Por via de um negócio de arte que não poderia ter-se consumado sem autorização das autoridades que tutelam a cultura, Carlo Crivelli conhece uma onda de popularidade, entre nós, de fazer inveja a pintores bem mais famosos. Popularidade inteiramente merecida, de resto. Figura singular do Quattrocento, contemporâneo de Giovanni Bellini e de Andrea Mantegna, considerado nas enciclopédias como conservador e extravagante, foi um dos cultores da perspectiva e distinguiu-se pela individualidade do traço, particularmente na figuração humana. Ao contrário de Boticelli, não foi mostrado às massas através de reproduções em posters e nas tampas de caixas com chocolates.
Ora, qual não é a nossa surpresa quando descobrimos, com estupor, que tivéramos um Crivelli, e descobrimos isso precisamente quando já deixáramos de o ter. O PÚBLICO já dedicou rios de tinta ao assunto: tinta, literalmente, pois alguns dos artigos são tão extensos que só saíram em papel. Nos que ficaram online, os comentários de leitores testemunham o interesse e o choque cultural que o caso provocou.
A saída do armário das multidões de fãs de Crivelli é uma grata surpresa, ao revelar que a cultura tuguesa é requintada e não se limita ao mainstream.
Dirão alguns que se assiste, isso sim, a mais um ataque a um governo que suscita grande antipatia. E haveria razões para isso: está em pano de fundo um negócio dúbio, permitido por intervenção directa do poder. Pode ser que tudo esteja nos limites da lei, mas possivelmente não cabe nos da moral. No entanto, como as figuras notórias que maior consternação exibem não se sentiram nada incomodadas com certos negócios dúbios em passado recente, permitidos também por intervenção do poder, e configurando situações mais graves, não me restam dúvidas de que tudo se explica pela veneração que Crivelli bem merece.
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