sexta-feira, julho 29

terça-feira, julho 26

Dos direitos em abstracto às políticas concretas

Há poucos dias escrevi sobre a Xis a brincar. Hoje volto a escrever motivado pela Xis, mas o assunto é sério.

No último sábado, a revista organizou uma série de artigos sobre homossexualidade. Incluiu declarações de Miguel Vale Almeida, com destaque para a frase: "Achei muito cedo que tinha todo o direito a ser homossexual."

Que há nisso de extraordinário, perguntará quem está a ler. À primeira vista nada, porque felizmente vivemos num lugar e num tempo em que é reconhecido a cada um o direito de viver a afectividade de acordo com o que sente por dentro e não segundo uma imposição social. Em segunda leitura, no entanto, chama-me a atenção a falta de rigor implícita ao omitir-se que um direito só existe ligado a um lugar e a um tempo. É útil e importante afirmar os direitos e lutar por eles mesmo quando parecem apenas utopias, mas na ausência de determinadas condições de evolução social eles permanecem isso mesmo - utopias. A bem da clareza, o Professor de Antropologia poderia ter dito: "Pude afirmar-me homossexual desde muito cedo porque tive a sorte de nascer na Europa ocidental, na segunda metade do século 20." Bem sabemos que continua a haver incompreensões, intolerâncias e até perseguições por parte de alguns grupos, mas o certo é que, exceptuados casos pontuais, a referida "afirmação" não envolve riscos significativos.

O autor da frase sabe muito bem que ela seria completamente desprovida de sentido se o lugar e o tempo fossem os da URSS, Cuba, certos países africanos, ou países muçulmanos nos nossos dias (o que se passou há uma semana no Irão é elucidativo)...

Na Europa, ou, se quisermos ser mais abrangentes, no "ocidente", onde a herança clássica e cristã moldou a civilização que porventura mais respeita o indivíduo (além de permitir acesso a bens materiais a uma larga maioria da população) é possível, felizmente, afirmar características pessoais que noutros sítios podem valer uma sentença de morte. Trata-se de uma circunstância, entre muitas, que deveriam ser suficientes para alinharmos na defesa do nosso modelo - mesmo que possamos reconhecer-lhe imperfeições e erros - em vez de o subestimarmos pela óptica multiculturalista em voga.

Só para dar um outro pequeno exemplo: em que outro mundo seria possível fazer carreira profissional investigando sobre género, sexualidade e corpo? Também aqui o lugar e o tempo não são indiferentes. Foram as universidades dos países anglo-saxónicos, de resto, que conferiram estatuto científico a tais matérias...

Estas omissões não me parecem inocentes. Elas são condicionadas por preconceitos ideológicos que se traduzem em atitudes políticas nocivas. Cada cidadão é livre de se posicionar ao lado das forças que criticam a necessidade da luta contra terroristas que pretendem transformar todo o mundo num imenso pesadelo islâmico; se o faz é porque desvaloriza completamente a ameaça. Paradoxalmente, a nossa sociedade gerou em si o melhor aliado do seu inimigo mais mortal: um aliado que até lhe fabrica argumentos. A Al-Qaeda forjou e tirou espectacular partido do 11 de Março não por Aznar ter apoiado a invasão do Iraque, mas principalmente porque no dia 14 ia a votos um grande partido que defendia posições que os terroristas souberam comprar e capitalizar como suas. Ao fazer o jogo do inimigo, colocamo-nos na sua mira.

Também por isso discordo do Professor por a candidatura de Soares lhe merecer apenas um bocejo: acho que é motivo de grande inquietação.

Carpaccio




Cristo morto sustido por anjos

domingo, julho 24

Acho que eles não estão a ver o problema

Com o país à beira da falência e a arder, e com o mundo à volta mergulhado em incerteza e insegurança, eles acham que o problema é que X esteja disponível para enfrentar Y, ou que Z venha afirmar o seu apoio a W. Como se as suas figurinhas é que determinassem o jogo. Têm um grande ego estes políticos. Os jornais e as rádios e tvs alimentam-nos. Ou lhes está a escapar alguma coisa a eles, ou me está a escapar a mim.

Cegueiras

Este ano passou o 30º aniversário da proclamação da República Democrática do Cambodja por Pol Pot. Nos quatro anos que se seguiram, o regime de terror que se instalou foi aniquilando metodicamente a população do país, que reduziu de praticamente 1/4.

O anti-americanismo era então galopante na Europa, particularmente em resultado da guerra do Vietname. Apesar dos testemunhos do horror, a imprensa saudou e apoiou o déspota e calou o genocídio. A universidade e alguns dos seus gurus, ainda hoje muito apreciados em certos meios políticos, deram o seu contributo para uma visão distorcida que se impôs durante mais tempo do que seria razoável, se uma cegueira colectiva não tivesse atacado em força as elites bem pensantes da Europa e também da América.

Hoje, as nossas rádios e jornais falam frequentemente de "resistentes" quando referem os grupos de criminosos que se dedicam a fazer ir pelos ares os seus próprios compatriotas no Iraque.

quinta-feira, julho 21

falta de tempo entrevista Luarinda Elvas

Praí uns 20% dos leitores deste blog, isto é, 6, já terão notado que uma das nossas embirrações de estimação é a Xis, que somos obrigados a comprar com o PÚBLICO ao sábado. Andávamos por isso há muito tempo a tentar obter uma entrevista imaginária com a directora. Finalmente aconteceu.

FT: Luarinda, pode explicar ao FT como teve a ideia de pôr em causa o mito da importância da beleza física na felicidade e no sucesso?

LE: É todo um projecto de renovação editorial que temos em vista. Quer nos artigos de fundo quer nos que dedicamos aos cuidados com o sol e a pele vamos passar a valorizar a beleza interior, utilizando fotografias de gente bonita por dentro, apenas. Já abrimos concurso de casting.

FT: Isso é interessante.

LE: Sim, é um conceito totalmente novo que vai ter impacto noutras áreas. A produção de novelas para a TVI já nos comprou a ideia. A próxima telenovela já vai ser filmada com aparelhos de raios X em vez do vídeo convencional.

FT: Adiante. Que comentário faz sobre os boatos de que é a própria Luarinda que escreve as cartas das leitoras?

LE: É verdade. Eu costumo fazer tudo. Costumo escrever inclusivamente a coluna do Dr Çampaio, que por troca escreve o editorial.

FT: Não me diga que também escreveu o prefácio do Prof. Morcela para o seu livro.

LE: Por acaso escrevi. O que ele escreveu foi o livro, mas achou que era mais prestigiante aparecer como prefaciador, e o editor apoiou a ideia.

FT: Que nos vão proporcionar os próximos números da Xis?

LE: Além de muitas fotos de pulmões, colunas vertebrais e ilíacos, vamos incluir várias ecografias renais e prostáticas trans-rectais. Teremos um dossiê organizado pela Dra Ana Conivente sobre o ensino da auto-estima desde o 1º ciclo do básico, com a proposta de que as crianças aproveitem o recreio para lavar carros na área escola.
Não sei se fui clara.

FT: Como a luz do dia, Luarinda. Quer deixar alguma mensagem para os leitores do FT?

LE: Eu tenho tempo para tudo, tal como o Dr Çampaio e o Prof. Morcela. Por isso não tenho nada a dizer.

quarta-feira, julho 20

Edvard Munch



Leito de morte

Canção sobre a morte das crianças

Nun will die Sonn' so hell aufgeh'n
Als sei kein Ungluck die Nacht gesche'n.
Das Ungluck geschah nur mir allein;
Die Sonne, sie scheinet allgemein!

O sol acorda agora, brilhante
Como se a tragédia da noite não tivesse acontecido.
A tragédia caiu apenas sobre mim
Mas o sol continua a brilhar para todos!

terça-feira, julho 19

Alonso Cano



Cristo morto sustido por um anjo

domingo, julho 17

Deslocalização do medo

Pronto, já fui ver a Guerra dos Mundos. Resultado: Spielberg vai ser riscado da minha lista de favoritos. O texto inicial narrado por Morgan Freeman parece a antecâmara de uma cerimónia que se descobre não existir. Por muito competente que seja a produção de alguns efeitos especiais, o desastre do argumento afunda o projecto. Mais importante do que isso, o filme é vítima da deslocalização do medo no mundo e no tempo em que vivemos. O realizador não previu que os efeitos devastadores da realidade iriam transformar a sua fabricazinha de terror num brinquedo inocente. Como se os onzes de setembro e março não bastassem, King's Road, em 7 de Julho, dias depois da estreia do filme, veio tornar irrisórios os trípodes comilões que parecem saídos de um saldo de material concebido para um filme série B nos anos 80 ou 90. Em contraste com o medo que nos gela em 2005, Spielberg serve-nos maquinaria de pechisbeque e destruição apoiada no espalhafato do dolby digital 5.1.

sábado, julho 16

Ciência de noticiário

-Rotação de 360 graus no modo como encaramos o excesso de peso é a notícia de abertura deste jornal. Temos em directo o Dr. Gerónimo Maldade, que coordenou o estudo a que nos referimos, para nos ajudar a compreender em que medida peso e gordura estão relacionados de uma maneira inesperada na população portuguesa. Dr Maldade bom dia,
-Bom dia,
-Quer então falar-nos das conclusões principais do seu estudo?
-Bem, este estudo envolveu vários investigadores e técnicos do nosso instituto, que trabalham há mais de dois anos na observação e análise de dados de uma amostra muito significativa da população portuguesa e dos Açores. A conclusão mais relevante é que, ao contrário do que o senso comum poderia fazer crer, o peso dos indivíduos varia na proporção inversa da sua gordura. Por exemplo, mais de 83% de indivíduos com perímetro de cintura superior a 130cm apresentam peso inferior a 59kg.
-Não se observaram variações dependentes de sexo ou idade?
-Posso garantir-lhe categoricamente que não. Esta correlação inversa é absolutamente transversal. Temos agora a certeza de que é uma característica genética nacional.
-Tem alguma interpretação teórica para este resultado tão surpreendente?
-Estamos a elaborar fundamentos para uma explicação. Não entro em detalhes de natureza técnica que seria complicado expor aqui, mas posso avançar que o facto parece estar relacionado com o excesso de auto-estima.
-Como assim?
-Assim mesmo: demasiada atenção dada ao automóvel e menos exercício físico acarretam rarefacção e aumento de porosidade dos tecidos.
-E como se poderá explicar que as coisas tenham até agora sido percebidas completamente às avessas?
-Temos outra teoria para isso e estamos a trabalhar nela. Há experiências que revelam anomalias no modo como percebemos e interpretamos dados numéricos. Estamos convencidos de que o caso do défice terá uma explicação análoga.
-Obrigado, Dr Maldade. 6,72 incêndios continuam a consumir floresta, vamos actualizar as informações, Esteves Caramelo.

Mau desempenho em português

Como se não bastasse já a humilhação nacional que constitui a divulgação de maus resultados nos exames de matemática, temos ainda de aguentar o mau português com que o fenómeno costuma ser descrito, nas rádios e nos jornais. Expressões como "más notas a matemática" não são correctas: a preposição a só está verdadeiramente bem empregue quando seguida por um verbo. Experimente-se comparar com uma frase menos caída na rotina, como "o tipo é mau a futebol", para observar que o uso da proposição em é que seria correcto.

As meninas que escrevem sobre educação no PÚBLICO repetem sistematicamente este pequeno erro. Na edição de hoje lá se encontra: "o mau desempenho dos alunos a esta disciplina..."

sexta-feira, julho 15

Aventuras da voz


Meredith Monk: Facing North

Seis vírgula nove

Não entremos em pânico: não é o défice revisto em alta nem aproximado a décimas. É a média do exame nacional de matemática do 12º ano.

Bellini


Cristo morto sustido por anjos

quinta-feira, julho 14

Os desastres da matemática

Os desastres a que se tem feito referência em relação com resultados de exames de matemática não têm nada de extraordinário. Pelo contrário, eram perfeitamente previsíveis.

Tanto quanto podemos inferir pelo enunciado do teste, que, de acordo com a insuspeita APM, respeita o espírito do programa, se os alunos tivessem adquirido os conhecimentos que supostamente lhes terão sido transmitidos até ao 9º ano, não assistiríamos, ano após ano, aos outros desastres a que estamos habituados: alta taxa de abandono no 10º ano e más notas no exame do 12º ano para aqueles que conseguem lá chegar.

Ao efeito pernicioso das ideologias pedagógicas que campeiam no nosso ensino desde há uns 30 anos, é preciso adicionar o carácter pouco sério da avaliação constituída por estes exames (apesar de constituirem já um passo ousado! ao que chegámos). Se eles tivessem uma importância comparável aos do 12º ano, por um lado os professores teriam um maior empenho em cumprir os programas, e por outro os alunos teriam maior motivação para se prepararem.


Os apóstolos das modernas ideologias pedagógicas, os tais que se exprimem em eduquês ( e que têm prudentemente "baixado a bola" perante a dimensão do desastre) não vão desistir. Preparemo-nos para as suas justificações: eles vão começar a dizer que se as coisas correram mal é porque as medidas que preconizavam não chegaram a ser efectivamente postas em prática, por falta de apoio de todos e mais alguém. É só esperar.


NOTA. Não é demais sublinhar o escândalo de vir essa obscura organização com o nome inacreditável de instituto da inteligência (mas de onde esta parece ausente) impingir uma "explicação" genética para o desastre. Pensem só no burburinho que se levantaria se em vez da raça portuguesa fosse a raça negra o objecto do "estudo". E meios de comunicação, habitualmente tão politicamente correctos, debitam e calam.

sábado, julho 9

"Então os órgãos de soberania podem fazer greve?"

Uma das perguntas que deixei aqui é repetida, hoje, no PÚBLICO, por Jorge Miranda.

Teatrinho radiofónico (com homenagem a Saramago)

Investimentos Loucos bom dia, Bom dia, era por causa de um pedido novo, Então que proposta de investimento nos traz, É pouca coisa, queria um aeroporto novo para Lisboa, Um aeroporto novo, então o velho já não lhe serve, Não, prevejo que vou ficar saturado dele até 2010, Ah, pois, caprichos seus, e é só isso, Bem, se fosse possível queria também um TGV para ir passar os fins de semana a Vigo, Então, mas tem uma autoestrada tão boa, Pois, mas o trânsito em Vigo dá-me cabo da cabeça, detesto levar o carro, Estou a ver, outro capricho, vamos então ao questionário propriamente dito, o seu nome, Tertuliano Minimáximo, Profissão, Primeiro ministro, Ah, bem me parecia que reconhecia o seu tom de voz, mas o seu nome não é esse, Como sabe, eu nunca disse até quando o outro nome seria válido, e estou em condições de prometer que manterei este até ao fim deste ano, Temos aí um problema, só aceitamos propostas cujo titular mantenha o nome durante pelo menos 18 meses, Não está a perceber, daqui a 18 meses já não vou querer nada disto.

PS: A rádio portuguesa é, de um modo geral, tão desinteressante, que alguns spots publicitários estão entre o melhor que lá se ouve. A sério.

sexta-feira, julho 8

Quiz

(com a vénia ao ARMAVIRUMQUE)

Below are assembled nine quotes taken from two sources. The first source is the press office of Nazi Germany with statements issued on June 22, 1940 upon the surrender of France to Axis powers. The second source is the press office of The Secret Organization of al-Qaida in Europe with statements issued on July 7, 2005 upon the terror attacks on the transportation system of London. Take this quiz and see if you can tell the difference between these two organizations (answers below):
1) "There is only one remaining foe to world peace ... and that is the naked and brutal power politics of Britain. Of this the peace-loving nations of the world are fully aware."

2) "We warned the British government and the British people repeatedly."

3) "The time has come for vengeance against the Zionist crusader government of Britain in response to the massacres Britain committed."

4) "It is now the business of Europe to liquidate the running war that England ... [has] been waging."

5) "Our aim is to achieve a genuine and lasting peace."

6) "We continue to warn the governments of Denmark ... and all crusader governments that they will receive the same punishment if they do not withdraw their troops."

7) "All of Europe emerges a victor."

8) "Rejoice, Islamic nation. Rejoice, Arab world."

9) "We thank our Fuehrer."

ANSWERS: 1) Nazis, 2) Islamicists, 3) Islamicists, 4) Nazis, 5) Nazis, 6) Islamicists, 7) Nazis, 8) Islamicists, 9) Nazis.

So, who still thinks we defeated Fascism fifty years ago?

quinta-feira, julho 7

terça-feira, julho 5

segunda-feira, julho 4

Estética e bom senso


O pavilhão temporário de Vieira e Moura para a galeria Serpentine, mostrado ontem num jornal de tv, parece aliar qualidade estética e funcionalidade. A elegante e luminosa cadeira de Rietveld é um exemplo simples de criação de beleza aliada a um objecto utilitário.



Infelizmente, nem sempre as obras dos arquitectos aliam arte e bom senso. Quando trabalham para o patrão sem rosto das obras públicas podem dar largas ao desprezo pelos futuros utilizadores. Daí, por exemplo, o enorme desconforto que espera os passageiros da belíssima estação do oriente. E também o incómodo, na instituição onde trabalho, de ter de percorrer enormes distâncias entre um determinado edifício e outros, por terem sido colocados muros cuja única função é não permitir a utilização do caminho mais curto, sem benefício estético. E ainda (já disse isto noutro sítio, mas não me canso de desabafar sobre o assunto) o enorme desrespeito pelos passageiros do metro de Lisboa, que nas estações mais recentes são obrigados a um percurso absurdo entre as carruagens e a zona de bilheteira.

domingo, julho 3

falta de tempo

Com os rendimentos de classe média desafogada podem comprar-se livros, discos, gravadores para ensacar os filmes favoritos. Com as ocupações profissionais a crescer desenfreadamente, o que é verdadeiramente difícil é ter a disponibilidade para ler, ouvir e ver. E nem na classe alta há a possibilidade de comprar tempo.

sexta-feira, julho 1

Verbo assumido

Uma breve reflexão para continuar a que iniciei aqui a respeito dos curiosos usos de um verbo português. Agora estou a pensar no modo não reflexo. Repare-se como o dito verbo tem um significado obviamente mais assumido em usos como

"meter atestado", "meter um artigo 4º" (não sei se ainda existe), "meter uma cunha, "Se continuam a chatear-me vou mas é meter baixa."