As professoras de matemática andaram agitadas desde o fim de semana. O Expresso publicou no sábado um artigo de opinião subscrito por vários membros da Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática, entre as quais uma das maiores especialistas em avaliação das aprendizagens. O conteúdo, confuso e pouco interessante, foca-se nas directivas anunciadas pelo ministério da educação no sentido de limitar o uso de calculadoras nos primeiros anos de escolaridade. O objectivo do artigo é concluir que o novo programa de matemática vai reduzir a escombros a "competência matemática do país".
Também a presidente da APM, preocupada com um "retrocesso de 40 anos" no ensino da matemática, confessou ao PÚBLICO o seu pessimismo. A senhora refere:
-deficiências graves ao nível da sua estrutura e lógica global, ao nível pedagógico e didáctico e o nível dos conteúdos programáticos - curiosa afirmação vinda dos apoiantes de programas anteriores, onde essas deficiências abundavam.
-não tendo em conta a investigação desenvolvida neste domínio - aquilo que é referido como investigação neste domínio caracteriza-se, frequentemente, por estudos de caso, e as conclusões são registadas num discurso de plástico onde se confunde a realidade com o olhar dos autores.
-muitos matemáticos, ao longo da história desta ciência, trabalharam produtivamente com objectos matemáticos muito antes destes estarem adequadamente definidos - isto é rigorosamente verdade, mas tal invocação neste lugar revela falta de bom senso pedagógico. Está aqui à vista um ponto fraco maior dos ideais construtivistas, também visível no artigo do Expresso. No ensino não há que repetir os passos dados pelos criadores que tactearam até ao aperfeiçoamento das ideias e das teorias. Não só porque as salas de aula não estão apinhadas de Arquimedes ou Isaac Newtons em quantidade suficiente, mas porque até os Newtons apreciam o apoio nos ombros de gigantes, para que em tempo útil consigam dar um passo avante. Se passarmos o tempo a reconstruir o passado não chegamos sequer ao presente, quanto mais ao futuro.
Estas lamentações não surpreendem. Durante muitos anos (pelo menos desde 1997) programas de matemática de muito baixa qualidade foram adoptados, com o apoio destas pessoas ou outras em posições semelhantes, pelos ministérios que estiveram em cena. Os programas em si não são um factor decisivo do sucesso: a acção individual dos bons professores, que existem apesar de tudo, é mais determinante, felizmente. Mas maus programas têm inspirando manuais deficientes, onde abundam textos incoerentes, por vezes incompreensíveis, o que não é muito bom para estudar matemática. Se os novos programas propiciarem o aparecimento de materiais de estudo com qualidade, já terão valido a pena.
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