quarta-feira, dezembro 21

Impregnação

O progresso tecnológico e a agressividade da indústria electrónica de entretenimento transformaram a música numa presença permanente, invasora e obsessiva nas nossas vidas. Há música no carro, no escritório, no supermercado, e até no elevador e no átrio de certos edifícios. Eu não digo que isto me desagrada: a possibilidade de ouvir Mozart, Shostakovich ou Cole Porter, em condições de facilidade e qualidade que ainda há alguns anos não existiam, é uma coisa boa. Não podendo deixar de pensar que a música não é - ou foi - feita para estar assim tão presente (não me refiro, claro está, ao lixo musical para consumo de massas que se escuta, por exemplo, em 99% do tempo de antena das rádios e tvs) tenho que considerar fantásticas as possibilidades que a época presente me dá em termos de fruição musical. Eu posso, por exemplo, passar dias a escutar uma Paixão de Bach ou de Penderecki até conhecer e prever todos os sons que vêm a seguir. Diferentemente de épocas em que só conhecíamos as obras em espectáculo público, agora a música pode entrar em nós. Essa absorção profunda aumenta o prazer da escuta.

No entanto, tudo tem os seus limites. Não gosto que me imponham um menu musical específico num período determinado, seja a que pretexto for. Recordo que as comemorações do bicentenário da morte de Mozart em 1991 me causaram um enjoo que determinou um abandono acentuado da audição de obras do compositor. Norman Lebrecht, detractor de Mozart, num artigo provocatório mas não destituído de sentido, adverte que vamos ter mais do mesmo em 2006, a pretexto do 250º aniversário do nascimento.

Nota: Em Portugal, o governo pretende substituir 1/4 do lixo musical que passa na rádio por lixo nacional. No Irão (estamos num outro plano, atenção!) também se pretende eliminar toda a música que não promova valores islâmicos; e até aí isso parece difícil de concretizar. A electrónica vencerá.

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