domingo, dezembro 1

O povo não entende a mensagem

Petardos e um polícia ferido na chegada ao Dragão Ou o povo está distraído, ou Soares e Roseta não se explicaram bem.

terça-feira, novembro 5

É só estratégia

As crianças estão a enfrentar grandes dificuldades quando tentam ajudar os pais a ajudá-las a elas nos trabalhos de casa de matemática. Verifique aqui se sabe somar 67 com 16. Em caso de dificuldade, o seu filho explica-lhe. Apesar de aparecer por ali um miúdo desmancha-prazeres que põe tudo ao contrário: "[com] o meu pai é mais fácil... o meu pai ensina-me bem".

domingo, novembro 3

Angular momentum

Stunning, breathtaking, e por aí, são os adjectivos comuns que a publicidade usa com filmes como o Gravity. Não posso dizer que não tenha gostado, mas não me entusiasmou por aí além. Talvez o IMAX do Colombo não estivesse a funcionar bem nesse dia. Também não sei se é deficiência minha, mas não percebi bem o que é que distingue o IMAX do Colombo das outras salas 3D om écrans grandes. IMAX era no século XX, em Vila Franca de Xira. Mas adiante. Do ponto de vista cinemtográfico e artístico, talvez a questão mais pertinente que se possa colocar é a que levanta Neil deGrasse Tyson num seu tweet de 6 de outubro: Porque é que alguém há-de ficar impressionado com um filme de gravidade zero, 45 anos depois de 2001? A pergunta poderia ser feita por um vulgar crítico de cinema, mas para falar de Gravity é mais adequado ler o que têm a dizer pessoas que sabem Física. Tyson gostou do filme e disseca, nos seus tweets de 6 de outubro, os "Mistérios de Gravity", apontando imprecisões científicas. O Lubos Motl também curtiu (peço compreensão para o uso deste vocábulo, mas julgo-o adequado para falar de um filme que eu vi em cinema de pipocas) e sobre ele escreveu um artigo bem humorado. Ambos dão argumentos para que o título do filme pudesse ser Gravidade Zero ou Momento Angular. A rotação é o tema de muitas sequências, e sobre a conservação do momento angular Gravity não ficciona.

domingo, outubro 6

...que se sepa más adelante

Jamal Zougam não é um nome lá muito conhecido. É o nome do único condenado no processo dos atentados do 11 de março em Madrid. Jamal foi identificado por duas testemunhas romenas. Recentemente, dados novos levaram a juíza Belén Sánchez a pedir novas investigações: as duas testemunhas estão agora acusadas de falso testemunho. Na passada quinta feira, em tribunal, recusaram-se a falar. Em Espanha só o El Mundo dedicou algum espaço a esta notícia. Possivelmente é  coisa que não tem importância nenhuma, apesar de ter influenciado o resultado de uma eleição e o caminho político de Espanha nos anos seguintes. Ou então não é oportuno ainda que se saiba seja o que for. Alguém conta que, tendo perguntado ao Juiz Bermúdez quem no seu entender teria estado na origem do 11 de março, a resposta foi mais ou menos que hay cosas tan graves que es mejor que no se sepan todavia, que se sepan más adelante.

Acesso livre, uma história mal contada

O PÚBLICO contou ontem a revelação bombástica da Science: muitas revistas de acesso livre foram "apanhadas" a aceitar para publicação um artigo científico forjado e carregado de disparates.
A Science deu destaque ao relato de John Bohannon, jornalista que perpetrou o falso artigo e o submeteu a revistas de acesso livre mas não às de comercialização convencional, pagas por assinatura. A Science publica conclusões que valem o que valem, obtidas com uma falha metodológica evidente: se se pretende comparar os dois tipos de revistas, é preciso estender a cilada a todas. O PÚBLICO não se preocupa muito com isso e quem redigiu a notícia nem procurou saber mais. O ponto de vista de Björn Brembs, biólogo da Universidade de Regensburg, daria um título bem diferente do do nosso PÚBLICO: A Science rejeita dados e publica anedota.

Por muito que se desconfie da qualidade das revistas de acesso livre, talvez seja útil perguntar se o problema não estará a montante, na zona obscura da revisão por pares, como é apontado neste artigo de Kausik Datta.

A demonização do acesso livre costuma basear-se na insinuação de que se trata de um processo em que os autores compram a aceitação de artigos. Este risco é real, mas a descrição é tudo menos rigorosa. Normalmente não são os autores, mas as instituições em que eles estão filiados, que realizam o pagamento. Dito de outro modo, as revistas de acesso livre só podem viver de fundos públicos (através das agências de financiamento da ciência), tal como as revistas convencionalmente estabelecidas o fazem, através da venda de assinaturas. Ao que se assiste é à emergência de um novo lobby de editores que procura disputar o financiamento público aos que já estão no mercado. Ao coexistirem, e não havendo fundos a dobrar, haverá guerra, que de resto já parece ter começado.

A situação é na verdade ainda mais complicada, pois muitas revistas convencionais começam a criar zonas de acesso aberto, já para não mencionar que também por vezes pedem subsídios (nem sempre obrigatórios) para publicação dos artigos aceites. E note-se que actualmente as editoras se limitam a administrar o processo de submissão e aceitação, a colocar o nome do jornal no cabeçalho e a armazenar o material publicado. Os autores fazem a composição, e os revisores anónimos, ou as instituições a que pertencem, não costumam receber qualquer pagamento. Como um processo de revisão sério pode representar muitas horas de trabalho, as agências de financiamento e as universidades deveriam bater o pé em face das editoras, sejam as convencionais ou as de acesso livre.

quarta-feira, setembro 25

Constituições

Agora, no Constitute, podem consultar-se as constituições de 117 países. O ficheiro pdf da nossa tem 110 páginas, e o da constituição da República Checa tem precisamente metade disso.

sábado, setembro 21

quarta-feira, setembro 11

"Um país perdido"

Domenico Quirico, jornalista italiano tomado como refém e agora libertado, contou hoje à France Inter o caos em que a Síria se tornou. O que resta da revolução, diz ele, são grupúsculos que não podem opor-se aos djihadistas, muitos dos quais apenas utilizam a religião e a revolução para fazer negócios sujos.  Não faz sentido falar de oposição porque não há interlocutor credível do lado dos que querem a queda de Assad.

Na sua carreira de refém passou de grupo em grupo, detido em cubículos sem luz mas com abundante companhia de insectos. Está vivo porque era um valor transacionável para esses grupos.

sexta-feira, setembro 6

As guerras tontas e as que não o são

Ao fundo, na Síria, uma tragédia que dispensa adjectivos. À boca de cena, as movimentações dos actores políticos têm alguns toques de comédia. Um presidente que lança para o ar uma linha vermelha mas que mais parece ter caído numa armadilha ao fazê-lo. Outro que o segue mas logo tem que dar meia volta porque tem um parlamento. Outro que mantém o entusiasmo bélico porque dispensa a maçada do parlamento. Um czar que observa com complacência resistente, mas sabe-se lá se não está mais envolvido do que parece. Sectores importantes dos Republicanos, nos Estados Unidos, não apoiam o ataque, e é difícil perceber onde acabam os efeitos das más experiências recentes, do Iraque às "primaveras", e onde começa a rejeição pura e simples da agenda de Obama. As figuras públicas da intelligentsia e do espectáculo, com prática de protestos anti-bélicos, enquistam-se desta vez numa ausência conspícua. Mas quanto a papéis trocados, como nas boas farsas, nada mais estimulante do que um velho discurso de 2002:

I don't oppose all wars ... What I am opposed to is a dumb war. What I am opposed to is a rash war ... I suffer no illusions about Saddam Hussein. He is a brutal man. A ruthless man. A man who butchers his own people to secure his own power. He has repeatedly defied U.N. resolutions, thwarted U.N. inspection teams, developed chemical and biological weapons, and coveted nuclear capacity ... But I also know that Saddam poses no imminent and direct threat to the United States or to his neighbors ... I know that an invasion of Iraq without a clear rationale and without strong international support will only fan the flames of the Middle East, and encourage the worst, rather than best, impulses of the Arab world, and strengthen the recruitment arm of al Qaeda.

domingo, setembro 1

Rajada de metralhadora acaba com grupo musical

A voz bonita de Hyon Song-wol, a infeliz putativa ex-namorada de Kim Jong-un, pode ter-se calado para a eternidade, se são verdadeiras as notícias publicadas no The Province e no El Mundo . Kim era casado com outra cantora do mesmo grupo, mas consta que manteve uma quente paixão por Hyon Song-wol, que no papel de amante era, na verdade, uma primeira dama secreta às claras. As escassas notícias mencionam acusações de envolvimento em vídeos pornográficos, que terão motivado a prisão de Hyon e companheiros do grupo musical. Terão sido executados no dia 20 a tiro de metralhadora, na presença de familiares que a seguir ao acto foram despachados para um campo de concentração. Alguns observadores julgam que as acusações são forjadas. Poderiam estar em causa ciúmes da mulher de Kim ou, mais provavelmente, ajustes de contas entre facções políticas. O remetente do vídeo no YouTube diz que é tudo mentira. Para lá das tontarias trágicas de um país governado por loucos, fica a curiosa familiaridade da estética musical. Mudando as palavras, poderíamos estar a escutar as cantigas dos nossos "artistas" populares que animam as iniciativas das câmaras municipais no Portugal profundo e não tão profundo, e também as dos que preenchem largos espaços diurnos das nossas televisões.

Médio Oriente para totós

Esquema simplificado, da autoria de TheBigPharao, que procura explicar graficamente o conteúdo de uma carta ao editor do Financial Times publicada no dia 22 de agosto. Clique para aumentar.

segunda-feira, agosto 26

Os aristocratas vermelhos

Há agora novos elementos para completar o drama de Gu Kailai e Bo Xilai.

Está a terminar o julgamento de Bo Xilai e o procurador pede um castigo exemplar para o popular dirigente comunista caído em desgraça por corrupção, abuso de poder e encobrimento de crime de sangue. De acordo com os relatos, o julgamento foi fértil em cenas de teatro e reviravoltas. Gu Kailai testemunhou, em formato vídeo, contra o marido, dando a entender que ele estava ao corrente da origem dos milhões e dos bens presenteados à família. Essa mulher está louca e além disso sempre foi muito mentirosa! terá gritado mais ou menos assim Bo Xilai. Ela acusa-me para se vingar de eu lhe ter sido infiel!

Bo Xilai encenou uma defesa cerrada e cheia de surpresas. Declarou também que o verdadeiro motivo da fuga do seu subordinado Wang Lijun é que ele estava apaixonado por Gu.

As dicas são novas mas um argumento credível que conte toda a história está ainda em aberto.




domingo, agosto 18

No Egipto

A União Europeia, pela voz de algum funcionário triste, vai hoje anunciar que o seu relacionamento com o Egipto vai ser revisto. A UE está preocupada com a "violência" e gostaria de "impulsionar o processo democrático".

Há pelo mundo fora uma grande preocupação com o que se passa no Egipto. Nos Estados Unidos, a administração -- que assistiu com o enlevo dos ingénuos à entronização de Morsi por meios democráticos -- evita agora pronunciar-se sobre o que é que exactamente mais a preocupa. O simpático papa Francisco apela à oração pela reconciliação das partes em confronto -- uma maneira de perder tempo que não prejudica ninguém.

No Egipto, onde se presume que está a maior parte das pessoas verdadeiramente preocupadas, cada facção sabe bem as razões da inquietação, mesmo se não sabe bem o que quer. Vastas camadas da população, com aspirações laicas, não querem os Irmãos a dizerem-lhes como devem viver. E se fosse só isso... Não querem os grupos armados ligados à Irmandade a aterrorizar e a violar. Os coptas, essa imensa minoria, não querem ser perseguidos nem ver as suas igrejas queimadas. Os generais, que tomaram a iniciativa de depor Morsi, sabem bem que o que os espera no caso de a Irmandade recuperar o comando: a fúria da religião de paz não irá poupá-los nem usar branduras. As várias tribos muçulmanas que ocupam os lugares de poder no Médio Oriente, prosseguindo a tradição de ódio e extermínio mútuo, diversificarão o apoio às facções e complicarão a diplomacia ocidental, que irá disfarçando preocupações e desejos escondidos, sempre com o credo da democracia (formal) na boca.

Nem os extremistas islâmicos no Egipto, nem os generais, esperarão muito dos Estados Unidos (da UE não vale a pena falar). Os dois campos têm boas razões para se sentirem abandonados. E neste quadro de insucessos nem as operações de propaganda e vitimização da Irmandade terão grande sucesso, apesar de uma imprensa que lhes dá apoio tácito ou explícito. Poderão encenar massacres mas estarão a representar para o boneco. Na ausência de um Bush na Casa Branca,  o protesto e a piedade da intelligentsia ocidental não irão fazer-se ouvir.


sexta-feira, agosto 16

Leituras alienígenas

 
Costumo sentir-me bem dentro das livrarias. Mas tive uma experiência insólita um destes dias numa, digamos assim, livraria. O relance rápido do olhar pelas estantes, em busca de títulos que apeteça levar para casa, terminou com uma estranheza pouco comum: nenhum livro comunicava comigo. Como se eles e eu estivéssemos em planetas diferentes. A voo de pássaro, digamos que em primeiro lugar se escancarou à minha frente um livro com os pensamentos e o universo de Paulo de Carvalho. Depois, em destaque no expositor,  um outro com o subtítulo "A nova Terra - uma revolução política, económica e ambiental" e com a seguinte advertência na capa: "um livro que o poder económico e político não quer que seja lido mas que todos o devem ler" (sic). Mais à frente, a obra de ficção  "Cristiano, paixão irresistível", com um enredo que se anuncia tórrido: Cristiano é um padre jovem, atraente, irreverente e revolucionário, admirado pelas donzelas. Por ele se apaixona uma catequista (belíssima). Ele resiste com elegância à tentação da carne ao mesmo tempo que combate o fariseu Epaminondas. Nesse quadro de emoções emerge a cidadania como pano de fundo. Não sou eu que digo. Eu não invento nem uma palavra.
 
Termino declarando que aceito sem choque o facto de haver leitores para estes livros e todos os outros que lá estavam.



Universidades: Rankings 2013

Foram publicados os últimos rankings de universidades ARWU2013.
As universidades portuguesas surgem no rank geral pela ordem seguinte.
Universidade de Lisboa* 301-400
Universidade do Porto 301-400
Universidade Técnica de Lisboa* 401-500
Universidade de Coimbra 401-500
(*nomes antes da fusão realizada em 2013)

A Espanha surge com três universidades no rank 201-300, pela seguinte ordem:

Universidade Autónoma de Barcelona
Universidade Autónoma de Madrid
Universidade Complutense de Madrid

No ranking por áreas específicas (onde se listam os primeiros 200 lugares), apenas a Universidade do Porto e a Técnica de Lisboa aparecem, em Engenharia/Tecnologia e Informática (151-200).

Por curiosidade, verifiquei que várias universidades espanholas surgem nos primeiros 200 lugares na área de Matemática. A melhor classificada é a Autónoma de Madrid (51-75) e a última a aparecer é a de Santiago de Compostela (151-200).

segunda-feira, agosto 12

O amor à beira de um penhasco


Quando o enredo da Béatrix de Balzac vai a meio, o amor do jovem Calyste é disputado pelas duas mulheres que comandam a acção: a madura e sofisticada Camille, que tanto tem para ensinar a qualquer rapaz que lhe saiba dar o valor, e a fresca e deslumbrante Béatrix, cujos atractivos físicos dispensam atributos suplementares. Béatrix tem um amante de quem não tenciona separar-se, mas mesmo assim gosta de se sentir desejada. Calyste enamora-se de Béatrix com a intensidade com que isso acontece aos vinte anos.

Durante um passeio junto ao mar da Bretanha, Calyste pretende arrancar de Béatrix palavras de amor correspondido. Mas ela nega-se e previne que para ele não poderá passar de um sonho. Num momento de loucura, Calyste grita-lhe que se não o quer a ele, também não pertencerá a nenhum outro, e empurra-a de um penhasco para o mar.

O vestido, enredado numa ponta de rochedo e na vegetação, salva Béatrix da queda. Calyste cai em si e resgata-a, com risco de também ele se despenhar. Toda a cena é presenciada por Camille, que enquanto limpa uma lágrima se lamenta a Calyste: A mim não me terias tu lançado ao mar, não!

quarta-feira, agosto 7

Adeus, Jorge

A mentira é ingrediente indispensável de uma boa história de ficção. É a partir da mentira do mau da fita que o plano do herói para o desmascarar e repor a justiça se desenrola com método, com surpresas e até com recuos que por fim se invertem e dão passagem à verdade triunfante.

A mentira é também muleta a que se recorre na vida de todos os dias, para o bem e para o mal. Tratando-se de política, a mentira é conspícua, mesmo que por vezes não haja provas à disposição.  Por vezes chama-se-lhe diplomacia. Se em alguns casos é compreensível e podemos encolher os ombros, há outros em que não pode ser ignorada, dependendo da substância do seu conteúdo e da posição e das responsabilidades do mentiroso. Há algum tempo, pessoas simples não lhe davam a devida importância. Ainda bem que o mundo mudou. Vamos ver quanto tempo se aguenta sem uma recaída.

Actualização: o enredo afinal é menos trivial do que pareceu de início. Possivelmente há mais do que um mentiroso e fala-se também de documentos falsificados. Pelo caminho, fica-se com a impressão de que para a SIC o primeiro ministro não é quem parece.

domingo, agosto 4

Onde está a Curiosity?

Faltam menos de dois dias terrestres para se completar um ano terrestre sobre a aterragem da Curiosity em Marte. Entre os dias marcianos 349 e 351 avançou uns 80 metros. O trajecto é actualizado aqui. E Marte, por onde anda? Por estes dias está a cerca de 358 milhões de km da Terra.

Mistérios da vida por assim dizer política

Um dos escândalos mediáticos dos últimos dias em Espanha é a libertação de um "pederasta espanhol", preso em Marrocos, incluída num pacote de indultos por ocasião da visita do rei de Espanha ao país. Hoje aparece nos jornais a indignação do PSOE a exigir explicações ao governo pelo equívoco. O que aqui é interessante é que o PSOE é o partido que no governo legislou para que adolescentes pudessem esconder aos pais uma gravidez, para baixar a idade de consentimento para os 13 anos e que, já agora, tem na presidência da sua secção basca um homem que foi condenado por agressões físicas à esposa.

Tanto como a lata e a agressividade militante dos partidos, pode surpreender-nos a sua inacção ou cobardia, ou aquilo que pelo menos parece uma dessas poses. Ainda olhando para Espanha, tem sido notório o fogo sobre o governo e o PP com base nas trafulhices de contabilidade do partido. Ora, as trafulhices dos EREs que envolvem sindicalistas, deputados e dirigentes do PSOE, desvios de dinheiro numa escala maior do que a dos papeis de Bárcenas, e configuram uma situação de maior imoralidade, não têm recebido nem um décimo da atenção ou da gritaria. Nem o PP tem feito nada que se veja para contra-atacar. Lá terão as suas razões, e boas não podem ser.

sábado, agosto 3

Simplex

Chavez, altamente

No passado domingo, na Venezuela, foi criado por decreto presidencial o Instituto de Altos Estudos do Pensamento de Hugo Chávez.
A iniciativa mostra que o governo venezuelano dá muita atenção à cultura e, incidentalmente, aviva as memórias para o facto de que Hugo pensava.
Já estou a imaginar frutuosas colaborações de investigadores tugueses com o Instituto, onde venderão uns cursos e charlas.
Uma previsão bem humorada do que poderia ser um plano de estudos no novíssimo instituto pode ser encontrado aqui. Gosto especialmente das cadeiras Teoria da Expropriação e Estatística Maquilhada I, II e III.

domingo, julho 21

A campanha permanente

Talvez salvação fosse um objectivo demasiado alto. Se não a temos é porque não a merecemos. Eu só pedia que me salvassem para já de uma campanha eleitoral.
Infelizmente, seja o que for que o PR nos vá dizer logo à hora dos telejornais, de campanha eleitoral não nos salvamos. Ela já aí está, há meses, e para ficar. A campanha é aquele período institucional que se prolonga muito para antes e para depois do tempo, durante o qual os partidos que não estão no poder juram que querem o nosso bem e nos vão resolver os problemas (incluindo alguns que não pretendemos ver resolvidos). A presente campanha tem mais do pior. Os que estão no governo bem poderão esforçar-se por incluir umas tiradas novas, que a audiência não vai crescer. Catarina do BE, sempre triste e mal disposta, faz-nos sentir saudades de Ana Drago. Seguro, por seu lado, não se acanha com a sua ambição: basta-lhe o mundo. Mas ouvi-lo convoca mais do que a boa vontade habitual para fingir que acreditamos. Terá que fazer um esforço enorme para não ser tomado pelo boneco insuflado pelos matreiros ventríloquos do Rato.

Perguntas

Uma parte da América protesta nas ruas pela sentença que absolveu Zimmerman  (o New York Times faz os leitores de tontos e adocica escrevendo "em memória de Trayvon Martin"). Entretanto, há quem faça perguntas incómodas:

Onde está o protesto contra os assassinatos de negros por negros?

E há quem já tenha feito perguntas que ocorre recordar:

Porque é que o assassinato de Mark Carson, negro e homossexual, só levantou protestos dos chamados grupos LGBT?

sexta-feira, julho 19

Na Câmara dos Lordes, hoje

Debatem hoje os lordes o perdão a Alan Turing, condenado por comportamento indecente ao abrigo das leis de 1952. Na opinião de Matt Ridley, no Times, perdoar é pouco.

quinta-feira, julho 18

Acordo ortográfico: o massacre das palavras ditas


A propósito desta notícia, parece-me oportuno republicar o que já disse do acordo ortográfico:

As luminárias de gabinete que teceram o recente e inútil acordo ortográfico não cuidaram de prever as consequências mais gravosas das regras que inventaram. Descarto já a ocultação de conexões de significado entre vocábulos com raiz comum. Refiro-me ao efeito da grafia na corrupção da pronúncia.

Sob a capa da simplificação, abre-se o caminho à deterioração do português falado. Parece apenas diletante propôr a queda do c e do p quando "não se pronunciam" (dizem eles, esquecendo que estas consoantes exercem um efeito de acentuação significativo e em alguns casos se pronunciam de modo subtil). Os iluminados proponentes esqueceram que não é o mesmo usar uma ou outra grafia em Portugal ou no Brasil. Lá, eles sempre disseram e dirão tèlèfone, enquanto aqui, sobretudo na região de Lisboa, onde se fala o pior português do mundo, dizemos tlfone. A nossa tendência vocalicida fará com que, num futuro breve, ado(p)ção soe como adução, rece(p)ção como recessão... os exemplos são inúmeros. Para além do surgimento de uma bolha de homófonas, assistiremos ao emudecimento do "e" ou do "a" em palavras como infeção ou inação. Far-nos-emos entender cada vez pior.

Quero ressalvar apesar de tudo que o acordo é muito adequado à escrita de sms.

domingo, julho 14

Altima Dance


O pesadelo em versão espanhola


O caso Bárcenas é a versão local, em Espanha, da maldição das arcas da governação. Chamuscando o primeiro ministro até aos cabelos, tem no centro uma personagem de perfídia novelística mas exibe no seu conjunto uma classe e um sistema político que não prestam. A oposição grita, sem crédito: decorre um inquérito ao caso dos ERES na Andaluzia, com 93 arguidos ligados ao PSOE, dos quais 20 são altos quadros. A casa real também tem dado os lindos exemplos que se sabe.

De pouco servirá a Rajoy que uma parte do público assista ao triste desenrolar das notícias pronto a dar-lhe o benefício da dúvida. Mesmo que não venha a ser arguido ou até investigado, a nódoa não sai. Quando a revelações do calibre das deste caso se segue a obstinação em não dar explicações, o mais natural é que ganhe terreno a presunção de culpa. Os SMSs recentemente trocados entre Bárcenas e Rajoy, que o El Mundo hoje publica, não dirão grande coisa, mas carregam um subtexto de palavras não ditas que é mortal para Rajoy. Assim, mesmo que Bárcenas seja um traste, mesmo que tenha urdido um plano para tramar os parceiros contando a verdade com provas falsas, os que dele não se afastaram preventivamente são irremediavelmente contaminados. Os únicos aliados de Rajoy são o tempo, com o qual virá o cansaço do público sobre mais este policial, e a mediocridade dos adversários, enlameados pelos seus próprios delinquentes.

O pesadelo da arca

Embora esteja para já afastado o espectro de uma campanha eleitoral em cima da constante campanha eleitoral em que vivemos, a proposta do Presidente da República veio apenas deixar as coisas como estavam, ou piores. Eleições, antecipadas ou não, na circunstância presente, só resolveriam alguma coisa se os partidos que têm andado metidos na arca da governação não tivessem a lata de se apresentar de novo, com aquelas mesmas caras, que conhecemos de variados ministérios recentes, parlamento e televisão.

sábado, julho 6

Sinfonia nº 2


Arrepio

Com a crise de governo em banho-maria com chama alta, actores políticos mencionam volta e meia a necessidade e a inevitabilidade de eleições. Não estou a utilizar a palavra actores no sentido "culto" de intervenientes com capacidade de agir. Quero dizer actores à antiga. Eles não nos representam, eles representam uma farsa totalmente previsível, onde os personagens são frouxos e as falas maçadoras.

Estas pessoas, que pelo menos bem se conhecem a elas próprias, nunca se deram ao trabalho de melhorar o enquadramento institucional dos actos eleitorais. Sabem que eleições antecipadas são uma tentação, como sabem que elas envolvem custos e prazos inaceitáveis, mas agem como se estivessem completamente distraídos. O que já é habitual, de resto. Por exemplo, um não reparou que não devia ter aumentado a função pública em 2009. Outros não percebem o enredo em que se movem.

Para lá dos defeitos formais do sistema, a perspectiva de eleições neste momento particular é arrepiante por outros motivos. É que será necessário haver campanha eleitoral, nome inadequado para a reposição de uma peça gasta, com as tais personagens pífias e as suas deixas rombas, que nunca deixámos de ouvir ao longo das semanas e dos meses. Pelo que temos visto e ouvido, ninguém terá nada de novo para dizer. A campanha será, nestas condições, uma encenação caríssima, obrigatória, e que teremos que pagar mesmo detestando o espectáculo.

domingo, junho 30

Dance


O Google inspirou Messi?

É frequente os políticos gostarem de exibir o seu apreço por clubes e personalidades do futebol - apreço que normalmente implica favores e pagamentos com o dinheiro dos outros - por pensarem que as massas são tão estúpidas que não descodificam o oportunismo da colagem.  (Bem, há ocasiões em que percebem que o melhor é descolarem-se: hoje mesmo a FIFA fica de trombas com a ausência da perspicaz Dilma).

Ora, de acordo com a interpretação do Professor Sala i Martin, o recente ataque feito a Messi pelas Finanças espanholas vai em contramão relativamente a esta tendência. Segundo Sala i Martin, as Finanças sabem que não interessa a Messi um desgaste de imagem em processo judicial arrastado, ainda que viesse a provar-se que não há ilícitos na alegada fuga aos impostos por parte do futebolista. Os assessores e advogados de Messi negociarão e pagarão o razoável para que o assunto saia das breaking news. Assim, o ministro Montoro estaria a dar uma lição de como explorar a imagem de uma estrela de futebol extorquindo-lhe dinheiro, em vez de lhe pagar.

E afinal em que terá consistido a tentação de Messi? Ainda de acordo com o professor, um truque simples inspirado no Google: o da "dupla empresa". Os direitos de imagem são vendidos a uma empresa irlandesa com sede em Belize, por sua vez os vende a uma outra com sede na Irlanda. As taxas são 0% em Belize e 12,5% na Irlanda, mas sobre os lucros, e feitas as contas com cuidado pode demonstrar-se que o lucro é zero. Uma diferença notável em relação aos 30% de Espanha. Tudo isto partindo do princípio de que estão em jogo direitos de imagem e não salários pagos pelo Barça, se não o ganho é bem maior.

domingo, junho 23

sábado, junho 22

Vozes na rua

a dissonância entre a voz dos mercados e a voz das ruas parece aumentar cada vez mais nos países desenvolvidos, colocando em risco não apenas conquistas sociais, mas a própria democracia

(Dilma Roussef, Fórum Social Mundial Temático, em Porto Alegre, janeiro 2012.)

Entretanto, os governos de estados e municípios tentam empurrar uns para os outros o custo da sustentação das tarifas.

O prefeito de S. Paulo bem pode queixar-se de que satisfazer no curto prazo só é possível com medidas populistas.  Ora, sem medidas populistas como é que se consegue garantir uma eleição?

Entretanto, os governos das grandes cidades capitularam e as tarifas continuarão como estavam. O pior é que os transportes continuarão tão maus como estavam, e o quotidiano de uma imensa maioria tão desagradável como é agora.

quinta-feira, junho 20

A originalidade brasileira

A preparação da Copa está em pleno. Até as prostitutas encaram muito a sério o acontecimento, frequentando aulas de um inglês técnico orientado para o domínio da negociação de preços, sem esquecer o jargão apropriado a diálogos sensuais e dissertação sobre fetiches.

Enquanto isso (como se diz no Brasil) está nas ruas aquela revolta a que nos habituámos a chamar primavera. Se no começo o pretexto foi a exorbitância do preço dos bilhetes de ônibus, depressa os protestos evoluíram, ainda que de um modo não organizado, para alvos de maior relevo, atacando a condução de políticas governamentais. A maior originalidade destes gritos primaveris, no entanto, é que não poupa o futebol, apontando sem rodeios o desperdício da construção de estádios. Esta faceta dos protestos tem tanto mais significado quanto é certo que o futebol é desporto e assunto de estimação no Brasil. Ainda que as manifestações e tumultos acabem por revelar inconsequentes, ninguém poderá dizer mais tarde, quando estiverem a pagar as facturas deixadas pelos elefantes de cimento, "na altura própria ninguém se queixou".

segunda-feira, junho 17

Conceitos em revisão

Ainda lá está escrito, na página do Partido Socialista: "Proponho que a UE estabeleça como objetivo para o ano 2020 que nenhum país possa ter uma taxa de desemprego superior à média europeia", afirmou António José Seguro, na sua intervenção no Fórum dos Progressistas Europeus.

Esta escrita ambígua sugere que pelo menos o redactor não está bem informado sobre o conceito de média. O mesmo se aplica aos jornalistas que transcreveram no essencial, sem pestanejar, a petite phrase que daria para partir o coco a rir na imprensa se tivesse sido dita num Fórum de Reaccionários.

De resto, os jornais foram mais longe e, pelo menos no caso do Expresso, com o título radical "Seguro quer desemprego nos Estados-membros abaixo da média da UE em 2020", estamos à beira da situação aterradora em que o valor máximo de uma amostra fica abaixo do mínimo. Se isto valer também para as temperaturas, temos o verão desfeito.

quinta-feira, junho 13

Fintar o fisco

Nos jornais espanhóis sai hoje Messi em primeira página. Messi e o pai, mais precisamente: acusados pela autoridade tributária de um delito fiscal que vale mais de 4 milhões. Tratar-se-ia de direitos de imagem, vendidos a sociedades fantasma situadas nos paraísos, e ocultação da informação relacionada.

Uma coisa banal, presume-se. Messi, o astro que ganha cerca de 30 milhões por ano, suja o nome (é assim que o El Mundo titula, em papel) por uns míseros 4. Surpreendido, Lionel vem declarar que fez tudo dentro da lei. E quem sabe? Com certeza deu instruções aos seus advogados e assessores para lhe tratarem do guito nas condições mais vantajosas, e eles percorreram os caminhos adequados, contornando os buracos convenientes.

A investigação permitirá saber mais, e decidir se Messi infringiu a lei. As defesas terão oportunidade para sustentar que a situação é simplesmente a-legal. Moralmente, a imagem posta à venda está danificada, mesmo que uma imensa multidão de simpatizantes secundarize a escapadela. E, ao lado de suspeitas que pairam sobre figuras da política, em que ao delito fiscal se adiciona o enriquecimento pela via obscura da inserção nas redes do poder, e não pelo mérito de marcar golos e pôr estádios em delírio, o futebolista acabará por sair apenas chamuscado.

 Para já, o Lionel defende-se dizendo que não sabia de nada, seguindo bons e recentes exemplos: se a Infanta não via um boi dos negócios do marido, com quem se deitava todas as noites (achamos nós), não admira que ele, Lionel, estivesse a leste do que andaram a fazer o pai e os assessores.

O El País recorda que Messi não está só, tendo havido investigações do mesmo teor sobre estrelas como Nadal e o nosso Figo.

Também o nosso Público dá conta da notícia. Tal como na maioria de outros jornais, classificam-na na secção Desporto. Só podem estar a referir-se ao desporto de fintar o fisco.

sábado, junho 8

A súbita popularidade de Carlo Crivelli

Por via de um negócio de arte que não poderia ter-se consumado sem autorização das autoridades que tutelam a cultura, Carlo Crivelli conhece uma onda de popularidade, entre nós, de fazer inveja a pintores bem mais famosos. Popularidade inteiramente merecida, de resto. Figura singular do Quattrocento, contemporâneo de Giovanni Bellini e de Andrea Mantegna, considerado nas enciclopédias como conservador e extravagante, foi um dos cultores da perspectiva e distinguiu-se pela individualidade do traço, particularmente na figuração humana. Ao contrário de Boticelli, não foi mostrado às massas através de reproduções em posters e nas tampas de caixas com chocolates.
Ora, qual não é a nossa surpresa quando descobrimos, com estupor, que tivéramos um Crivelli, e descobrimos isso precisamente quando já deixáramos de o ter. O PÚBLICO já dedicou rios de tinta ao assunto: tinta, literalmente, pois alguns dos artigos são tão extensos que só saíram em papel. Nos que ficaram online, os comentários de leitores testemunham o interesse e o choque cultural que o caso provocou.

A saída do armário das multidões de fãs de Crivelli é uma grata surpresa, ao revelar que a cultura tuguesa é requintada e não se limita ao mainstream.

Dirão alguns que se assiste, isso sim, a mais um ataque a um governo que suscita grande antipatia. E haveria razões para isso: está em pano de fundo um negócio dúbio, permitido por intervenção directa do poder. Pode ser que tudo esteja nos limites da lei, mas possivelmente não cabe nos da moral. No entanto, como as figuras notórias que maior consternação exibem não se sentiram nada incomodadas com certos negócios dúbios em passado recente, permitidos também por intervenção do poder, e configurando situações mais graves, não me restam dúvidas de que tudo se explica pela veneração que Crivelli bem merece.





quarta-feira, junho 5

E se estivesse lá Sarkozy em vez de Hollande?

Seria tudo muito diferente? Os jornalistas que não fazem favores são mesmo chatos. (No Paris Première.)

segunda-feira, junho 3

A competência matemática do país

As professoras de matemática andaram agitadas desde o fim de semana. O Expresso publicou no sábado um artigo de opinião subscrito por vários membros da Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática,  entre as quais uma das maiores especialistas em avaliação das aprendizagens. O conteúdo, confuso e pouco interessante, foca-se nas directivas anunciadas pelo ministério da educação no sentido de limitar o uso de calculadoras nos primeiros anos de escolaridade. O objectivo do artigo é concluir que o novo programa de matemática vai reduzir a escombros a "competência matemática do país".

Também a presidente da APM, preocupada com um "retrocesso de 40 anos" no ensino da matemática, confessou ao PÚBLICO o seu pessimismo. A senhora refere:

-deficiências graves ao nível da sua estrutura e lógica global, ao nível pedagógico e didáctico e o nível dos conteúdos programáticos - curiosa afirmação vinda dos apoiantes de programas anteriores, onde essas deficiências abundavam.

-não tendo em conta a investigação desenvolvida neste domínio - aquilo que é referido como investigação neste domínio caracteriza-se, frequentemente, por estudos de caso, e as conclusões são registadas num discurso de plástico onde se confunde a realidade com o olhar dos autores.

-muitos matemáticos, ao longo da história desta ciência, trabalharam produtivamente com objectos matemáticos muito antes destes estarem adequadamente definidos - isto é rigorosamente verdade, mas tal invocação neste lugar revela falta de bom senso pedagógico. Está aqui à vista um ponto fraco maior dos ideais construtivistas, também visível no artigo do Expresso. No ensino não há que repetir os passos dados pelos criadores que tactearam até ao aperfeiçoamento das ideias e das teorias. Não só porque as salas de aula não estão apinhadas de Arquimedes ou Isaac Newtons em quantidade suficiente, mas porque até os Newtons apreciam o apoio nos ombros de gigantes, para que em tempo útil consigam dar um passo avante. Se passarmos o tempo a reconstruir o passado não chegamos sequer ao presente, quanto mais ao futuro.

Estas lamentações não surpreendem. Durante muitos anos (pelo menos desde 1997) programas de matemática de muito baixa qualidade foram adoptados, com o apoio destas pessoas ou outras em posições semelhantes, pelos ministérios que estiveram em cena. Os programas em si não são um factor decisivo do sucesso: a acção individual dos bons professores, que existem apesar de tudo, é mais determinante, felizmente. Mas maus programas têm inspirando manuais deficientes, onde abundam textos incoerentes, por vezes incompreensíveis, o que não é muito bom para estudar matemática. Se os novos programas propiciarem o aparecimento de materiais de estudo com qualidade, já terão valido a pena.

segunda-feira, maio 27

A solidão limitada dos números primos

Yitang Zhang é o nome de um professor de matemática até agora sem pergaminhos. Ensina Cálculo na Universidade de Hampshire. Dedicou os últimos quatro anos a trabalhar sobre a conjectura dos "primos gémeos". Obteve um resultado importante nessa direcção, já aceite para publicação no prestigiado Annals of Mathematics. Fazendo uso dos instrumentos legados por investigadores que se tinham interessado pelo problema, Y. Zhang demonstrou que existe uma infinidade de pares de números primos tais que a diferença entre os dois elementos do par não excede 70 000 000.

Uma das circunstâncias mais interessantes desta história é o facto de se tratar de alguém praticamente desconhecido na investigação em matemática. Provavelmente afastado das grandes redes de financiamento. Talento, trabalho e disponibilidade de entrega a um problema foram os ingredientes do sucesso.

Está tudo muito bem contado aqui por Erica Klarreich.

quarta-feira, maio 22

A deriva da fé

Nicolas Maduro disse ontem, em frente de Paulo Portas, que Portugal e a Venezuela estão no mesmo continente, separados só pelo Caribe e o Atlântico. A frase soltou apupos, gargalhadas e também uma reacção de defesa, no twitter e em variados sites.

A gaffe, se o é, é pouco interessante em si: facilmente se interpreta no sentido figurado de uma cooperação desejada. Interessante é o conjunto das reacções, sintoma de uma Venezuela dividida e da antipatia de que o presidente actualmente goza (um pouco como sucede entre nós relativamente a quase tudo o que mexe na área do actual governo). Mas isto é o que dá as pessoas revelarem conversas havidas com pássaros.

Curioso também é constatar a que ponto chega a fé dos defensores. Embarcando numa discussão inútil e pateta, um chavista dá aqui a sua interpretação em comentário: Maduro estaria a referir-se à deriva dos continentes e a um tempo em que Portugal e Venezuela estavam unidos. Não há dúvida de que a fé move placas.

segunda-feira, maio 20

Wharol e latas no Colombo


O Colombo tem uma mostra de arte. São umas coisas de Andy Wharol, penduradas no interior de uma curiosa estrutura construida a partir do empilhamento de latas cilíndricas reluzentes. É caso para dizer, sem publicidade nem sarcasmos, que o continente é mais surpreendente do que o conteúdo.

Wharol é um autor sobrevalorizado mas merece-o, tal como o público que o entronizou o merece (e eu não estou de fora). Para sossego da cabeça, gosta-se de olhar para uns quadros ou outros coisos sem ambições de complexidade e espessura, que permitem soltar um "ah! que giro" mesmo que olhá-los mais de cinco minutos se torne uma seca. Além disso, ele teve a Fábrica, a Nico e uns filmes também giros e provocadores. Na sua pintura, a banalidade ganhou o direito ao pódio e a máscara de uma profundidade naif. O talento de Wharol foi mais o de saber mover-se no ambiente certo no tempo certo, parasitando o star system e as vedetas pop vestidas de underground e reencenadas numa decadência glamourosa, produzindo uma arte de olhar fixo no próprio umbigo mas harmoniosamente entrosada nos gostos da élite popular na transição dos anos 60-70, e criando um nicho de requinte soft nesses gostos.

São giras, as latas empilhadas no Colombo.

quinta-feira, maio 16

Titulações

Diverte-me a arrumação que a imprensa faz das notícias. No El Mundo de hoje, o relato de que Maradona apedrejou jornalistas na auto-estrada vem na secção "Desporto". No Público de há dois dias, a mastectomia* de Jolie aparece na secção "Cultura".

* não deveriam escrever mastetomia? Que sorte a das palavras menos ditas, escapam à foice do acordo.

segunda-feira, maio 13

Olhares sobre Terrugem

Terrugem é uma freguesia de Elvas com cerca de 1200 habitantes. A informação disponível refere a existência de actividade económica baseada em artesanato e peles. É também ponto de atracção turística e gastronómica, com um restaurante bem classificado pela clientela (A Bolota), num espaço que também possui piscinas e campos de ténis. Naturalmente, os espanhóis são parte importante da afluência.

Está-se bem em Terrugem, com certeza. Está-se bem na Bolota. Qualquer par de horas passado em contemplação da paisagem e da luz do Alentejo, na entrega aos sabores voluptuosos da comida, vai direitinho para a zona das memórias doces.

Pode-se, no entanto, contemplar com olhares distintos. Há pelo menos o olhar encantado, enlevado de Joaquim Folgado e a visão interrogativa de Juan Luis Martínez-Carande, que se confessa surpreendido, ou talvez não, pela grande piscina em construção, com suporte de fundos públicos, em pleno 2013. Parece que o investimento valerá 600 mil euros. A não ser que fechem as piscinas de Elvas para desviar banhistas, o Juan Luis terá razão: vamos ter os banhos mais caros do mundo.

domingo, maio 12

Os saberes online e os nomes dos bois

Quer estudar Circuitos e Electrónica, Saúde e Ambiente, Introdução à Mecânica, Estatística, Filosofia Política? Agora tem à disposição cursos das melhores universidades (MIT, Harvard...) inteiramente grátis. Chamam-se MOOCs (massive open online courses).

Este prodígio do nosso tempo não é do agrado de todos. Os professores do departamento de Filosofia da Universidade de San José, pressionados para utilizar um MOOC de M. Sandel, professor de Harvard, não ficaram nada entusiasmados com a ideia. Reagiram publicamente com uma carta a Sandel, também ela aberta, como os novos cursos. As razões dos professores são mais do que previsíveis: não se põe em causa a competência de Sandel mas, por um lado, há em San José corpo docente igualmente competente e, por outro, os estudantes tiram melhor partido do contacto com professores vivos na sala de aula. Cursos enlatados serão um passo no caminho do pensamento monolítico e uniformizado, que é o contrário do que numa universidade se pretende. A generalizar-se a adopção dos enlatados, acabará por criar-se uma divisão das universidades em duas categorias: uma, para os privilegiados que podem pagar aulas presenciais e beneficiar da constante discussão e actualização científica, e outra menos valorizada, para os que só podem aceder a uma tele-escola de conteúdos petrificados.

Os signatários sabem perfeitamente quais são as intenções e o que está em risco, e convidam a que os bois sejam chamados pelos nomes. Invocam-se benefícios pedagógicos quando se faz contratos de utilização de MOOCs, mas não se consulta o departamento nem as coordenações de curso? Está-se, sim, a reestruturar a universidade, pressionada para admitir cada vez mais estudantes e privilegiar a formação em cursos de maior empregabilidade. A opção parece clara: precinda-se dos professores, essa mão de obra tão cara, e comece-se, para já, pela área de Humanidades.

Os argumentos têm sentido e são razoáveis, mas é impossível não ler também, na carta aberta, a preocupação com a perda de lugares bem remunerados. Todos os bois merecem nomes. O mundo é um lugar onde sucedem coisas bastante desagradáveis, como fazer face aos custos elevados de certos bens.

terça-feira, abril 16

Des mensonges pour tous

O ímpeto moralizador do presidente Hollande acaba de proporcionar ao mundo um inesperado episódio de voyeurismo. Talvez Hollande tenha dado também um pontapé na parede, já agora.

O que está em causa é mais do que a simples constatação de que se pode ser rico e de esquerda -- coisa que toda a gente sabe e não merece qualquer observação. É ambíguo o conceito de "rico", e é complicada a leitura dos dados, porque, mesmo se nos limitarmos ao inferno fiscal das contas declaradas, há esposos e esposas, filhos e filhas, decisões familiares. O problema é estarmos a descobrir que se pode estar na carreira política, em certos casos há anos, e andar perto da indigência. Está bem que sairam do armário 20% de milionários entre os ministros, mas que pensar dos que não declaram quase nada e têm na conta corrente umas parcas centenas de euros (ministro do interior, por exemplo), tão pouco que até nos aflige imaginar como chegarão ao fim do mês? A ministra da justiça declara 3 bicicletas mas tem outros bens que se vejam; já o do trabalho tem uns apartamentos mas anda de Clio como eu (uma coisa indigna, bem reprovada pelo nosso bom Assis). Outros não têm nada de nada (ministra da ecologia) ou têm tão pouco ou estão de tal modo endividados que, calculado o saldo, fico a pensar na sorte que tenho em não estar na pele deles.

O assunto é muito sério. Se isto continua, há o risco de os franceses pensarem que estão a ser governados por alguns insolventes. E a querer que se investigue a hipótese de haver empobrecimento ilícito.

Sem ironias, e a julgar pelo grosso dos comentários nos sítios dos jornais, os franceses não engoliram bem o resultado da operação moralizadora, que acaba por parecer um devio de atenção do escândalo recente que, de resto, todo este coming-out não evitaria.

sábado, abril 13

Palavras estropiadas

Há palavras com pouca sorte. Quando certas classes de utilizadores as descobriram e as integraram nos seus dicionários, perderam significado e passaram a falar de si próprias. Integradas em construções feias ou à beira da incorrecção sintática, tal foi o destino de locuções que alimentam o jornalês e o comentarês:

no contexto
contextualizar
significativo
estar em cima da mesa
estruturante
não se compadecer com

Um dos casos mais interessantes é a frequente substituição do dizer ou afirmar por outros verbos mais contundentes:

X acusa
X arrasa
X alerta

O verbio alertar, um dos mais mal tratados, surge com frequência seguido (mal) de que. É incrível a quantidade de alertas que por aí proliferam. Tantos, que obviamente não podemos concentrar-nos em nenhum: andar em permenente estado de alerta é o mesmo que que nada. Ainda ontem o PÚBLICO deixava dois. O verbo sofreu uma subtil alteração semântica, porque a sua utilização é predominante quando o conteúdo do alerta está de acordo com aquilo para que se adivinha que o próprio jornalista gostaria de alertar. Seguro alerta, Soares alerta, Sampaio alerta, Cavaco alerta, Passos alerta... o Google tem muito para contar.

Outra aquisição do comentarês, trazida à cena nos anos recentes, é a narrativa. É bonita palavra e tem ressonância muito culta, com provas dadas na crítica literária, na História e na Sociologia. Suporta-se em doses parcimoniosas, homeopáticas. O novo comentador da RTP1, desastradamente, arrasou-a (agora sim, é caso para dizer). Nos tempos mais próximos ninguém usará o infeliz vocábulo sem uma desculpa prévia ou sem receio de algum ridículo.


domingo, abril 7

Perigoso e fascinante

Coreia do Norte: um rapazola com um cabeleireiro caprichoso posa para o fotógrafo ora a ler mapas, ora a olhar pelos binóculos. Tem mísseis e armas atómicas, e uma tia e um tio que, para além do negócio dos hamburgers, têm experiência em jogos perigosos.

Espanha: depois de Bárcenas e dos ERES de Andaluzia, o caso Urdangarin acaba por atingir a infanta, que um juiz veio com todo o cuidado reabilitar como não idiota, apontando-a como presumível implicada que percebia e colaborava. Torres, o sócio queimado, defende-se como pode lançando cocktails que explodem na casa irreal. A última série anunciada de e-mails prontos a sair contém umas porcarias que poderão levar a infanta a libertar-se pelo divórcio.

França: um ministro das finanças desvia uns milhões e falsifica uma declaração fiscal. Há quanto tempo estavam ao corrente as figuras gradas do poder? Isto está bonito.

Portugal: o estilhaço de Relvas, logo nas vésperas da estreia daquele comentador que só tem uma conta bancária, mais parecia uma partida desagradável -- Relvas imola-se para provocar desconforto e irritação no comentador, a quem falar de licenciaturas deverá provocar alergia. (Isto é a brincar: os factos mostram como entre Relvas e novo comentador o plano é de harmonia.) A crise aberta ontem vem em auxílio do comentador, que assim poderá concentrar-se no que chamará assuntos que verdadeiramente interessam. Entretanto, os riscos no futuro próximo são mais que muitos. E para além dos riscos antevê-se um massacre para os ouvidos: a reposição prematura em cena do discurso eleitoralista fora do prazo, essa forma de insuportável poluição sonora com que as mesmas figuras de sempre se estarão a preparar para nos dar música requentada. Tirem-nos do filme!

domingo, março 31

Livraria?

Conta o PÚBLICO que a Livraria Lello vai cobrar entradas. Parece que já há indignações mas também aplausos.

Quando vou ao Porto, a minha rota de trabalho passa pela Lello e entro sempre. Declaro já que não vou lá há dois anos e portanto a minha impressão pode estar desactualizada. O problema com a Lello está mal posto: aquilo é mais uma escada deslumbrante do que uma livraria. Sim, tem livros, mas se se pretender encontrar algum mais arredado das estantes, duvido que seja lá.

A Lello é uma livrariazinha, e nisto infelizmente não está só entre as suas congéneres portuguesas. Já tivemos em tempos uma Buccholz desarrumada mas bem fornecida, e alguns nichos de especialidade na zona do Chiado. Actualmente, quase todas as procuras que não comecem na fnac arriscam-se a ser perdas de tempo. Esta circunstância marca Portugal e é facilmente verificável. Cidades de dimensão modesta em Espanha ou Itália têm livrarias mais bem apetrechadas em matéria de conteúdo do que as de Lisboa ou Porto. Passe-se a fronteira e compare-se. Basta ir a Badajoz ou a Santiago de Compostela.

Os turistas vão à Lello contemplar e subir a escada, pronto.





sábado, março 30

Incertezas e calafrios

Ou porque esteve uns dias sem medicação, ou porque Kim III ou alguém por ele quer afirmar-se, a guerra está declarada.  As agências oficiais divulgam fotografias do menino Kim em reunião com militares. Aparece nalgumas a estudar uns mapas. Os alvos nos Estados Unidos já estão escolhidos e incluem Austin, cidade de sentir democrático e onde está instalada uma sede importante da Samsung, um dos símbolos do sucesso da outra Coreia. É impossível saber que quantidade de medo devemos ter destas ameaças. Apesar da pose grotesca, de os generais estarem vestidos como nos filmes dos anos 40, e de continuarem a filmar multidões reais sem truques de computador nem efeitos especiais, eles têm armas nucleares. Podem não ser o último modelo, mas ardem na mesma. Pior do que nós, simples espectadores, não sabermos, é a sensação que paira de que ninguém sabe. Tal como se ignora a dimensão do crédito interno do regime. Video: Daily Telegraph

domingo, março 24

As petições

Passados agora quatro dias sobre o arranque da petição de recusa, seguido da que é a favor, confirma-se a tendência de grande avanço da primeira. O facto é interessante (mais do que pelo valor facial das posições em cena) pelo que revela do desprestígio do anterior PM. É que a modéstia das prestações dos "a favor" tem que ter a sua explicação na indiferença de muitos votantes socialistas a respeito da causa. Ontem, Inês Pedrosa twittava que nas listas da primeira petição eram só Braganças e tal (a tendência para explicar os factos desagradáveis a partir de conspirações ou cabalas de um pequeno grupo...) mas a realidade não sustenta nada disso. Pelo contrário, o que julgo poder-se inferir é que os que estão a exprimir-se na petição "a favor" estão no núcleo duro de socratistas que inclui parte importante do aparelho partidário e se estende a franjas de admiradores que possuem fé inabalável no ex-líder. Mas presumo que já não representam nem os futuros votantes no PS em eleições próximas.

Para além dos maus resultados de governo, consta  do legado do ex-PM o envolvimento em múltiplos episódios, nunca convenientemente explicados, onde se exibem comportamentos que com candura podemos classificar como apenas moralmente reprováveis. A ausência de acusações formais não impede as pessoas de formarem as suas próprias convicções sobre o que vão sabendo, porque as coisas fazem mais sentido numa versão do que noutras.

A censurabilidade do comportamento, mesmo em episódios como o da licenciatura "fast", é demolidora porque põe fortemente em causa a sinceridade e as boas intenções na acção política. Este facto pode ser um importante factor de desgaste de imagem, não só do actor principal, mas também do núcleo duro do partido que gravita à sua volta, e salpica mesmo outros que nunca desse núcleo se demarcaram.


Nota. No momento em que se publica este post, as subscrições somam, respectivamente, 121757 e 6860 nomes.

domingo, março 3

Send in the clowns

A situação político-teatral em Itália motivou este título recentemente no WSJ e no Economist. O mote é uma canção de Stephen Sondheim que fala de outras coisas. Aqui fica recordada, a pretexto.