Sem surpresa, as interpretações para os motins que estão a alastrar a muitas cidades francesas variam com o posicionamento ideológico de quem toma a palavra. Já por cá tínhamos ouvido o mesmo, em versão de brincar, quando ocorreu (ou não ocorreu, conforme o ponto de vista) o arrastão.
Poderão, contudo, alinhar-se algumas asserções incontroversas: 1) as políticas sociais e de integração de imigrantes em França são um desastre; 2)a tolerância do terror (os distúrbios em território francês não começaram agora), o fechar os olhos à islamização dos subúrbios a pretexto do respeito por outra cultura (a 10km de Paris pode-se praticar poligamia), e mesmo as críticas à guerra do Iraque e aos EEUU, não se revelaram muito úteis aos dirigentes franceses na sua difícil relação com a comunidade imigrante muçulmana.
Também é claro que o ponto de vista dominante nos media é o da vitimização dos "jovens" sublevados (em França como aqui: A. Esteves Martins, na RTP1, comentava ontem que - cito a ideia - incendiar fábricas ou carros "ainda podia compreender-se", já que são símbolos de uma certa prosperidade). Do medo e dos imensos prejuizos impostos às populações afectadas não se fala por aí além. Também passa como muito natural que se vá conferenciar com o reitor da mesquita de Paris e este acabe por exigir do governo (mas não dos amotinados) "palavras de paz".
As pessoas e grupos que adoptam este culto da vítima e do multiculturalismo permissivo acabam por cair numa incoerência que é sintoma, afinal, de hipocrisia e critério dúplice: os mesmos que se comprazem em discutir "temas fracturantes" na sua sociedade "progressista" não se incomodam com a situação das mulheres em comunidades imigrantes; os mesmos que não deixam escapar sem crítica uma intervenção da Igreja, e que recusam reconhecer o papel do cristianismo no cimento da nossa cultura, encaram com naturalidade manifestações de violência apadrinhadas por um poder religioso reaccionário em extremo. No fundo, desprezam, mesmo que seja inconscientemente, as tais comunidades com outras culturas: o que pensam é que, para selvagens, está bem assim, e se isso servir de ajuda às suas posições políticas de vistas curtas, tanto melhor. É também para eles que Ahmadinejad fala: capitaliza apoio e simpatia para quando for apertado.
Os tumultos de Paris são muito mais perigosos do que outros fenómenos do mesmo género a que tenhamos assistido anteriormente. Estes "jovens", mesmo actuando de forma inorgânica, não estão sós: eles vão ser enquadrados por porta vozes religiosos com o poder de amplificar enormemente o conflito e de obter das autoridades concessões políticas. Aos protestos recentes na Dinamarca somam-se avisos na Alemanha, e ontem, numa festa muçulmana em Melbourne, foi distribuído um panfleto incitando os muçulmanos a rebelarem-se contra os governos ocidentais.
Os apelos de dirigentes religiosos muçulmanos no mundo ocidental não têm uma lógica muito diferente dos que recentemente ouvimos na boca do presidente iraniano. Não são combinados mas apontam essencialmente ao mesmo alvo e têm o poder de se reforçar mutuamente. À gritaria inicial, mais mediática, contra o Grande Satã e Israel, segue-se o grito de guerra à Europa - uma Europa que aparenta ter desistido de si e aparece aos inimigos como um flanco escancarado. Esperemos que, quando estivermos distraídos a discutir o próximo tema fracturante, não descubramos de repente que já não nos é permitido discutir nada.
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1 comentário:
Lino, é só para cumprimentar o teu post. Óptimo.
Uma estranheza: por que recebes comentários despropositados? São publicados por máquinas, ou pessoas (estou a falar a sério)?.
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