sábado, dezembro 31

A traição de Rosa T.

Despertou uma curiosidade natural, ao surgir há dois dias nos jornais, o caso subitamente famoso da acção de divórcio movida em Roma por Antonio C., agora com 99 anos, contra a sua mulher, Rosa T., de 96, com quem casara em 1934 e de quem tem cinco filhos.
O motivo desta crise conjugal leva-nos a 2002 quando, ao remexer o fundo de uma gaveta, Antonio descobre um maço de cartas escritas pela mulher ao amante, cerca de 1940. Rosa confirma a traição ocorrida sessenta anos antes, mas Antonio não perdoa e sai de casa. Regressa algum tempo depois mas a convivência do casal parece irremediavelmente destroçada.

Costumo acreditar que a realidade sempre supera a ficção em riqueza e coerência de detalhes, mas este caso suspende por momentos tal axioma.

A cronaca evoca irresistivelmente a trama de Boquitas Pintadas, obra prima de Manuel Puig que merecia muito mais destaque do que o que tem obtido.  Nené, uma das heroínas do livro, a quem as voltas da vida impedem de viver o seu amor por Juan Carlos, acaba por casar com Donato Massa, um homem rico mas de quem não gosta. O seu amor antigo continua vivo, e ao saber da morte de Juan Carlos entra em contacto epistolar com a mãe do falecido, em quem se apoia para confidenciar como vive frustrada o seu casamento, e pede o reenvio das cartas de Juan Carlos, devolvidas no fim do namoro. As cartas de Nené caem em mãos de Celina, irmã de Juan Carlos, invejosa e má como as cobras, amarga com a vida por motivo do seu insucesso com os homens. Celina nunca suportara que Nené namorasse o irmão: desprezava-a por ser mais pobre, invejava-lhe a beleza e atribuia-lhe, pelos encontros em noites geladas, a culpa da tuberculose que destruiria Juan Carlos. Vinga-se então, enviando a Massa as cartas de Nené e a Nené as cartas de Juan Carlos. Descoberta, Nené sai de casa mas sabemos no último episódio que regressa e que o casal viveu reconciliado até que uma doença grave acaba com Nené aos 52 anos. O último trecho do romance sublinha que Donato perdoou à esposa e termina com o Senhor Massa a queimar as cartas de amor de Juan Carlos e Nené. As cartas de Nené ardem tranquilamente, mas as de Juan Carlos resistem e encrespam-se, deixando ler fragmentos de linhas onde ardem promessas amorosas que nunca puderam ser cumpridas.

A ficção parece ficar a ganhar. A história de Nené surge mais rica que a de Rosa T. e o tempero do perdão confere-lhe um final amargamente redentor. Mas a verdade é que da história de Rosa T. sabemos só as poucas linhas que os jornais contaram.

sexta-feira, dezembro 30

Recaptured time story



O cast the uma produção de West Side Story em 2007 recebe, em ensaio informal, 22 membros do cast original (1957). Em cinquenta anos os corpos perdem elegância e agilidade, as vozes frescura e firmeza. Mas, apesar do contraste, a passagem do tempo não apaga o entusiasmo com que se encarnam estas palavras, esta música e esta coreografia extraordinárias. Estão aqui a Maria e a Anita originais, bem como alguns dos Jets. Quando já se foi Jet, pode-se voltar a sê-lo meio século depois.

(Descoberto em neoneocon)

domingo, dezembro 25

Entre as pedras e a forca: uma questão de jurisprudência

O caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani já deu a volta aos jornais do mundo. A Amnistia Internacional promoveu acções de protesto e houve abaixo-assinados pela anulação da sentença. Sakineh, que se encontra a cumprir uma sentença de 10 anos de prisão e parece que já levou 99 chicotadas, enfrenta duas condenações à morte: uma por lapidação, correspondente ao crime de adultério, e outra por enforcamento, dado estar condenada também por cumplicidade no homicídio do marido.

Sobre o assunto se pronunciou Malek Ajdar Sharifi, responsável provincial de justiça, em conversa com estudantes da universidade do Azerbaijão, explicando que a sentença de lapidação não foi executada na devida altura por ausência de meios, e que se aguarda sem pressa o parecer das altas instâncias sobre se é possível comutar a pena para o enforcamento.

Mohammad Javad Larijani, secretário geral do Conselho Iraniano para os Direitos Humanos, tranquilizou os indignados com a sentença, afirmando mesmo que o apedrejamento é mais um castigo que um método de execução, já que metade dos condenados acabam por sobreviver.

Os domésticos

No dia 1 de janeiro de 2012 muitos espanhóis poderão converter-se em empregadores e centos de milhares de postos de trabalho poderão ser criados. Tudo isto por efeito da entrada em vigor do novo sistema de segurança social dos empregados domésticos (mais de 90% dos quais são mulheres). Entre outras novidades, passa a ser direito destes trabalhadores um contrato escrito, mas fica de fora o direito a subsídio de desemprego. Como indicativo de quantias mínimas a pagar, 20 horas mensais importarão em 19,84€ de contribuição, dos quais 16,51 a cargo do empregador.

Teoricamente é assim. Num primeiro tempo, provavelmente o efeito será a destruição de postos de trabalho. Pelo menos no caso de baixos horários, é natural que o potencial empregador se recuse a ter mais trabalho com a burocracia do processo do que o que teria limpando a casa.

sábado, dezembro 24

O planeta Kim: uma tia no trono

Chora a Coreia do Norte a defunção do amado líder. Num frémito contido como o da locutora que o mundo viu a dar a notícia, em execução competente e rigorosa da discreta exibição da dor; ou em prantos desatados com que os cidadãos anónimos competirão entre si na demonstração de fidelidade à dinastia.

Entretanto, quem reinará? De acordo com os observadores desse estranho mundo, talvez o mais próximo do que o nosso imaginário poderia identificar como pertencendo a outro planeta, o menino Kim Jong-Un, designado pelo pai como sucessor, não tem idade nem experiência para ser aceite de imediato como herdeiro do trono. Pensamos que ronda os 27-28 anos, mas lá dentro a idade do miúdo nunca foi divulgada, por causa das coisas. Se fosse bonito ainda talvez passasse, mas, com aquela cara, ninguém no aparelho correrá a encher muros e paredes de fotos tristes. No entanto, o controlo do poder foi salvaguardado em vida por Kim Jong-Il, que o ano passado promoveu a sua irmã Kim Kyong-Hui a generala de quatro estrelas.

Gosto particularmente dela nesta foto, onde aparecia sentada ao lado do pai num banco de jardim. Agora já tem 65 anos. Mulher voluntariosa, apaixonou-se ou algo assim por Jang Song-Taek nos seus tempos de estudante. Jang era um sucesso entre o pessoal da faculdade porque cantava e dançava bem, mas nunca agradou ao papá Kim Il-Sung. Nada fez recuar Kim Kyong-Hui, que resistiu às pressões do pai e acabou por se casar com Jang em 1972. Apesar de uma desaparição de cena por volta de 2002, parece que por causa de problemas com o álcool,  Hui não perdeu a confiança do irmão, que nos últimos anos se deixou fotografar na sua companhia e do cunhado. Hoje, Jang é o número 2 do comité de defesa nacional.

O casal teve uma filha e depois um filho. A filha exilou-se em Paris, mas a mãe nunca a deixou em paz, querendo-a sempre de volta para exercer funções na corte. A rapariga acabou por se suicidar.

Em 3 de Junho de 2010, a informação norte-coreana revelou que o presidente do partido, Yi Che-kang, falecera num acidente de trânsito. Acidentes de trânsito, num país sem carros, constituem uma maneira eufemística de mencionar execuções capitais. Sabendo-se que Yi era a segunda figura do estado e portanto rival de Jang, não será muito especulativo atribuir à pérfida Hui a montagem do acidente.

De acordo com a Wikipedia, Hui lançou-se agora nos negócios da restauração, possuindo uma hamburgeria em Pyongyang. Sendo de presumir que os palácios da capital regurgitam de conspiradores, suspeito que ainda vai haver notícias de que alguém teve uma indisposição fatal por causa da carne picada. A tia Hui é conhecida por não descansar em serviço e com certeza percebe de molhos.

domingo, dezembro 18

As urdiduras de garín

O folhetim continua a pingar episódios todos os dias nos jornais espanhóis. As aventuras de Urdangarín no Instituto Nóos, em ligação com instituições de governo ou institutos ditos de utilidade pública, começam a ser reveladas com abundância de pormenores. É claro que tudo se reduz a sorver dinheiro do orçamento de estado ou de um governo autónomo para contas privadas sob a aparência de serviço público, mas naturalmente são os detalhes que emprestam à novela a vida com que palpita. É o caso do patrocínio a uma equipa de ciclismo falida no período 2004-2006, implicando a Fundación Illesport através do presidente das Baleares, terminando com a realização de contratos sem concurso público e muitos euros a mudar de mãos. Os investigadores dizem-se surpreendidos pela abundância de pistas deixadas pelos actores da novela, o que simplesmente indicia que sempre se julgaram totalmente impunes.

Pormenores à parte, nada de que não se soubesse, ou pelo menos se suspeitasse fortemente, há anos, quando Urdangarín foi despachado para Washington com um belo emprego na Telefónica. Dizem hoje os jornais que o movimento foi aconselhado por um assessor da real casa. Mas o dano está feito. Podem os títulos situacionistas vir dizer que Urdangarín "enganou o rei", podem as sondagens tranquilizantes vir dizer que o povo não perdeu confiança na monarquia, mas... se em 2006 já "se sabia", o rei não sabia?

terça-feira, dezembro 13

O calvário dos honrados inocentes

Irá Urdangarin, ou duque de Palma, passar o Natal  com a família? Com a real talvez não. Os mestres de cerimónias tratarão de evitar o ambiente espesso que pode surgir quando se recebe em casa alguém suspeito de desviar para paraísos fiscais uns milhões surripiados ao dinheiro público, a coberto da pureza de intenções de uma espécie de ONG. O problema é que as coisas vieram a saber-se por filtrações para os jornais, na sequência do inquérito aberto pela Procuradoria Anti-Corrupção das Baleares.´

Urdangarin declara-se pesaroso pelo seu porta-voz. Reafirma a sua honra e inocência. A Casa Real toma precauções, distancia-se e atreve-se a afirmar que a conduta do genro dos reis não parece exemplar. A Casa sabe muito bem que por enquanto não há culpados formais, mas perante a verosimilhança das sucessivas revelações, e na ausência de uma versão credível que inocente o rapaz, mais vale resguardar-se de danos futuros.

quinta-feira, dezembro 8

A Dívida explicada às crianças

Com matemática e tudo, está aqui.

Conselhos ao instrutor:

...have students write down their ideas down about why countries like Greece, Italy, Ireland and Portugal are considered “more worrisome,” ..., and why they owe so much money to other countries.

Termina com um exercício:

Explain that a conventional solution to a debt crisis is to loan money to a country loaded with debt so that its creditors can be paid. Make a list of the potential benefits and hazards of such action, addressing questions like “Where does the money come from?”, “What are the potential consequences for the lenders?” and ”What are the potential consequences for the borrowers?”


Atenção: esta actividade envolve conceitos que um adulto pode ter dificuldade em compreender.

domingo, dezembro 4

Denúncias da impureza

Nos Estados Unidos a vida não é fácil para um negro que aspire a altas funções sem ser em representação do Partido Democrático. É o que mostra a desistência de Herman Cain, após denúncias de aventuras extra-conjugais. Denúncias frágeis, mas com a suficiente verosimilhança para que uma imprensa, predominantemente favorável ao campo concorrente, executasse com êxito a sua função de desgaste.

Os Republicanos não saem bem do filme: com uma sucessão de candidatos fracos e já abatidos, sem possibilidade nem capacidade de resposta aos ataques que em campanha são inevitáveis e devem ser estudados, fica a nú a fraqueza e a mediocridade do partido.

Também não é animador, independentemente das posições políticas, o peso do conservadorismo americano onde o campo democrático se inclui sem pejo, cadinho onde medram as reacções hostis aos deslizes de alcova. Os cargos de topo arriscam-se a ficar reservados aos irrepreensivelmente castos, sintoma preocupante para a América e para o mundo. Como é que um cidadão, que nem venceu com êxito a provação das angústias e do stress que umas infidelidadezitas proporcionam, vai reagir à pressão infinitamente maior de comandar a nação por enquanto mais poderosa do planeta?

A denúncia alcoviteira é uma tentação enorme a que a Europa também não escapa. Hoje, no Journal du Dimanche, o próprio Ministro do Interior vem dar uma marretada na cabeça de um DSK já politicamente
moribundo, confirmando um facto de que se sabia à boca pequena e que não deu origem a qualquer acusação: que o antigo chefe do FMI teria sido apanhado há cinco anos num controlo policial no Bois de Boulogne. O enquadramento e os factos são diferentes, mas é extraordinário que o próprio responsável pelo Interior confirme quase gratuitamente (bastou perguntar) um facto da vida privada de um cidadão. Para responder à teoria absurda do complot Manhattaniano, não havia necessidade de ir tão longe.

domingo, novembro 27

Vária

No EL PAÍS:

Viagem ao coração das trevas, reportagem de Mário Vargas Llosa sobre o Congo e os seus horrores narráveis,

ainda Vargas Llosa, a propósito da feira do livro de Guadalajara, diz recear que a internet frivolize a literatura e que a cultura contemporânea se banalizou.

Um editorial impiedoso para com o PSOE classifica a reflexão do partido após o 20 de Novembro como fantasia auto-justificativa: ninguém governou mal, apenas se culpa a crise internacional, ninguém é responsável.

quinta-feira, novembro 24

As massas e a razão

Bajo las especies de sindicalismo y fascismo aparece por primera vez en Europa un tipo de hombre que
He aquí lo nuevo: el derecho a no tener razón, la razón de la sinrazón. Yo veo en ello la manifestación más palpable del nuevo modo de ser las masas, por haberse resuelto a dirigir la sociedad sin capacidad para ello. En su conducta política se revela la estructura del alma nueva de la manera más cruda y contundente; pero la clave está en el hermetismo intelectual. El hombre medio se encuentra con «ideas» dentro de sí, pero carece de la función de idear. Ni sospecha siquiera cuál es el elemento utilísimo en que las ideas viven. Quiere opinar. De aquí que sus «ideas» no sean efectivamente sino apetitos con palabras, como las romanzas musicales.

Ortega y Gasset, 1930
no quiere dar razones ni quiere tener razón, sino que, sencillamente, se muestra resuelto a imponer sus opiniones.

terça-feira, novembro 22

Este curioso mundo

Juan José Cortés é o pai da pequena Mari Luz, assassinada em 2008. Depois de uma aproximação ao PP, de quem chegou a ser consultor para a reforma do processo criminal, o partido deixou-o cair, provavelmente devido ao seu envolvimento num tiroteio entre familiares. Agora, Cortés está em vias de criar uma nova entidade religiosa, e o processo formal está muito adiantado. A nova congregação chama-se Iglesia Evangélica Ministerio Juan José Cortés e já tem 40 fiéis. Está tudo contado no El Mundo de ontem. Cortés termina assim a sua colaboração na Igreja Evangélica de Filadelfia, à qual pertencia há 17 anos. Na nova igreja espera ter mais margem de manobra para a criação de um novo espírito social, ao serviço dos cidadãos.

sábado, novembro 12

Um abusador "serial": caso para estudo

Um bocado longe de nós, caiu esta semana um treinador de sucesso. Joe Paterno, que conduziu a equipa de Penn State a muitas vitórias, foi despedido, arrastando consigo o presidente Graham Spanier. Motivo: a prisão, no sábado passado, de Jerry Sandusky, assistente de Paterno, acusado de numerosos actos de pedofilia.

Sandusky criou em 1977 uma instituição que recolhia e auxiliava rapazes pobres e com famílias disfuncionais. Alguns deles acabaram por ser suas (alegadas) vítimas.

Não há acusações sobre Paterno e Spanier, embora haja lugar a interrogações sobre o que o treinador sabia ou ocultava.

Quando o competente CEO anunciou os despedimentos, diz o The New Republic que a primeira pergunta dos jornalistas foi: quem é que irá treinar a equipa de futebol? E para os estudantes de Penn State a notícia foi devastadora: uma pequena multidão saiu à rua com vuvuzelas e vandalizou o que pode, em apoio de Paterno.

O júri do 32º estado elaborou um relatório de acusação disponível online. Índice: Introdução, Factos, Vítima 1, Vítima 2, Vítima 3, Vítima 4, Vítima 5, Vítima 6, Vítima 7, Vítima 8.

domingo, novembro 6

Oniriocracia

Não há dúvida de que a Itália está metida num sarilho, nem de que tem tido um mau governo. A situação faz perder a paciência a outros governantes europeus e naturalmente exaspera uma grande parte dos italianos. É assim que podemos compreender o desabafo de Massimo Gramellini no seu Buongiorno de 3 de Novembro. Em resumo, o vice-director do La Stampa diz que é tempo de acabar com os palhaços no governo e pôr ao leme os competentes. Mas quando pensa num exemplo de "competente" reconhece imediatamente que ele não poderia ser eleito. E a razão é simples: o homem comum é ignorante, deixa-se seduzir pela promessa fácil, ou simplesmente não está para se ralar.

E vai até às últimas consequências: assumindo que votar é um acto que requer tanta perícia como pilotar um avião, propõe a criação de um brevet do eleitor.  No mundo arrumadinho e platónico que o delírio de Gramellini lhe oferece em sonhos despertos, só vota quem foi previamente aprovado num curso de cidadania.

Massimo está, evidentemente, a fazer uma provocação para a qual existe agora eco e receptividade. Mas para além da embrulhada que seria definir o programa de formação do eleitor e as comissões de avaliação, há um problema a montante que a croniqueta dissimula. É que a divisão entre burros e iluminados é demasiado simplista para que se possa aplicar à discussão. A criação da casta dos eleitores não resolve nada se não se souber o que fazer com os inteligentes corruptos.

quarta-feira, novembro 2

Do Cacém a Paris

A Escola Secundária Gama Barros, no Cacém, festeja os seus 40 anos com "emoção e nostalgia". O Director fala com "orgulho" de um "espírito Gama Barros". Isto é o que conta o Jornal da Região de 1 de Novembro na página 5. Entretanto, de Paris vê-se o Cacém com outros olhos. Diz o Libération, em reportagem que sai amanhã, que há fome na Gama Barros. Que alunos chegaram a desmair por falta de alimento. Mas os pavilhões estão bem alinhados, sim.

segunda-feira, outubro 31

Os casos da vida real: um problema de sentido

Independentemente da justiça formal, as pessoas comuns elaboram, sobre os casos de notícia, os seus juízos de acordo com as intuições próprias, com o "senso comum" (tantas vezes invocado nas actas dos julgamentos como suporte à convicção do tribunal). O caso Duarte Lima, embora com a peculiaridade de envolver um crime de sangue, portanto de natureza especialmente grave, tem uma característica comum com casos recentes que envolveram figuras políticas nacionais de destaque em actos que somos levados a entender como de corrupção, alguns dos quais com investigação incompleta ou interrompida. Essa característica tem uma natureza muito simples e milita contra os susceptíveis de suspeita. Trata-se do facto de a peça acusatória  - ou, nos casos referidos, os elementos que foram dados a conhecer publicamente - encerrarem uma coerência e um sentido que são difíceis de rebater. (Ainda mais no caso DL, por ter sido objecto de investigação aprofundada.) Daí a ineficácia, perante a opinião pública, das vagas desculpas até agora dadas em todos os casos. Seria preciso encomendar ao melhor argumentista de policiais um enredo credível para substituir a versão que corre. Tarefa gigantesca, porque o real não se deixa bater facilmente pela ficção. Quanto aos juízos prévios sobre o carácter pessoal, a vida mostra que pouco valem. Assassinos cruéis são frequentemente descritos, com imensa surpresa, por vizinhos e conhecidos, como "boas pessoas".

domingo, outubro 30

Problema de aritmética

Este problema passa-se em França. Suponhamos que vamos contratar 60 000 professores ao longo de 5 anos, à razão de 12 000 por ano. Sabendo-se que o salário bruto com encargos ronda os 40 000 euros anuais, quanto se gasta no 1º ano? Em números redondos à volta de 500 milhões. Qual é o custo da medida ao fim dos cinco anos?

O problema é neste momento tema de um debate inflamado. Isto porque Hollande, o candidato do PS à presidência, e autor da ideia, afirmou que o custo iria ficar pelos 2,5 mil milhões. Chatel, ministro da educação, chamou a atenção para um "pequeno" erro de cálculo e observou que o custo afinal andará pelos 7,5 mil milhões. De resto, já alguém dentro do PS se tinha apercebido de que alguma coisa não batia certo: Michel Sapin tinha-se apressado, a seguir ao anúncio de Hollande, a precisar que os 60 000 postos não eram bem assim, e seriam parcialmente conseguidos com supressão de outros dentro da função pública. O que também não deve ter animado muito.

O lado mais divertido desta discussão é que a fé ideológica inibe o bom senso e desencanta os mais inesperados argumentos para contrariar as leis da aritmética.

sábado, outubro 29

Beyond infinity

Instalação de Serge Salat. Mais vistas aqui.

Lisboa fora de horas

A notícia caiu como uma bomba para o Presidente da CML. Todos os jornais dizem mais ou menos isto: o Presidente considera que encerrar o metro à noite é um disparate. De acordo com todos os relatos há dois motivos principais para a irritação do auto-arca. Primeiro, soube da coisa pelos jornais. Segundo, é impensável prejudicar a movida esfuziante do Bairro Alto, Alcântara e Santos ao fim de semana. Não sabemos se o senhor também está preocupado com quem tem um trabalho nocturno e precisa de ir dormir a casa durante os dias laborais. Certo que a movida e o transporte de jovens já era preocupação sua em 2007. Os grandes problemas merecem, naturalmente, a atenção dos nossos dirigentes. Mas atendendo a que muitos locais do gozo nocturno só animam lá para as duas da manhã e se mantêm em actividade tórrida até ao despontar do sol, um pouco de reflexão mostrará que não há problema. É preciso é evitar que o governo mande fechar o metro de manhã aos sábados e domingos. É para aí que é necessário apontar as baterias.

terça-feira, outubro 25

A insustentável leveza de certo pensamento

Discutiu-se muito nos últimos dias sobre se Kadhafi teria sido executado. Em alguns círculos ansiava-se pelo resultado da autópsia. Entretanto, as fotos e videos já circulavam na net. O El Mundo descrevia há dois dias  pormenores de calafrio, que incluiram sodomização com estacas. As versões mais depuradas falam de uns puxões de cabelo e tiros. Mau fim para o homem que há quatro anos montava a sua tenda nos ocidentais parques, onde era recebido com grandes mostras de hospitalidade.

Depois tivemos a peregrinação ao frigorífico onde o cadáver foi colocado, mostrada nas televisões, e finalmente o anúncio de uma espécie de Primavera dos Islamistas feito pelo homem forte do Conselho Nacional de Transição.

Como é que aqueles que designamos como intelectuais vêem tudo isto? Bernard Henry Lévy, cujas últimas intervenções de relevo na esfera pública foram o apoio a Sarkozy para intervir militarmente na Líbia e a defesa de DSK classificando o episódio de Manhattan como armadilha montada por uma femme de chambre, comoveu-se ontem por escrito com o que lhe parecia até agora uma insurreição quase exemplar. O choque começa com a revelação da careca do defunto tirano, que "nos habituáramos" a ver em turbante, e mesmo tentando rememorar as "nossas" selvajarias paralelas (1979, Mussolini pendurado pelos pés, Ceausescu...) Henry Lévy não descansa. Diz ele que este pode ser o ponto de viragem em que as coisas começam a resvalar para o lado oposto. Romântico como se confessa, termina dizendo-se convencido de que tudo vai acabar bem.

Há surpresas nisto tudo? Só as do próprio BHL. Quando o turbante nos não permite suspeitar de uma careca, tamém é natural que se confunda uma operação de guerra que envolve os aviõezinhos da NATO com uma insurreição pela democracia onde tudo está a correr bem.

sábado, outubro 22

A modéstia do tamanho normal

Para contrariar a mania dos franceses de viverem acima dos próprios meios, a Academia Nacional de Cirurgia adverte da inutilidade e dos perigos que podem estar envolvidos numa operação de alongamento do pénis. Ao mesmo tempo, para sossegar os homens do hexágono, acaba de publicar, há 3 dias, a tabela de dimensões normais do dito órgão. As medidas deixam muitos leitores na dúvida quando confrontam o seu caso com a norma, e são pretexto para alguns mostrarem que sabem distinguir entre diâmetro e perímetro da circunferência. Há toques de bom humor nos comentários.

terça-feira, outubro 18

Meio centenário


Em 18 de Outubro de 1961, WEST SIDE STORY estreou no Rivoli Theatre da U. A. em New York. A sala dispunha de condições técnicas e uma acústica excepcionais.

domingo, outubro 16

sábado, outubro 15

Efeitos colaterais da recessão

Diz aqui que que, de acordo com um estudo publicado no Journal of Experimental Social Psychology, os homens tendem a ser mais infieis sob a recessão. Há até uma moldura teórica em pano de fundo: a perspectiva de uma vida encurtada ou de menor sucesso desencadeia os mecanismos biológicos de sobrevivência por via da reprodução. Os cientistas chegaram a estas conclusões observando, entre outras engraçadas coisas, que homens induzidos a pensar na morte reagem com maior excitação a material pornográfico.

A recessão tem as costas largas. Permite ainda que se façam e publiquem coisas destas.

quinta-feira, outubro 13

Pouca sorte

Depois dos casos da Islândia e da Ucrânia, parece que vamos ter agora o da Hungria. Há ex-primeiros ministros com pouca sorte em o terem sido em determinados paises.

O ex-primeiro húngaro Ferenc Gyurcsány teve a sua imunidade parlamentar suspensa a noite passada. Vai assim ter de se apresentar à justiça sob acusações de corrupção. O "caso do casino" (assim é conhecido), em que há fortes indícios de uma troca de propriedades em condições gravosas para o estado húngaro, já tinha posto em cheque Gyurcsány durante o governo anterior, ainda socialista. A operação fora realizada com ultrapassagem do procedimento legal, e autorizada pelo ex-primeiro por ser "um projecto de importância nacional". Mas o actual primeiro ministro Orbán vai querer ir mais longe, responsabilizando Gyurcsány pelo alto nível de endividamento do país.

Na verdade está em marcha uma acusação mais vasta contra os três ex-primeiros socialistas, e a investigação preliminar, concluida no início de Agosto, aponta para "crime político contra a Hungria", onde a dívida disparou de 53 para 80% entre 2002 e 2010.

A oposição vai dar luta e, para já, diz que Orbán procura uma manobra de diversão porque não tem projecto para o país.

Sem surpresa, o primeiro ministro Orbán tem má imprensa. Os media main-stream olham-no como alguém que coabita mal com a democracia. Estou certo que há-de ser possível encontrar as preocupações da mesma imprensa quando os anteriores ministros socialistas gastavam à doida ou executavam operações de legalidade dúbia. Fica aqui a ideia para tema de uma tese de mestrado nalguma escola de jornalismo.

sábado, outubro 8

Post para maiores de 50

O US Preventive Task Force desaconselha as análises ao PSA. Porque não salva vidas e porque pode levar a intervenções clínicas que causam sofrimento e arruinam a qualidade de vida. Porque fica caro também, sabe-se lá.

Alguns urologistas não pensam o mesmo, mas há quem diga que eles só pensam em lucrativas cirurgias.

Os testemunhos de doentes não deixam ninguém tranquilo. Entretanto, podemos dizer, brincando para matizar expectativas cruentas, e de acordo com as nossas preferências, que os "paineis da morte" já aí estão; ou que finalmente alguém faz frente ao lobby da medicina que só só pensa em retalhar para enriquecer. 

domingo, outubro 2

Entretanto, no mesmo lugar...




Nas histórias de banda desenhada que lia há muitos anos atrás, a acção sofria frequentes deslocações espaciais que mantinham a tensão e enriqueciam a perspectiva. Podiam ser introduzidas pela legenda "Entretanto, noutro lugar..."

Nos media conformistas que temos, quase tudo é visto sempre do mesmo ângulo, com guião estereotipado.
Por exemplo, jornais e tvs vêm-nos distraindo com a doença de Chávez, enquanto algo mais se move na Venezuela.

Acusado de corrupção em 2005 pela justiça do país, Leopoldo López viu-se impedido de concorrer a eleições em 2008. O popular autarca de Chacao não desistiu de lutar e, não tendo sido condenado por qualquer crime, levou o seu caso ao Tribunal Inter-Americano dos Direitos Humanos. O TIADH decidiu a favor de López no passado dia 16 de Setembro: a proibição de se candidatar a cargos públicos deve ser levantada. Apesar de a decisão não ter sido ainda aceite pelos tribunais venezuelanos, López já se movimenta com apoio popular visível. O veredicto do TIADH e a determinação de Leopoldo López tornarão a vida mais difícil ao actual presidente. Para já, declara (entrevista de hoje no ABC) que pensa candidatar-se à presidência, abolir as leis inconstitucionais e reparar as confiscações do estado.

O comício de López em Chacaito, há uns dias atrás, é documentado aqui, com fotos e video, pelo Daniel.

sábado, outubro 1

A preciosa luz

Tratemos de apagar as luzes sempre que mudamos de sala, desligar todos os vorazes stand-by que infestam os apartamentos, encurtar os duches e banir os assados no forno. A partir de hoje pagamos mais pela energia. Vamos sentir até ao âmago da etimologia que a luz é um bem precioso. Se vivêssemos no país aqui ao lado, poderíamos dispôr de um descontozito no recibo durante o trimestre que falta até ao fim de 2011. Está bem que isso fará disparar o défice tarifário em Espanha em 2012, e que as empresas do sector se queixam da política energética do governo, mas o que  interessa é que em Novembro há eleições por lá.

A energia é, de resto, uma fonte inesgotável de inspiração para os criadores de impostos. Para defender o planeta, os nossos pulmões (atenção, cidadãos movidos a gasóleo) ou o que quer que seja.

(Foto extraída de news.cnet)

quarta-feira, setembro 28

Um sinal no ângulo superior direito

Num artigo do New York Times que descreve em tom crítico o "tour" de Obama no Colorado, em promoção da nova política de emprego, o protagonista da foto é o teleponto.

terça-feira, setembro 27

domingo, setembro 25

As ricas casas verdes

Abriu ontem em Washington o Solar Decathlon. Já se realizou em Madrid e lá voltará em 2012. Participam no concurso equipas universitárias que recebem um subsídio de 100 000 dólares, e o objectivo é construir modelos de casas energeticamente tão eficientes que lhes chamam casas de energia zero. Pessoas de má vontade que não deixam passar nada escarnecem de os trabalhos requererem geradores Diesel. E zombam da limitação de custos: este ano só são admitidos projectos de valor abaixo dos 250 000. É que nos anos anteriores o prémio foi arrebatado pela equipa de Darmstadt, com um projectos da ordem dos 800 000.

Na foto, o projecto do Southern California Institute of Architecture and California Institute of Technology
 http://news.cnet.com/2300-11128_3-10009524-5.html?tag=mncol;txt#ixzz1Yx80gD1k

sábado, setembro 17

Culpa e ocultação

Culpado e Cansado de o Ser confessa-se à Dear Prudence: dois meses antes de casar, engatou uma prostituta com quem se envolveu em sexo oral. Decidiu nunca falar desse episódio à mulher, que ama e com quem é feliz. Contudo, o sentimento de culpa persegue-o ao longo dos anos, e tem fortes dúvidas sobre a correcção do seu procedimento. Contar tudo seria a atitude correcta? Dotada de enorme bom senso, Prudence não tem dúvidas: começa o seu aconselhamento dizendo que melhor teria sido manter a boca fechada (e, já agora, as calças abotoadas). E, já que nem sequer uma infecçãozita apanhou, o Culpado que goze o casamento e deixe de se torturar.

Palavras tardias

Mário Soares disse esta semana o que com devia ter dito em 2008 e 2009. Naquela altura, tudo se preparava diante dos nossos olhos para nos trazer ao lugar onde estamos.

quarta-feira, setembro 14

Os professores isto e aquilo

Foi dado ontem a conhecer um documento da OCDE sobre o estado do ensino. No país aqui ao lado, o ABC destaca em título que os professores [do básico e secundário] têm mais férias e privilégios que outros profissionais. O El País prefere sublinhar que eles trabalham mais horas que noutros países mas que mesmo assim os resultados não são famosos. Vá lá, entendam-se. Pode ser que tudo seja verdade.

Entretanto, o Ministério da Educação espanhol prepara um decreto que permitirá a aposentação dos professores universitários aos 75 anos. Embora estejam previstas condições restritivas razoáveis para este prolongamento do tempo de trabalho, os sindicatos, sem surpresa, opõem-se desde já. Estão preocupados com o aumento de despesa pública, porque aos professores mais antigos correspondem os salários mais altos.

segunda-feira, setembro 12

A conta da luz

O inseguro Jovem surgiu ontem muito preocupado com o custo da energia eléctrica e até tem uma vaga proposta. Saberá ele a história do tarifário das renováveis e terá conhecimento do que se passa fora de Tugal?

domingo, setembro 11

Felizes os que crêem

O congresso do PS não se resumiu a umas banalidades e repetição de intenções comuns. Nem àquela piada de AJ Seguro quando disse que não gostava de um partido onde todos pensam pela cabeça do chefe. Foi Francisco Assis que fez (ontem) a revelação mais substancial: “Sou socialista por um imperativo que está antes da razão”.

Que sorte que tive

Vivo numa freguesia com 21000 pessoas vivas e 4 km quadrados. O luxuoso e colorido boletim da junta dá-me contas todos os meses dos motivos que tenho para me sentir feliz sendo freguês aqui e das razões que impedem a felicidade completa, as quais sempre remetem para a falta de boa vontade ou a maldade da Câmara.

Mas vai-se ver e a Câmara ajuda muito à festa com o "orçamento participativo".  Há uns dois anos atrás, aprovaram a construção de umas pistas para ciclistas onde não me recordo de ver bicicletas. O orçamento participativo é uma maneira de torrar uns milhões utilizando tudo o que parece ideia simpática, mesmo que inútil. A aprovação pouco significa: a participação em número de votantes costuma ser muito reduzida.

Este ano as propostas a concurso incluem um "espaço cultural" (o que eu gosto destes nomes) e uma "casa da juventude". A freguesia já conta com um espaço de ginásio, bar e música, vários ateliers dos serviços "socio-educativos", um Centro Cultural, uma associação desportiva, uma biblioteca municipal, um "espaço" para exposições e outro para teatro. Anuncia regularmente espectáculos ou outras iniciativas nos mais desvairados destes sítios. Algumas são interessantes, outras nem tanto. Mas as propostas agora em jogo parecem gratuitas e supérfluas. Já nadamos em cultura e em espaços para jovens, embora os polos de atracção estejam nos grandes centros comerciais, nos sítios dos mega-festivais ou na movida a sul do Bairro Alto. Mesmo assim, aprecio a abundância fácil. Freguês sortudo, eu.

Os dinheiro dos ricos

Manhattan, vista de cima


Veio à memória que Manhattan já tinha sido assim filmada por Robert Wise em 1961. No minuto 5:00 deste video. (Infelizmente o formato não é o original.)

O que não aprendemos

Abre hoje o Memorial 9/11.



Nestes dez anos, o que não aprendemos? Que a pobreza e a "exclusão", nome que inventámos por complexo de culpa, não são causas de crime só por si. Que ignorância, fanatismo e uma certa imagem de algum Deus em que grupos pequenos, ou não tão pequenos, acreditam, são ameaças bem reais e comprovadas num tempo em que as julgávamos enterradas. Que temos que nos habituar a viver com o Deus deles, mesmo que uns tontos tenham andado por aí a descredibilizar desnecessariamente o nosso em faixas de autocarros.

quinta-feira, setembro 8

Onde estavas no 11 de Setembro?


Tinha o casamento marcado para a semana seguinte, e exactamente quando ia encontrar-me com o padre ouvi a notícia do que estava a passar-se. Desisti da entrevista e fui para casa ver a tv. Foi difícil enfrentar os protestos da minha noiva, do género já não gostas de mim e não me dás importância. Mas ultrapassámos esse mau bocado, casámo-nos, temos dois filhos e vivemos felizes.

Dito por um ouvinte da Rádio Nacional de España, cerca das 11:20.

Foto: The Black Day

terça-feira, setembro 6

Remote toppling

O último número publicado da revista Remote Sensing, Remote Sens. 2011, 3(9) abre com um editorial em que Wolfgang Wagner apresenta e explica as razões da sua demissão, desencadeada pela publicação de um artigo de Spencer e Braswell.

Em jogo está o processo de peer review com óleo sobre o fogo, que neste caso é o do "aquecimento global", como se pode ver na intensa discussão travada no blog de uns dos autores.

domingo, setembro 4

DSK, Chirac e flashback

DSK aterrou em Paris há poucas horas. Chirac, acusado de corrupção, vai ser dispensado de assistir ao seu próprio julgamento, por razões de saúde. O que tem uma coisa a ver com a outra? Ora, nada. Mas as duas personagens estão ligadas por uma outra historinha de corrupção com mais de dez anos, que mete umas cassetes de video, contada pelo New York Times aqui, ou pela BBC aqui.

sábado, setembro 3

Saberes estivais

Algumas figuras públicas simpáticas pronunciaram-se ontem sobre a desgraça que continua a atingir o país. Têm em comum o facto de não se terem querido ver nem se terem incomodado com as causas que aqui nos trouxeram; de acharem coisa de somenos que precisássemos (estado, bancos, empresas) de uns 100 mil milhões emprestados em 2011, como já desde o ano passado se sabia; e de entenderem que nesse conforto endividado deveríamos permanecer até ao fim das décadas que nos cabem.

Jerónimo diz agora que o país sangra. António José afirma, não muito seguro, que isto é inaceitável. Mário Soares ensina, numa aula (digamos assim) que há muita coisa para lá da dívida. O estudantariado nem percebe que lhe estão a vender um déjà-vu, uma referência à infeliz e gratuita frase de um outro ex-presidente, proferida no tempo em que não queriam ver. No fim a turma entoa, entusiasmada, que o professor é fixe. Nada disto surpreende muito. Muitos estudantes já entram nas universidades com preparação deficiente. Imagine-se o estado dos que entram numa Universidade de Verão.

As armas em boas mãos?

Não, prometo que nunca irei ter saudades de Gaddafi, mas não é o meu julgamento que interessa. A região militar de Tripoli está agora sob o comando de um jihadista, ex-chefe do Libyan Islamist Fighting Group, filiado na Al-Qaeda e colocado pelos Estados Unidos na lista das organizações terroristas. Saberão a NATO e os EEUU o que andam a fazer? Perguntas que já se colocaram a respeito do Iraque, no que toca a intervenções militares. E que poderíamos estender ao apoio implícito (ou ao que a isso equivale, pela ausência de atitude) ao regime do Irão e, mais recentemente, à Síria.

É tempo de sair da EU

Não, não é para nós. É o tema do debate promovido pelo Spectator na Royal Geographical Society, em Londres, no próximo dia 20 de Setembro. Está anunciada para já a presença de três partidários do "divórcio amigável" e dois defensores das vantagens de permanecer na união.

terça-feira, agosto 30

al-Megrahi

Já que nos posts anteriores, sobre a situação na Líbia, a personagem tem sido várias vezes citada, é oportuno referir esta notícia de há dois dias, segundo a qual al-Megrahi se encontra em coma.

Actualização. Como previ, já há quatro versões para a vida ou a morte de Hana.

segunda-feira, agosto 29

Saif

Com o seu discurso inflamado e caótico de 20 de Fevereiro na TV líbia, Saif, o segundo filho de Gaddafi, desiludiu muitos dos que lhe tinham sido próximos. Personagem de relevo na família que se julgava dona da Líbia e que como tal agia, o jovem trintão Saif era apontado como sucessor do pai no comando do poder. Nele se depositavam piedosas esperanças de liberalização do regime e instauração de uma democracia. Mas em 20 de Fevereiro Saif declarou-se ao lado de Muammar e prometeu apenas luta e sangue.

Al-Hawni, um intelectual seu amigo e confidente durante onze anos, chegou a escrever o discurso que Saif à última hora rejeitou. Os laços familiares e de clã foram mais fortes do que o apego aos valores da democracia, aprendidos na Europa mas certamente colados com cuspo. Aprendizagem mesmo assim suficiente para concluir um PhD na LSE em 2008, com a tese "The role of the civil society in the democratization of global governance institutions".

Al-Hawni descreve Saif como "generoso" mas "privado de bom senso político". Ilustra a apreciação com as declarações de Saif quando viajou com Al-Megrahi para a Líbia em 2009, anunciando aos quatro ventos que tudo estivera combinado com altos responsáveis britânicos e que a libertação do terrorista tinha por trás um negócio de petróleo. Enfim, uma boa pessoa que ninguém gostaria de ter como confidente.

Quem não fica bem na foto é a LSE. O caso levou à demissão do Professor David Held, que só por meias palavras dá a entender que orientou a dissertação de Saif. Uma série de incomodidades, sabendo-se que Gaddafi doou 2,5 milhões de dólares à LSE em 2009 através da Qaddafi International Charity and Development Foundation, de que Saif é presidente.

Foi através dos imensos fundos que controla que Saif contratou mercenários no norte de África para combaterem ao lado das forças leais ao regime em extinção. A investigação do caso por um procurador do TPI está bastante avançada. Dizia Saif, nos tempos de boa vida na Europa, que ambicionava para o seu país todas as liberdades possíveis, como as que por exemplo se gozam na Holanda. Quem sabe se o destino lhe reserva uma viagem a Haia, mas não em liberdade.

A história toda vem contada por Philippe Sands na Vanity Fair.

That's Mathematics!

sábado, agosto 27

Hana

Com a guerra a Gaddafi nas primeiras páginas, o nome de Hana volta à cena pública. Da primeira vez envolto em tragédia, agora sob a forma de episódio folhetinesco ou reviravolta não confirmada.

É antigo o ódio entre Gaddafi e os Estados Unidos. O apoio do ditador a acções terroristas determinou um bombardeamento sobre a Líbia em 15 de Abril de 1986, por ordem do presidente Ronald Reagan. A operação foi cirúrgica e complexa, levada a cabo de noite, com a participação de dois porta aviões e perto de uma centena de aviões, atingindo quatro alvos em simultâneo. Alguns dos aviões partiram de bases britânicas da RAF e tiveram de contornar a linha de costa europeia, porque a França recusou autorização para uso do seu espaço aéreo e nisso foi seguida por Espanha e Portugal.

Em resultado dos ataques aéreos teria falecido Hana, filha adoptiva de Gaddafi, então com 15 meses. Ontem, uma notícia do Irish Times sustentava que afinal Hana está viva, mencionando documentação agora descoberta.  Parece que tem uma licenciatura em medicina e exercia a profissão em Tripoli. Se é verdade, ainda bem para ela. O Corriere della Sera dá outros pormenores. Quanto à encenação, se de facto disso se tratou, enquadra-se bem no enredo envolvente. Pode até ser uma de várias versões que ainda nos serão servidas, deixando a verdade à escolha do espectador.

terça-feira, agosto 23

Sopra um vento novo em Tripoli?

Grita-se vitória às portas de Tripoli: “Allah Akhbar!”. Os rebeldes podem ter razão. É impossível provar que não foi Allah quem guiou por vias tortas os navios e os aviões da NATO.

Ao olhar para a semelhança das multidões agora em júbilo com as que ainda há pouco vitoriavam o ditador, Robert Fisk recorda com amarga ironia o "Ils sont les mêmes" de De Gaulle. E sugere algumas coisas curiosas que podem estar para acontecer: o acesso aos dossiers do petróleo e das relações com governantes ocidentais, e mesmo o destino a dar a Abdulbaset al-Megrahi, o supostamente-com-os-pés-prá-cova condenado pelo atentado de Lockerbie, libertado da Escócia há precisamente dois anos com uma esperança de vida de três meses. Ainda se discute no Reino Unido esta libertação, havendo vozes a favor do regresso à prisão  e também os que advogam que a culpabilidade foi fabricada por uma conspiração. Quando a ficção se ocupar disto, vai ter que trabalhar bem para superar os enigmas da realidade, mas fios de enredo não lhe vão faltar. Por agora, esperemos que alguma coisa de bom aconteça à Líbia nos tempos que já estão aqui.

sábado, agosto 20

Livros de que não gostámos

Na sequência deste post, encontrei também esta curiosa e extensa discussão sobre o possivelmente duvidoso prestígio que rodeia algumas grandes obras literárias. Lá tornam a bater no Ulysses e no Quixote, há quem diga que Dante é uma seca e que o Quarteto de Alexandria é de fugir logo que se abre. O Grande Gatsby também é zurzido. Catcher in the Rye tem setas para baixo. Entre os comentadores, dá-se bola preta ao Corão mas a Bíblia salva-se. Fogo também sobre Não Matem a Cotovia, Guerra e Paz, Os Irmãos Karamazov e a Viagem ao Fim da Noite.

Números e jornalismo programático

Num blog do Guardian, Andrew Brown reflecte sobre a atitude dos jornais e das tvs, que deram mais importância a 5000 contestatários do que a um milhão e meio de apoiantes de um acontecimento. Uma coisa já esperada, de resto, pois os jornalistas de programa preferem à realidade os preconceitos próprios.
Depois dos recentes motins de Londres, os jornalistas de programa não tiveram tempo de adaptar e recentrar a atenção: compreendem mal que uns milhões encham ruas e praças sem destruir e incendiar casas e lojas.

sexta-feira, agosto 19

Os livros que não lemos

As pessoas públicas que supõem dever mostrar-se kultas aparecem por vezes nas entrevistas citando livros que leram. Por vezes as citações são tão artificiais ou desajeitadas que ficamos logo a duvidar da koltura das ditas. Seria bem mais interessante, numa reviravolta para um procedimento de verdade, abrirem-nos a lista longa dos livros que não leram porque não foram capazes.

E nós, pessoas anónimas? Que grandes livros deixámos por ler? Serão os "grandes livros" realmente grandes? Não falamos da extensão, mas também ela terá um papel nas razões por que os deixámos na estante depois de um manuseio breve. As horas que nos foram atribuidas para permanência neste planeta estão longe de ser sufucientes para lermos tudo o que quereríamos, e agora ainda por cima consumimos tempo com blogs e livros de caras. Mas para além do número de páginas, pode haver outro problema com um livro: ou ele não nos agarra no início ou nós não nos deixamos prender.

A questão foi posta por Umberto Eco num blog do Guardian. Nas respostas e comentários, os leitores referem os livros onde tiveram dificuldade em entrar, ou que abandonaram mesmo. Da lista constam  Ulysses, Don Quixote, Moby Dick, Guerra e Paz, Crime e Castigo e até a Bovary e os Cem anos de Solidão. Destes, eu só li os três últimos e foram inúteis as tentativas de entrar nos dois primeiros. Um comentador aconselha para o Ulysses a seguinte receita: começar pelo capítulo 4; pode-se sempre voltar atrás se se quiser. Quanto à Moby Dick, salte-se a introdução que não faz falta nenhuma. Não sei se irei seguir o conselho. A Bíblia, aprende-se também com os comentadores, como outros grandes livros de poesia, é para ler aos bocados, espreitando aqui e ali.

Excitações

À informação mainstream, naturalmente mais excitada com os indignados anti-papa do que com a visita de Ratzinger a Madrid, não escapa qualquer indício de ameaça ultra que possa levar a etiqueta de "católica". Nos últimos dias os jornais falaram de um terrorista mexicano que se preparava para atacar a marcha dos indignados contra a presença dos que esperavam o papa, e imediatamente o sujeito foi rotulado como seria de esperar. O homem em questão não bate bem da bola e parece ser mais simplesmente um homofóbico empedernido. Claro que isto não contradiz, de modo nenhum, em princípio, que seja um militante católico ultra. Mas o esvaziamento posterior da notícia é bem descrito, no comentário de ontem, pelo Elentir, que fez uma investigação exaustiva do caso. Acontece que o suposto terrorista ultra-católico tinha como referência um blog ultra-esquerdista, coisa de que os jornais excitados não falaram.

QI e genes


Uma das explicações mais provocatórias para as variações de QI a nível de grandes agregados (estados, nações) é que as diferenças resultam de diferenças genéticas. É difícil, no entanto, encontrar estudos empíricos que suportem esta hipótese. Com estas considerações começa o resumo deste artigo aceite para publicação na Intelligence. Segundo os autores, trata-se de um dos primeiros estudos com o objectivo de suprir aquela ausência na literatura. Os autores usaram o agregado escola e estudaram as diferenças de QI médio em confronto com as distribuições de genes associados à dopamina (há resultados consolidados sobre as relações entre dopamina e capacidades cognitivas). Com todos os cuidados na interpretação dos resultados, a conclusão é que as variações de QI são resultado de factores genéticos. O Inductivist comenta que os resultados contradizem o ponto de vista de que 1) a raça é uma construção social e 2) diferenças de QI entre brancos e negros não têm a ver com diferenças genéticas.





quarta-feira, agosto 17

Canção da má sorte

Em 2008, uma bolha do lado de lá trouxe-nos uma vaga de pouca sorte.
Agora estamos nós (na insólita companhia da primavera árabe e do tsunami no Japão) a dar pouca sorte aos outros.
E temos que nos aturar mutuamente, porque não há para onde fugir.
Estas poucas sortes foram previstas, lá e cá, por umas pessoas designadas como radicais, loucos ou bota-abaixo.
Em prol da verdade, todos os candidatos a líder em futuras campanhas eleitorais devem acrescentar "if we are lucky" ao "we can".
Com muita sorte qualquer um se safa bem. Nem precisa de habilidade e bom senso.

segunda-feira, agosto 15

O mistério das livrarias

Contam vários relatos que os intervenientes nos distúrbios em Londres trataram as livrarias com total indiferença. Destruiram e assaltaram sem cerimónias restaurantes, lojas de roupa desportiva e de material electrónico. Queimaram carros e edifícios. Apoderaram-se de ténis, playstations, flatscreens e o que mais apetece ter. Mas livros, nada. Os danos em livrarias foram marginais. Em face deste curioso dado empírico, o Huffington Post avança com duas engenhosas tentativas de explicação para a sobrevivência das livrarias: respeito pelos livros ou total desinteresse por eles. Nos comentários ao artigo são colocadas hipóteses mais chãs mas carregadas de verosimilhança. Por exemplo: os livros são mais pesados e mais difíceis de vender do que tvs, gadgets electrónicos e calçado em moda. Ou então: a malta dos protestos não está habituada a ler textos com mais de 140 caracteres. Um comerciante de Brixton observou ao Financial Times, com alívio, que os assaltos privilegiaram o grande comércio: não houve motins, houve um "saque inteligente".

sexta-feira, agosto 12

Social disease



A partir do minuto 1:21, o génio, a arte e o humor de Stephen Sondheim e Leonard Bernstein mostram os gangs juvenis e as explicações que os adultos para eles inventaram (e de que eles se riem). Neste video a qualidade de som e imagem não é grande coisa mas há a vantagem de se poder apreciar a graça das palavras.

Agora uma curiosa versão de amadores:

E também é divertida esta interpretação:

domingo, agosto 7

Do onanismo terminológico

O PÚBLICO refere-se hoje ao caos do ensino do Português. A tenebrosa TLEBS não acabou: embora reduzida, regressa sob as vestes do novo dicionário terminológico. Mais do que as incompetências que muito têm vindo a prejudicar o ensino da Matemática através do desenho de programas e metodologias, as que vêm afectando o ensino da língua exibem com grande descaramento a loucura de que o planeamento do ensino básico foi, e continua, possesso. A estrutura da língua e a classificação em gramática são certamente matérias estimulantes e dignas, mas... será normal transformar um assunto em discussão entre especialistas, com aspectos inacabados e não consensuais, em matéria para o ensino básico??? Com a agravante de a coisa ser extensa, complicada, e em parte inútil. No longo rosário dos nomes propostos há agora modificadores, determinantes, sujeitos expletivos, complementos oblíquos. Mas a plasticidade da língua resistirá sempre à utopia da classificação universal. A solução proposta para o sujeito em chove muito continuará a ser discutível, tal como a ambiguidade se manterá nas formas vende-se casas e vendem-se casas. Já agora, não compro a classificação de ladrar como verbo unipessoal: isso impedir-me-ia de escrever ladras mas não mordes, e pode apetecer-me. Para lá dos exemplos contidos no documento, os professores e autores de manuais enfrentarão um oceano de dúvidas. Estas terminologias são claramente coisa para adultos e mesmo assim não devem ser impostas sem consentimento mútuo (sim, estou a repetir-me).

Como tudo isto poderia ser pouco, introduz-se ao mesmo tempo o acordo ortográfico. O novo acordo ortográfico com o grande Brasil em fundo dá imenso jeito para escrever sms. Poupam-se uns cês de vez em quando. Mas não foi suficientemente longe. Porquê escrever para em vez de pra? Poupava-se um a (que só os afetados pronunciam) e desaparecia a ambiguidade com a homónima pertencente ao verbo parar. Telefone pode passar a tfone e vizinho a vzinho, porque na região de Lisboa, onde estão os que fazem os acordos, ninguém pronuncia as vogais.  É tempo de simplificar a grafia do acento e escrever ahquele, ou ah, que é de teclagem mais simples, tipo pah. Abandone-se essa mariquice do acento grave, que só a três palavras convém.

sábado, agosto 6

A leitura no tempo da internet

A internet não é só uma ferramenta. É um utensílio que passa a ser prolongamento do nosso próprio corpo, do nosso próprio cérebro, o qual se vai também, de modo discreto, adaptando pouco a pouco a esse novo sistema de informar-se e de pensar, renunciando pouco a pouco às funções que esse sistema faz por ele e, por vezes, melhor que ele.

Mário Vargas Llosa discorre, em artigo no EL PAÍS, sobre os efeitos da internet nos hábitos de leitura e procura de informação. Há perguntas que ficarão muito tempo sem resposta. Quem vai dar-se ao trabalho de ler um livro de ponta a ponta, podendo encontrar na net resumos e comentários, provavelmente com qualidade? O número de horas a consumir com o Crime e Castigo (digamos) não é coisa negligenciável em presença de uma agenda preenchida. Que cavernícola vai sobrecarregar a memória com dados que a coreografia do teclado e do rato torna acessíveis em segundos? Para quê encher estantes com a sabedoria dos mestres e a erudição dos clássicos? O Google sabe mais.

Na verdade, possivelmente lemos mais agora, mas de forma mais fragmentada. A própria internet concorre consigo mesma. Como o tempo escasseia para ler todos os artigos que nos parecem interessantes, percorremo-los em diagonal e vamos em directo aos comentários, onde encontramos uma pré-avaliação do interesse do conteúdo, justificando ou não uma atenção mais demorada. Isto vale tanto para artigos de jornais e magazines online como para blogs. E até para coisas-tipo-facebook, embora nestas a dimensão do texto já esteja limitada pela formatação do sítio. Será o facebook a perspectiva mais aterradora do fim da leitura? Iremos acabar por consumir apenas a "boca" breve, comprimida, zipada, que é suportável pelo cérebro interneticamente modificado do leitor moderno?

sexta-feira, agosto 5

Bolha discreta

Subida acelerada do número de funcionários públicos em anos recentes. Pensões de aposentação e cobertura de serviços de saúde desenhados sob os pressupostos mais optimistas. Reformas aos 55 anos, cociente aposentados/activos já assustador e em perigoso crescimento. Certas vozes já pedem o adiamento da idade de aposentação para os 65 e o cálculo das pensões com base na carreira contributiva. Parece que falamos dos PIIGS ou algo assim, não? Nem por isso. Trata-se da bolha dos salários e direitos de funcionários públicos nos Estados Unidos, se acreditarmos neste artigo. É a nível municipal e local que a insustentabilidade da situação começa a exigir medidas.

quinta-feira, agosto 4

Parking livre da intromissão do estado

No Parking Jules Guesde, concessionado a uma construtora pela câmara de Marselha, as caixas automáticas começaram por aparecer frequentemente incendidas. Depois, violências e ameaças levaram ao abandono do parque por parte da empresa. Dezenas de queixas não tiveram qualquer resultado: concessionário e prefeitura não se entendem sobre a quem compete manter a segurança. Agora, o estacionamento faz-se sem bilhetes nem moedas em ranhuras ou quaisquer outras formalidades. Por cada carro que entra, 5 euros passam directamente para o saco dos okupas - jovens, diz o jornal, utilizando o código apropriado às estórias com acção em bairros sensíveis.

Descompressão



Agora que já sabemos que os Estados Unidos não entram em incumprimento este mês, apreciemos esta versão rap de um debate que será difícil encerrar em algum momento. A letra está aqui.

domingo, julho 31

Perdão

A execução da sentença estava marcada para esta manhã às 6:00. Num hospital de Teerão, Majid Movahedi iria receber dez gotas de ácido sulfúrico em cada olho, em presença de médicos especialistas. Condenado por ter cegado com ácido e desfigurado o rosto de Ameneh Bahrami, mulher que recusou a sua proposta de casamento, esperava há três anos a execução da sentença. A macabra história foi notícia várias vezes, ao sabor do andamento do processo. No último momento veio o perdão de Ameneh, quando Majid já soluçava de joelhos, aguardando a execução. As notícias de hoje referem também que a sentença adicional de prisão (12 anos) será cumprida a menos que o condenado entregue à vítima o valor monetário requerido como indemnização, equivalente a cerca de 150 000 €.

segunda-feira, julho 18

Final de ciclo

...su incapacidad en la gestión, los magros resultados de las reformas apenas incoadas, más el lastre y la impotencia de una legislatura agónica auguran un deterioro imparable al que resulta imprescindible poner fin cuanto antes. A este respecto, la fecha sugerida por algunos dirigentes socialistas para celebrar elecciones (finales de noviembre) es del todo tardía. Si de verdad Rodríguez Zapatero quiere rendir un último servicio a su país, debe hacerlo abandonando el poder cuanto antes y reconociendo la urgencia de que nuestro Gobierno recupere la credibilidad perdida. Los españoles en su conjunto, y los votantes socialistas en particular, se lo agradecerán.

EL PAÍS, 18 de Julho.

domingo, julho 17

As palavras de Catarina de L.

Então reparo, esmagado sobre uma pilha, o livro que me é por demais caro (...)
Os Elementos, do Senhor Euclides. Erguido entre os demais tratados como o grande farol sobre os templos de Alexandria. Prelúdio e epílogo de todo o conhecimento. Tão verdadeiro e incontestado quanto os Evangelhos. (...) Perene para além de qualquer sétima maravilha.
Assim começa o Senhor Euclides a sua lição magistral:


"Definição: o ponto é aquilo que não tem parte alguma."


E logo outra voz acorre em minha lembrança: "Vede, dona Catarina, como o ínclito Descartes glosa a maravilhosa percepção do Senhor Euclides. Se o ponto subsiste retirando-lhe as partes, também eu emirjo por de mim apartar o que não sou. (...)"

Assim discorria em 1658 Catarina de L., dada à luz por José Gonçalves Gomes em 2011. "A Casa Ancestral de L." é editado por Eucleia e foi ontem apresentado publicamente. Escrito com virtude e elegância, o texto liberta palavras preciosas da sua reclusão forçada nos dicionários e nas tabelas de conjugação verbal. Além disso, Catarina tem muito que contar.

domingo, julho 3

Maus dias para a ficção: o caso ND?

Com a concorrência feroz da realidade, ou pelo menos de como os media a interpretam e contam,  a ficção vai ter que suar para ganhar público. Quem perderá tempo com as bocejantes novelas que as nossas tvs inventam quando mesmo ao lado as notícias nos servem folhetins como o do caso Strauss-Kahn?

Se o enredo já era rico em sexo, dinheiro, poder e teorias de conspiração, agora surge enriquecido com proventos da droga, contas bancárias e muita mentira. Não é de menor importância que aquilo que naturalmente era descrito como o caso DSK pareça de súbito muito mais apropriadamente "O caso ND" (sim, os jornais franceses já publicam o nome da empregada de limpeza que acusou Dominique de violação). Numa reviravolta que com certeza será motivo de estudo para aspirantes a ficcionista de sucesso, a vítima inicial deixa de surgir como pobre e abusada. Movimentando milhares de dólares nas suas contas bancárias e estabelecendo, através dos seus quatro telemóveis, os contactos com traficantes, terá confidenciado ao companheiro, actualmente preso, que sabia muito bem o que estava a fazer ao acusar DSK. A investigação sobre ND veio a revelar que ela quando mente não brinca em serviço. Pelo contrário, as queixas com que deu substância ao pedido de entrada nos USA foram cuidadosamente ensaiadas escutando numa cassete uma vítima autêntica. Descredibilizada a acusadora, resta que alguma coisa embaraçosa para DSK, incluindo derramamento de fluido genético, se terá passado no Sofitel. De acordo com as simpatias de cada um, os jornais branqueiam ou atacam as personagens principais. Segundo o New York Post, a mulher tem longa carreira na prostituição. No Daily Mail ficamos a saber que duas meninas de uma agência de acompanhantes de Manhattan se queixaram da rudeza de DSK: parece que o homem se portava como um animal. A agência chama-se Wicked Models (risos).

Entretanto, a atrapalhação risível dos socialistas franceses vai no sentido de reabrir o caminho à candidatura de Dominique às presidenciais.

Como na boa ficção de suspense, a novela não tem personagens boazinhas. Não sabemos com quem nos identificar, e se sabemos não dizemos. No Parisien, uma sondagem mostra que 49% dos franceses, ou 60% dos franceses de gauche, querem ver DSK de volta à política. Isto não pode ser só efeito da embirração com Sarko. Se os franceses querem DSK como presidente, é porque o merecem.

terça-feira, junho 28

O paraíso ao virar da esquina: num país perto de si


Una estación de Alta velocidad por AlbaceteTeVe

14 de Maio, em campanha eleitoral: alguém anuncia a ligação de Albacete por alta velocidade à linha Madrid-Sevilha e que o tempo de percurso Toledo-Cuenca-Albacete iria ser ainda mais reduzido, passando a fazer-se em apenas 1 hora e meia. Boas perspectivas para Albacete, que ficaria a pouco mais de duas horas das praias.

28 de Junho: a RENFE anuncia o encerramento da linha de alta velocidade Toledo-Albacete, por falta de procura (média diária de 9 passageiros, um movimento um pouco acima do do nosso neo-aeroporto). O director do serviço de passageiros afirma que a empresa foi ao encontro das aspirações dos "alcaldes" locais, que converteram a alta velocidade em símbolo do desenvolvimento regional.

domingo, junho 26

Antes filho que boy

O caso passou-se em Grândola e foi referido há três dias nos jornais. Suspeito que não contém nada de realmente novo nem original, mas a singularidade das justificações do Presidente da Câmara de Grândola é interessante e merece alguma atenção.

A nomeação do filho como adjunto foi maduramente pensada e assenta na qualificação académica muito pontuada da pessoa (não especificada) que o filho representa, e que o Presidente garante conhecer há 29 anos. Não invento nada, é o que a notícia diz. Mas não nos percamos em elocubrações improdutivas: este discurso críptico pode reflectir simplesmente um problema de redacção. Mais significativo é que temos aqui um invulgar exemplo de coragem. Apesar das gigantescas pressões que podemos imaginar, o autarca resistiu a nomear um boy, e avançou directamente para a família, arriscando-se, e aos seus, a uma bateria de críticas. Ainda mais, está a obrigar o filho a trocar pelas ingratas funções públicas uma actividade profissional (supõe-se que promissora) em empresas do sector privado ligadas à área do desenvolvimento e turismo. É  preciso ter coragem e ser limpo para fazer esta nomeação", afirma Beato. Concordo em absoluto.

Dois pontos sobre rodas


A curiosa notícia sobre os ciclistas nus suscita duas reflexões.

Primeira: que moral poderá estar a ser ofendida com esta iniciativa? Atendendo a que estamos em 2011, só pode estar em foco a obrigação de os cidadãos se protegerem dos ultra-violetas e outros efeitos deletérios do calor, como a Autoridade Nacional de Protecção Civil não se cansa de recomendar com os seus alertas coloridos.

Segunda: tentando interpretar correctamente a moral do dia que corre, ao recomendar o uso de cremes solares, o Presidente da Câmara de Lisboa assume competências inesperadas e está a dar uma sugestão aos novos governantes. A ANPC pode ser desmantelada já.

(Imagem. J Roybal)

sábado, junho 25

Mini-preços, mini-duração

Madrid é diferente. Micro-teatro por dinero é uma novidade de sucesso. Por apenas 3€, pode ver-se teatro e tomar uma bebida. Mas não menos importante é a duração das peças: 15 minutos. O produto interessa a todos: aos que têm poucos euros no bolso e aos que, tendo muitos, não podem convertê-los nesse bem mais precioso que é o tempo. Sem esquecer os pobres ou ricos que por conformação genética adormecem ao fim de 20 minutos de declamações. Que grande potencial tem a ideia.

sexta-feira, junho 24

"Um diálogo Pos-moderno: um interdito linguistico em abismo " - 4 anos depois

Por via de uma citação do on, um post antigo tem um comentário novo.

Democratização do copianço

Os exames nacionais envolvem uma operação policial de grande envergadura, com entrega simultânea de pacotes de enunciados, mantidos em grande segredo até ao momento aprazado, nas escolas de todo um país. É assim em Portugal como é também em França. É preciso recuar a 13 de Outubro de 1307 para se encontrar uma acção comparável, quando o ministro Guillaume de Nogaret organizou a prisão dos Templários.

Mas agora os tempos são outros... Um exercício do exame de Matemática para o ensino secundário em França foi divulgado na véspera. Os jornais dão grande destaque ao assunto.

O autor da divulgação, que escreve com muitos erros de francês, garante no site que o exercício vai mesmo sair e encoraja os internautas a tentar resolvê-lo: garante que não se arrependerão. E desafia: se não acreditam, ao menos utilizem-no como treino.

Enquanto alguns já reclamam a repetição do exame de Matemática, o caso vai dar que pensar. O sistema utilizado é muito dispendioso e o peso do exame na nota final é diminuto, argumentam os que se queixam da desadequação do modelo que, afirmam, nem garante a equidade a nível do país.

segunda-feira, junho 20

A PP, o IA e o VIP

Tão pouco tempo e tanto que há para aprender. Ontem dei-me conta de que há uma coisa chamada Psicologia Positiva (PP) que parece que é uma ciência. Foi inventada em 1998 por Martin Seligman e tem por objectivo mostrar uma outra face da Psicologia. Grosseiramente descrito, o lema é: abaixo o divã e o escavar de memórias macabras; em vez disso procurem-se as raizes do génio e do talento e promova-se a valorização das experiências positivas e a busca da felicidade. Se a comparação me é permitida, e pedindo desculpa pelo simplismo do meu entendimento, é como se tivéssemos um novo género de canalizador que entra em acção quando os canos estão em perfeitas condições.

Fiquei a saber de tudo isto num programa da Antena 1, com a presença de uma investigadora que é pioneira da introdução em Portugal dos métodos da PP: o Inquérito Apreciativo (IA), o V.I.P. (valores, influências e projectos) e o World Café. Fiquei com vontade de saber mais e fui pesquisar. Eu explico rapidamente: o IA pode assumir a forma concreta de Máquina do Tempo, em que as pessoas são chamadas a escrever as suas experiências gratificantes em post-it de cores diferentes, que colam em papel de cenário numa parede. Com o V.I.P. descrevem o que lhes evocam os valores, influências e projectos enquanto desenham círculos concêntricos. No World Café promovem-se conversas sobre temas agradáveis à volta de uma mesa com uns acepipes.

De acordo com a literatura publicada, tudo isto é comprovadamente eficaz, podendo os resultados, decorrentes de intervenções concretas em algumas organizações, ser classificados de "surpreendentes". Se assim é, só posso ficar feliz.

Mesmo que pareça que estou a brincar com o assunto, esclareço desde já que não é o caso, até porque descobri que a mesma investigadora faz uma recomendação que recolhe toda a minha simpatia e apoio, sem qualquer réstea de ironia: o uso sistemático do humor a nível das organizações. Advoga que se saiba rir de nós próprios e dos nossos maiores insucessos, que as organizações formem pessoal em competências humorísticas e que o humor seja progressivamente introduzido em notas informativas, circulares e discursos. Já fico bem disposto só de imaginar esse mundo novo. Venham as directivas, já!

quinta-feira, junho 16

Philo

...dire la vérité est utile à celui à qui on la dit, mais désavantageux à ceux qui la disent, parce qu’ils se font haïr. (...)
Personne ne parle de nous en notre présence comme il en parle en notre absence. L’union qui est entre les hommes n’est fondée que sur cette mutuelle tromperie ; et peu d’amitiés subsisteraient, si chacun savait ce que son ami dit de lui lorsqu’il n’y est pas,
quoiqu’il en parle alors sincèrement et sans passion.
L’homme n’est donc que déguisement, que mensonge et hypocrisie, et en soi-même
et à l’égard des autres. Il ne veut donc pas qu’on lui dise la vérité. Il évite de la
dire aux autres ; et toutes ces dispositions, si éloignées de la justice et de la raison,
ont une racine naturelle dans son coeur.
 
Este é um dos textos que hoje sairam em exames nacionais de Filosofia realizados em França. Países cultos são outra coisa: ministros, políticos e outras figuras públicas são chamados a resolver as questões do exame e lá se desenrascam como podem, e até o povo responde ao desafio enviando as suas respostas em versão SMS. O país inteiro discute se a arte é mais importante que a ciência, se a igualdade sacrifica a liberdade ou se uma hipótese científica é demonstrável. Numa palavra, discutem-se os assuntos verdadeiramente importantes. E tudo sem usar calculadora! 

segunda-feira, junho 13

Petit scandale colatéral

Com os pequenos ou médios escândalos que têm os costumes sexuais em pano de fundo, saltam para os jornais os pequenos ou médios escândalos colaterais. Em França, o caso dos rumores sobre um antigo ministro trazidos à cena por outro antigo ministro evoluiu para acusações e recriminações, continuando em alta o escrutínio feito aos deveres profissionais e ao salário de Luc Ferry na Universidade de Paris VII. Ferry não deu aulas neste ano lectivo, mantendo o salário, que acumula com um adicional pelas funções exercidas como presidente do Observatório da Sociedade. Tudo legal, diz Ferry, pois a afectação a funções públicas está prevista e regulada. Não é bem assim, replica Paris VII: a lei de autonomia universitária que entrou em vigor em Setembro de 2010 veio mudar as coisas. O enredo, agora frente ao cenário dos chorudos salários em funções públicas de utilidade misteriosa, presta-se bem a todos os populismos e oportunismos, tanto mais visíveis quanto melhor observarmos as famiglias políticas que defendem e atacam. A moral pode bem ser substituida pela correcção dos procedimentos administrativos e pelas fidelidades ideológicas, se é que ainda há restos de ideologia. Entretanto, no Figaro de hoje, o número de comentários sobre o salário de Ferry já é 3 vezes maior que o número de comentários sobre o caso que originou o rumor.

sexta-feira, junho 10

Weiner show

Terão mudado assim tanto os padrões morais em meia dúzia de anos? A pergunta de William Saletan faz todo o sentido. É verdade que o caso Weiner evoluiu de mal a pior: da tentativa de negação inicial passou-se à exposição da mentira, à confirmação de que o congressista terá enviado pela net fotos da sua nudez a mais de uma mulher, e sabe-se agora que tudo isto se passou ao mesmo tempo que a esposa de Weiner espera um bebé. Pecadilho sem grande relevo, dirão alguns. Menos grave do que as fraquezas de Clinton na sala oval, talvez. Daí que se assista com surpresa à forte demarcação que conhecidas figuras do Partido Democrata estão a fazer em relação a Weiner, com apelos à demissão.

Muitos que começaram por apoiá-lo ficaram irritados depois de se saber que o homem afinal tinha mentido, e julgam que a perda do lugar é bem merecida, mais por ser um mentiroso do que por espalhar na net fotos das suas partes.

Seja como for, parece que a personagem central deste reality show não merece a piedade dos espectadores. Porque, se tivermos paciência para fazer um flash-back até 1991, ficamos a saber que o nosso homem saltou para a política usando métodos desprezíveis, que passaram por ataques caluniosos anónimos aos seus concorrentes e pelo apelo à hostilidade racial.

Para Weiner não vai ser fácil o caminho da demissão. Pela simples razão de que é um político de aviário, que nunca teve uma profissão na vida real e não sabe fazer mais nada.

quarta-feira, junho 8

A reacção do silêncio

É notícia nos jornais e rádios em França, por via de um artigo do Canard Enchaîné: o presidente da Universidade de Paris 7 convoca Luc Ferry hoje mesmo para que se explique. Segundo o artigo, o filósofo e professor está ausente do serviço há meses, continuando a receber o salário bruto de 4.499 euros. (Faz lembrar aqueles preços que nos anúncios terminam em 9 para parecer que estão longe da centena seguinte.) Quando os adeptos de todos os encobrimentos querem mostrar que ninguém pode lançar pedras, ficamos ao menos a saber quanto recebe um professor universitário em França.

domingo, junho 5

Duas mulheres?

Casaram-se ontem em Nancy e augura-se-lhes um futuro feliz. São duas mulheres lésbicas, dizem elas, uma das quais possivelmente um homem. É fácil perceber: Stéphane gostaria de ser chamada Stéphanie. Afirma aos jornalistas que fez cirurgia para mudar de sexo mas esconde a documentação às autoridades, o que lhe permitiu casar com a jovem Elise dentro da lei desse estado antiquado que ocupa o hexágono para lá dos Pirinéus. Porque quem existe em face da lei é o homem que Stéphane foi. Para lá da publicidade conseguida, a história é fascinante, porque na realidade não temos provas de nada do que as duas dizem. As notícias limitam-se a reproduzir a versão do casal. Stéphane-nie e Elise podem estar, simplesmente, a gozar-nos. Mas a estorieta do homem que se torna mulher porque ama uma mulher que gosta de mulheres é sem dúvida bonita, com ou sem ironia.

quarta-feira, junho 1

Onde de choque

Depois de DSK, houve o caso Tron. Em Espanha, um senador acusado de abuso de menores vai apresentar a demissão. Mas é em França que a discussão se faz ao rubro pela calada. Há dois dias, num programa do Canal+, o ex-ministro Luc Ferry acusou, sem o nomear,  um anterior ministro de actos de pedofilia praticados em Marrocos. A revelação não o é assim tanto: lendo o que se escreveu sobre o caso percebe-se que todos sabem não só quem é o inominado como também da existência dos tais rumores. A imprensa é enviesadamente cautelosa no que escreve, seja fechando as caixas de comentários , seja desinteressando-se da substância dos (alegados) factos e mobilizando-se contra o mensageiro.

terça-feira, maio 31

Desaparecimentos

Isto é uma dúvida que me assalta há muito tempo, mas fiquei a saber que não sou um caso isolado. Por coincidência, recentemente mais de uma pessoa me confidenciou o seu estupor perante o facto. As máquinas de lavar engolerão peúgas? Parece que não é tão incomum, no fim da lavagem, aparecer apenas uma peúga onde devia estar um par. Mas se a máquina se abotoa com uma peúga de vez em quando, não deveria notar-se algum efeito de entupimento? E porquê peúgas, porque não lenços? Ou também os surripia e não notamos porque não vão aos pares? Não tenho resposta mas pelo que tenho vindo a saber trata-se de um mito urbano bem disseminado.