sábado, abril 13

Palavras estropiadas

Há palavras com pouca sorte. Quando certas classes de utilizadores as descobriram e as integraram nos seus dicionários, perderam significado e passaram a falar de si próprias. Integradas em construções feias ou à beira da incorrecção sintática, tal foi o destino de locuções que alimentam o jornalês e o comentarês:

no contexto
contextualizar
significativo
estar em cima da mesa
estruturante
não se compadecer com

Um dos casos mais interessantes é a frequente substituição do dizer ou afirmar por outros verbos mais contundentes:

X acusa
X arrasa
X alerta

O verbio alertar, um dos mais mal tratados, surge com frequência seguido (mal) de que. É incrível a quantidade de alertas que por aí proliferam. Tantos, que obviamente não podemos concentrar-nos em nenhum: andar em permenente estado de alerta é o mesmo que que nada. Ainda ontem o PÚBLICO deixava dois. O verbo sofreu uma subtil alteração semântica, porque a sua utilização é predominante quando o conteúdo do alerta está de acordo com aquilo para que se adivinha que o próprio jornalista gostaria de alertar. Seguro alerta, Soares alerta, Sampaio alerta, Cavaco alerta, Passos alerta... o Google tem muito para contar.

Outra aquisição do comentarês, trazida à cena nos anos recentes, é a narrativa. É bonita palavra e tem ressonância muito culta, com provas dadas na crítica literária, na História e na Sociologia. Suporta-se em doses parcimoniosas, homeopáticas. O novo comentador da RTP1, desastradamente, arrasou-a (agora sim, é caso para dizer). Nos tempos mais próximos ninguém usará o infeliz vocábulo sem uma desculpa prévia ou sem receio de algum ridículo.


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