossas figurinhas públicas.
Em Espanha a tontice chega ao ponto em que o novo governo condecora ministros do anterior. Com a atribuição do colar da ordem de Isabel a Católica a Zapatero (o governante que por conveniência política consolidou a fragmentação do país e hostilizou abertamente a Igreja, enquanto criava essa inutilidade oportunista chamada Aliança de Civilizações) nem se percebe se estamos perante uma gaffe ou uma traquinice humorística. Como refere com graça um comentador no Libertad Digital, um paralelo apropriado seria condecorar o conde Drácula com um crucifixo e uma coroa de alhos.
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2 comentários:
A condecoração não deve ser de natureza religiosa, creio. Seria estranho que um governo atribuísse distinções religiosas, antigamente reservadas ao Papa.
Podemos saber porque é que um governo não deve condecorar membros do governo cessante?
Podemos também saber onde é que Zapatero foi hostil à Igreja Católica? Estamos muito curiosos em saber como é que um governo democrático pode hostilizar um grupo religioso. Pode suceder, outrossim, que a palavra "hostilizar" esteja mal aplicada.
Zapatero é um personagem político curioso: afrontou a Igreja e o Vaticano a nível de iniciativas legislativas de conteúdo social, mas foi muito generoso ao ceder-lhe um quinhão de impostos reforçado. O confronto foi marcadamente político e ideológico, e usado para manter um certo fervor nas fileiras, quando era visível que o mundo real se desmoronava com estrondo.
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