sábado, junho 25

Verbo expiatório

Uma das peculiaridades que mais me fascina no uso corrente da língua portuguesa é a riqueza de significado que o verbo "meter" adquire quando conjugado na forma reflexa. Exemplos:

"Eu bem gostaria de lhe dar o documento pronto na semana que vem, mas olhe que mete-se o carnaval."

"Tanto que eu precisava de fazer uma grande arrumação lá em casa, mas agora mete-se o natal e claro que não vou conseguir."

"Olhe que o sr doutor na quinta feira não tem consulta e a seguir metem-se os feriados. Pode ser para o fim do mês?"

"Eu posso ir lá fazer o orçamento, mas olhe que agora mete-se o verão e se calhar só lhe consigo ter isso pronto em setembro."

Como já todos viram, a palavrinha é aplicável a todo o tipo de actividades, das mais públicas às mais privadas, e parece tão nossa como pensamos que a saudade o é. Aquele singelo "se", afastando o sujeito da acção para bem longe de quem a (não) pratica, é um milagre da linguagem que transfere culpas, que nos deixa tranquilos ao justificar o adiamento do que urge fazer.

2 comentários:

Joana Pinto disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Joana Pinto disse...

A língua serve os nossos intentos, por isso a manipulamos a nosso favor.