A era da informática veio criar um problema adicional a quem sofre uma ruptura amorosa. Além dos objectos, lugares, músicas e mil e uma coisas que com toda a sua inocência se intrometem como um punhal em ferida aberta, despertando recordações tornadas insuportáveis, o amante rejeitado é confrontado brutalmente com um ou dois passwords, que tem de utilizar várias vezes ao dia, construídos com elementos inspirados na pessoa que perdeu. São bocadinhos de nome, são números que evocam datas, que de repente adquirem um poder agressor traumático. É preciso então mudá-los, desembaraçar-se deles, e nalguns casos não é fácil.
Proust analisou com minúcia infinita o sofrimento do amante abandonado em "Albertine disparue". É claro que não podia prever o trauma da password. Como não podia também prever que o próprio acto da traição amorosa poderia adquirir novos contornos de malvadez. Antigamente uma pessoa comprometida encontrava outra, apaixonava-se irremediavelmente e pronto, paciência, não havia nada a fazer senão romper o compromisso existente. Hoje a traição pode ser preparada no conforto de casa ou do escritório, através do email, dos sites de encontros ou de chat. Não se arrisca nada: se não resultar continua-se como está, se der certo logo se vê e o outro que se lixe. A traição não resulta agora do coup de foudre, mas de uma operação paciente, metódica e calculista, que pode demorar meses ou anos até à consumação, e a vítima é a última a saber. À atenção das escolas de escrita criativa e de Gabriel Garcia Márquez.
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1 comentário:
Um mundo virtual onde se (re)criam ilusões.
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