Daqui a poucos dias vamos votar. Com a classe profissional que melhor conheço - os professores de vários graus de ensino - como matéria de devaneio escrevinhante em roda livre, ocorre-me uma série de afirmações e perguntas. É claro que não tenho fundamentação para as primeiras e há uma grande arbitrariedade na escolha das segundas. Também por isso, onde se fala de professores poder-se-ia falar de outra classe. Vamos lá então:
Nas eleições de Fevereiro, pràí uns 80% de professores votaram em Sócrates.
Passados poucos meses, pràí uns 80% de professores, ou mais, começaram a ficar furiosos com Sócrates e a política do governo. Essa fúria não tem vindo a atenuar-se, pelo contrário. Trata-se de um caso de ingenuidade ou de falta de reflexão?
Por vezes diz-se, e acreditamos, que o povo sabe bem em quem votar, significando que tem perfeita consciência de quem é que defende melhor os seus interesses. Ora, um governo debilitado e escarnecido como era o de Santana Lopes não teria condições para tomar (nem as tímidas) iniciativas de Sócrates e que tanto têm aborrecido tantos. Os professores detestavam Santana mas não previram que ainda viriam a irritar-se mais com Sócrates.
Visto à distância, tudo isto poderia significar que o povéu vota, involuntariamente, na melhor solução para os problemas, mesmo que contra os seus próprios interesses a curto prazo. As medidas duras e necessárias passam melhor quando aplicadas por quem nos é pelo menos vagamente mais simpático. Um bébé que vai levar uma injecção chora menos se estiver ao colo da ama. "A História ensinou-nos que muitas vezes a mentira a serve melhor que a verdade" (Arthur Koestler). Estaríamos perante um mecanismo de salvação inconsciente? Ora, nem por sombras. Eu aposto no erro de avaliação.
Preocupação daqui decorrente: que grau de rigor se poderá atribuir à representação que fazemos das perspectivas de solução para o país, ou dos complexos problemas e ameaças à escala mundial mas que também nos tocam? Se nos equivocamos com a facilidade que agora se viu, que valor atribuir ao modo como encaramos, por exemplo, o problema do terrorismo, o futuro do estado social ou da União Europeia? Num referendo à questão de saber se Bush é burro, pràí 80% responderão sim. Terão razão? E, pior ainda: e se têm razão por motivos muito diferentes dos que os movem a responder que sim? Uma percentagem notável, embora menor, também há-de continuar a encontrar em Cavaco uma faceta desprezível que identificam com "cultura estreita". O homem nem sabia quantos cantos têm os Lusíadas. Quantos destes críticos se terão enfurecido com a substituição da literatura pelos regulamentos do big brother nos programas de Português? Temos opinião sobre a intervenção da NATO na questão balcânica, onde a fractura entre bons e maus não tem os contornos simplistas que parece ter em conflitos mais recentes? Sobre o modo como os aparentemente distantes China ou Irão poderão afectar as nossas próprias escolhas?
??? Que dor de cabeça.
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