O ímpeto moralizador do presidente Hollande acaba de proporcionar ao mundo um inesperado episódio de voyeurismo. Talvez Hollande tenha dado também um pontapé na parede, já agora.
O que está em causa é mais do que a simples constatação de que se pode ser rico e de esquerda -- coisa que toda a gente sabe e não merece qualquer observação. É ambíguo o conceito de "rico", e é complicada a leitura dos dados, porque, mesmo se nos limitarmos ao inferno fiscal das contas declaradas, há esposos e esposas, filhos e filhas, decisões familiares. O problema é estarmos a descobrir que se pode estar na carreira política, em certos casos há anos, e andar perto da indigência. Está bem que sairam do armário 20% de milionários entre os ministros, mas que pensar dos que não declaram quase nada e têm na conta corrente umas parcas centenas de euros (ministro do interior, por exemplo), tão pouco que até nos aflige imaginar como chegarão ao fim do mês? A ministra da justiça declara 3 bicicletas mas tem outros bens que se vejam; já o do trabalho tem uns apartamentos mas anda de Clio como eu (uma coisa indigna, bem reprovada pelo nosso bom Assis). Outros não têm nada de nada (ministra da ecologia) ou têm tão pouco ou estão de tal modo endividados que, calculado o saldo, fico a pensar na sorte que tenho em não estar na pele deles.
O assunto é muito sério. Se isto continua, há o risco de os franceses pensarem que estão a ser governados por alguns insolventes. E a querer que se investigue a hipótese de haver empobrecimento ilícito.
Sem ironias, e a julgar pelo grosso dos comentários nos sítios dos jornais, os franceses não engoliram bem o resultado da operação moralizadora, que acaba por parecer um devio de atenção do escândalo recente que, de resto, todo este coming-out não evitaria.
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