domingo, agosto 30
Unasul e as setas
Uma das setas para baixo na última página do PÚBLICO de ontem contempla o presidente Uribe da Colômbia. O pequeno texto com assinatura M.C. dá a entender que Uribe sai vencido da cimeira da UNASUL, e o artigo da página 13 não é muito mais claro. O assunto não é retomado na edição deste domingo.
Infelizmente, as setas do PÚBLICO costumam traduzir mais os estados de alma dos seus redactores do que a substância dos factos. Uma leitura do que se publicou sobre a cimeira da Unasul aconselharia maior cautela nas conclusões. Nem Uribe surge como derrotado - ao contrário, a insípida declaração final permite-lhe seguir em frente com o plano de presença militar dos Estados Unidos e reafirma a necessidade de combater o terrorismo e o narcotráfico - nem nenhum participante sai em posição de liderança. Em particular, Lula é uma figura discreta.
No entanto, a reunião deve ter sido bem divertida, graças às intervenções cómicas de Hugo Chávez (incluindo as respostas que deu a jornalistas no final). O pequeno ditador levava no bolso uns planos secretos das forças armadas americanas
para a invasão da América do Sul. Uribe observou que os "planos" são um documento académico de acesso livre na internet. O momento mais bem disposto seguiu-se às queixas de que os Estados Unidos querem apossar-se do petróleo venezuelano: o presidente Garcia, do Perú, perguntou então a Chávez: porque é que hão-de de estar preocupados com o petróleo se tu já o vendes todo aos Estados Unidos?
Está contado em vários sítios, por exemplo no ABC, no Globo e na análise do Daniel.
Parece que a reunião foi transmitida pela tv. Um moderado azar para Chávez a nível interno: como actor de tv deve ter tido uma das suas piores prestações
sexta-feira, agosto 28
As tentações de Saramago
Detesto o ideário político de Saramago e gosto muito de muitas das suas novelas. Mas para Saramago deus é uma tentação perigosa: o "evangelho" é das suas obras menos interessantes (apesar de um prólogo deslumbrante, cheio de religiosidade) e suspeito que o "caim" irá pelo mesmo caminho. Porque, para além da forma, tudo é quase previsível: trata-se de maltratar (merecidamente ou não, isso é irrelevante) o deus das escrituras. Isto para já não mencionar que a qualidade das novelas publicadas se encontra em rampa francamente descendente pelo menos desde a "Cegueira".
O tempo que Saramago dedica a deus mostra bem que, ao contrário do que o escritor vocifera, deus existe. Ocupa pelo menos um espaço importante na sua cabeça. Talvez por ocupar espaço nas cabeças de muitos de nós, o que o irrita militantemente. Como àqueles simplórios do "É provável que Deus não exista..." escrito em autocarros, apetece dizer-lhe, o Zé, é provável que muita coisa em que você acreditou e acredita também não exista, por isso não se chateie, viva a sua vida, escreva lá sobre poetas, bruxas, clones e funcionários do registo civil.
O tempo que Saramago dedica a deus mostra bem que, ao contrário do que o escritor vocifera, deus existe. Ocupa pelo menos um espaço importante na sua cabeça. Talvez por ocupar espaço nas cabeças de muitos de nós, o que o irrita militantemente. Como àqueles simplórios do "É provável que Deus não exista..." escrito em autocarros, apetece dizer-lhe, o Zé, é provável que muita coisa em que você acreditou e acredita também não exista, por isso não se chateie, viva a sua vida, escreva lá sobre poetas, bruxas, clones e funcionários do registo civil.
Cuidado com a cultura
Não é preciso ficar embasbacado diante de certas peças da colecção Berardo para fazer figura de totó. Isso pode acontecer até em museus de prestígio confirmado. O pedaço de Lua exposto no Museu Nacional de Amsterdão é falso - não passa de um bocado de madeira fóssil que não vale mais de 50 euros, diz o Corriere della Sera. A peça fazia parte da colecção pessoal do primeiro ministro Willem Drees, e fora oferta do embaixador americano. Como tudo hoje tem valor museológico, o bocado de madeira pode continuar tranquilamente a sua carreira, com o valor acrescentado de uma gargalhada.
segunda-feira, agosto 24
domingo, agosto 23
"Esclarecimento"?
No dia 16 o PÚBLICO contava, em artigo de Clara Viana, que a empresa criada para realizar as obras de modernização em escolas secundárias - a Parque Escolar - poderá não ter observado todas as normas legais na celebração de contratos com os arquitectos concorrentes. Privilegiando o ajuste directo sobre o concurso público, as encomendas terão contemplado apenas um pequeno número de profissionais. O artigo transcreve breves declarações do Presidente da Ordem dos Arquitectos, que são críticas relativamente ao procedimento da Parque Escolar.
Sobre este assunto, que não me interessa particularmente, apenas tinha anotado à pressa, para mim, duas coisas: que o investimento previsto é muito significativo e que os reflexos da iniciativa para a melhoria do ensino não devem sê-lo na mesma medida. Mas adiante.
Hoje o PÚBLICO inclui uma Carta ao Director do Conselho Directivo Nacional da Ordem dos Arquitectos. O tema é o artigo do dia 16. A carta ocupa as cinco colunas usuais e está dividida em 8 pontos. Nos pontos 5 e 8 lê-se uma concordância muito discreta com as frases do Presidente inseridas no referido artigo. Os pontos restantes explicam por que razão a Ordem não se revê no (re)enquadramento dado às declarações do Presidente (sic). Para além de um discurso asséptico sobre a importância das obras em curso e o excelso papel dos arquitectos na sua concretização, nos pontos 1,2,3,4,6 e 7 encontram-se os "porém", os "por outro lado", os "aliás" que compreendem e desculpam eventuais atropelos à lei por parte da Parque Escolar.
Eu não faço a mínima ideia do que se passa dentro da Parque Escolar, nem da Ordem dos Arquitectos, nem do sentir dos associados a respeito deste episódio, se é que ele os preocupa. Mas a Carta ao Director deixou-me um pouco estupefacto, como se diz agora. A pensar nas razões da Ordem para vir exibir tao conspicuamente a sua compreensão.
Sobre este assunto, que não me interessa particularmente, apenas tinha anotado à pressa, para mim, duas coisas: que o investimento previsto é muito significativo e que os reflexos da iniciativa para a melhoria do ensino não devem sê-lo na mesma medida. Mas adiante.
Hoje o PÚBLICO inclui uma Carta ao Director do Conselho Directivo Nacional da Ordem dos Arquitectos. O tema é o artigo do dia 16. A carta ocupa as cinco colunas usuais e está dividida em 8 pontos. Nos pontos 5 e 8 lê-se uma concordância muito discreta com as frases do Presidente inseridas no referido artigo. Os pontos restantes explicam por que razão a Ordem não se revê no (re)enquadramento dado às declarações do Presidente (sic). Para além de um discurso asséptico sobre a importância das obras em curso e o excelso papel dos arquitectos na sua concretização, nos pontos 1,2,3,4,6 e 7 encontram-se os "porém", os "por outro lado", os "aliás" que compreendem e desculpam eventuais atropelos à lei por parte da Parque Escolar.
Eu não faço a mínima ideia do que se passa dentro da Parque Escolar, nem da Ordem dos Arquitectos, nem do sentir dos associados a respeito deste episódio, se é que ele os preocupa. Mas a Carta ao Director deixou-me um pouco estupefacto, como se diz agora. A pensar nas razões da Ordem para vir exibir tao conspicuamente a sua compreensão.
sábado, agosto 22
O avião que caiu duas vezes
Com toda a candura, um filho de Khadafi diz o que jornais ingleses já tinham insinuado: que há negócios de petróleo por detrás da libertação do alegado canceroso Megrahi. Com outra candura ainda maior, o governo do Reino Unido desmente o filho do líder líbio.
Canceroso terminal com um aspecto óptimo (certamente graças ao serviço de saúde no UK) Megrahi é recebido como herói na Líbia, afirmando que está inocente e não fez nada. Ora, sabendo nós do que a casa gasta, se não fez nada porque é que lá o aclamam como herói?
Os que o libertaram dizem-se agora chocados com a recepção em Tripoli. Dos EEUU vêm declarações muito profissionais com todos os adjectivos que qualquer texto em diplomatês deve incluir nas alturas em que falta vontade para efectivamente influenciar os factos: outrageous, disgusting, objectionable.
Com o devido respeito às 270 vítimas, o problema é que nesta estorieta da segunda queda do voo 103 da PANAM já não há amigos nem inimigos, talvez haja apenas clientes.
sábado, agosto 15
Painéis, Paglia, Palin
Está quente o debate nos EEUU sobre a proposta de lei da administração Obama para reformar o serviço nacional de saúde. Uma onda de protestos e contra-protestos percorre o país, mobilizando activistas republicanos, democratas e organizações sindicais, com focos de pancadaria ocasionais e acusações mútuas de "vocês são nazis". A Casa Branca cria um site em que apela à e-denuncia dos detractores da campanha. Tudo muito simplex. A popularidade do Presidente acaba por se ressentir do caso: até apoiantes de Obama manifestam receios e dúvidas.
Certamente não é por nada que Camille Paglia publicou há 3 dias um artigo intitulado "Obama's healthcare horror". A tentativa de fazer passar rapidamente uma lei controversa, com centenas e centenas de páginas, que o cidadão comum só conhece em versão de sound-bytes, é naturalmente motivo de preocupações e censura por quem pensa pela própria cabeça. Paglia pede mesmo que outras comecem a rolar: ela, que certamente não estará só a pensar assim, atribui o caos em que a iniciativa se encontra à incompetência da equipa do Presidente. Provavelmente será preciso esperar por muitas mais gaffes para que até os apoiantes se convençam de que Obama faz o que faz por vontade própria. A mesma vontade com que escolheu os seus conselheiros.
A actuação de Obama e sua equipa na reforma da saúde veio proporcionar a Sarah Palin um ensejo de prova de vida e grande projecção. Parece que Sarah acredita, entre outras coisas e para gozo de muitos, que os dinossauros coexistiram com o Homo Sapiens, mas o que neste momento importa aos americanos (e sobretudo aos "unamerican", mimo com que os descontentes têm sido brindados pelos conselheiros presidenciais) é que Sarah descobriu a existência de "painéis de morte", escondidos na lei de Obama, mas com o rabo de fora. Chamem-lhe parva. A designação inventada por Sarah causou escândalo, obrigou os responsáveis mais directos pela lei a virem dar explicações e, cereja em cima do bolo, levou uma comissão do Senado a retirar da lei as "end-of-life provisions". Para algo que diziam não existir e ser invenção da Palin, nada mau.
Há obviamente um risco cultural em jogo, que seria o de alguém acabar por convencer os americanos de que os dinossauros foram realmente nossos contemporâneos e, sabe-se lá, que existam ainda para aí nalguma reserva. Mas temos que reconhecer com honestidade que Sarah não se tem aproveitado da situação.
POST SCRIPTUM a propósito da reforma do sistema de saúde nos EEUU: Das grandes intenções à dura realidade. Em 2008, Obama propunha-se enfrentar a indústria farmacêutica com o recurso a genéricos e a medicamentos comprados fora dos EEUU. Uma discreta notícia do New York Times, de 5 de Agosto, revela que a Casa Branca já garantiu ao lobby dos fabricantes de medicamentos que os seus prejuízos serão limitados. A administração Obama puxa assim para o seu lado um importante lobby que agradecidamente colaborará na publicidade da nova lei.
Certamente não é por nada que Camille Paglia publicou há 3 dias um artigo intitulado "Obama's healthcare horror". A tentativa de fazer passar rapidamente uma lei controversa, com centenas e centenas de páginas, que o cidadão comum só conhece em versão de sound-bytes, é naturalmente motivo de preocupações e censura por quem pensa pela própria cabeça. Paglia pede mesmo que outras comecem a rolar: ela, que certamente não estará só a pensar assim, atribui o caos em que a iniciativa se encontra à incompetência da equipa do Presidente. Provavelmente será preciso esperar por muitas mais gaffes para que até os apoiantes se convençam de que Obama faz o que faz por vontade própria. A mesma vontade com que escolheu os seus conselheiros.
A actuação de Obama e sua equipa na reforma da saúde veio proporcionar a Sarah Palin um ensejo de prova de vida e grande projecção. Parece que Sarah acredita, entre outras coisas e para gozo de muitos, que os dinossauros coexistiram com o Homo Sapiens, mas o que neste momento importa aos americanos (e sobretudo aos "unamerican", mimo com que os descontentes têm sido brindados pelos conselheiros presidenciais) é que Sarah descobriu a existência de "painéis de morte", escondidos na lei de Obama, mas com o rabo de fora. Chamem-lhe parva. A designação inventada por Sarah causou escândalo, obrigou os responsáveis mais directos pela lei a virem dar explicações e, cereja em cima do bolo, levou uma comissão do Senado a retirar da lei as "end-of-life provisions". Para algo que diziam não existir e ser invenção da Palin, nada mau.
Há obviamente um risco cultural em jogo, que seria o de alguém acabar por convencer os americanos de que os dinossauros foram realmente nossos contemporâneos e, sabe-se lá, que existam ainda para aí nalguma reserva. Mas temos que reconhecer com honestidade que Sarah não se tem aproveitado da situação.
POST SCRIPTUM a propósito da reforma do sistema de saúde nos EEUU: Das grandes intenções à dura realidade. Em 2008, Obama propunha-se enfrentar a indústria farmacêutica com o recurso a genéricos e a medicamentos comprados fora dos EEUU. Uma discreta notícia do New York Times, de 5 de Agosto, revela que a Casa Branca já garantiu ao lobby dos fabricantes de medicamentos que os seus prejuízos serão limitados. A administração Obama puxa assim para o seu lado um importante lobby que agradecidamente colaborará na publicidade da nova lei.
quarta-feira, agosto 12
Ventos e nuvens sobre a América do Sul
Hugo Chávez quer mais do que pode. Voltou a enviar o seu embaixador para a Colômbia. A produção de café, produto de relevo na economia do país, está em forte queda devido à fixação administrativa de preços e obriga o estado a tomar conta de grandes companhias produtoras. A escalada de controlo dos meios de comunicação encontrou pela frente a oposição da Assembleia Nacional, que não autorizou para já a legislação que a procuradora geral queria ver aprovada. Estudantes e professores protestam contra a lei da educação de Hugo Chávez. Correa inicia o seu segundo mandato no Ecuador com o apoio popular já em queda. O apoio inicial da administração dos EEUU a Zelaya tem-se discretamente esfumado; restam palavras mas não há sanções. Ainda há menos de uma semana Zelaya foi praticamente empurrado para fora do México depois de uma visita sem glória. O insuspeito Los Angeles Times publica um editorial onde o golpe nas Honduras é encarado de um ponto de vista desculpante e compreensivo. Entretanto, em Tegucigalpa é decretado recolher obrigatório depois de distúrbios violentos.
De tudo isto se fala nos jornais. Mas há histórias que podem não vir a ser contadas, como a curiosa compra de uma companhia de navegação venezuelana, através de um banco falido, pela Telefonica espanhola, que terá ocorrido em data próxima da recente visita do ministro Moratinos à Venezuela. (A visita em que Moratinos disse que a liberdade de expressão no país é satisfatória.) Está tudo contado no Gringo com pormenores abundantes, e se for ficção merece um prémio porque, como é sabido, a realidade costuma ser mais rica e surpreendente.
De tudo isto se fala nos jornais. Mas há histórias que podem não vir a ser contadas, como a curiosa compra de uma companhia de navegação venezuelana, através de um banco falido, pela Telefonica espanhola, que terá ocorrido em data próxima da recente visita do ministro Moratinos à Venezuela. (A visita em que Moratinos disse que a liberdade de expressão no país é satisfatória.) Está tudo contado no Gringo com pormenores abundantes, e se for ficção merece um prémio porque, como é sabido, a realidade costuma ser mais rica e surpreendente.
domingo, agosto 9
Fat Man
Às 10.58 de 9 de Agosto de 1945, esta antiquada bomba seria lançada sobre Nagasaki. O alvo inicial, Kokura, escapou graças ao mau tempo. Estimativa do número de mortos imediatamente a seguir à explosão: 40000. Quase tantos como os que resultaram do bombardeamento de Tokyo uns meses antes. Hiroshima e Nagasaki são tragédias de enorme impacto e significativamente mais importantes em danos psicológicos do que as que resultaram de bombardeamentos convencionais. A espectacularidade da nova arma quase faz esquecer o papel decisivo dessa outra terrível inovação tecnológica, o B-29, o bombardeiro que operou a derrota do Japão.
sábado, agosto 8
Não beijes, não dês a mão, diz olá
Conselho do Colégio dos Médicos de Madrid para evitar o contágio da Gripe A. Melhor que lavar as mãos (o que não se consegue a toda a hora) é parar de beijocar por tudo e por nada e abster-se de mexer em quem mal se conhece. (No PÚBLICO de aqui ao lado.)
sexta-feira, agosto 7
A declínio do PhD
Caroline Tagg está de parabéns. Depois de estudar 11000 SMS de familiares e amigos, saiu-lhe um PhD na Universidade de Birmingham, com a tese intitulada "A Corpus Linguistics Study of SMS Text Messaging". Nas declarações que faz ao Telegraph podemos encontrar algumas das suas descobertas fascinantes e inesperadas, comprovando que a ciência tende a contrariar o senso comum:
-as mensagens de texto estão muito mais próximas da língua falada do que a escrita formal; constituem uma nova forma de comunicação intermediária entre aquelas duas.
-escreve-se SMS como se se estivesse a falar, e usam-se palavras desnecessárias e abreviações gramaticais.
-escrever SMS revela um grande domínio do funcionamento da língua: os escreventes de SMS revelam uma grande habilidade para abreviar e sabem que retirar as vogais deixa o significado das palavras intacto, o que não sucederia com as consoantes.
-o texto de SMS manipula as palavras com humor e usa metáforas.
A orientadora da dissertação, Professora Susan Hunston, afirma que não sabe escrever em SMSês. O que só vem mostrar que o assunto é coisa muito séria e exige erudição invulgar. Xpero k ao menox ox membrox do juri k aprexiaram a texe tivexem dentru do axuntu.
-as mensagens de texto estão muito mais próximas da língua falada do que a escrita formal; constituem uma nova forma de comunicação intermediária entre aquelas duas.
-escreve-se SMS como se se estivesse a falar, e usam-se palavras desnecessárias e abreviações gramaticais.
-escrever SMS revela um grande domínio do funcionamento da língua: os escreventes de SMS revelam uma grande habilidade para abreviar e sabem que retirar as vogais deixa o significado das palavras intacto, o que não sucederia com as consoantes.
-o texto de SMS manipula as palavras com humor e usa metáforas.
A orientadora da dissertação, Professora Susan Hunston, afirma que não sabe escrever em SMSês. O que só vem mostrar que o assunto é coisa muito séria e exige erudição invulgar. Xpero k ao menox ox membrox do juri k aprexiaram a texe tivexem dentru do axuntu.
quinta-feira, agosto 6
Não é neutro, não
Vem aí a edição de 2009 da Festa do Avante. A Ciência vai estar na Festa, indo neste ano Darwin o destaque para a evolução da vida na Terra, sob o lema «da vida no universo ao universo da vida». Haverá uma exposição que abarca os últimos 65 milhões de anos e que ilustra a evolução dos primatas até ao Homo Sapiens; haverá também espaço para a observação experimental.
Mas o conhecimento não é neutro e a exposição é política de ponta a ponta. Daí, diz a organização, a atenção dada à Idade Média e [a] um bocadinho do Renascimento, períodos nos quais a defesa de uma abordagem evolucionista podia valer a fogueira; a seguir tratamos da revolução francesa e do Lamarck, depois do Darwin, que nasce entre duas grandes revoluções, a francesa e a industrial, e que por isso tem todo o seu pensamento influenciado pela época em que nasce.
Continuando a ler a informação do site, não se encontram outras referências à atribulada relação das ideias evolucionistas com os acidentes históricos. Talvez a organização atravesse uma fase de negação com respeito à URSS. Não se vê outro motivo para esquecer fogueiras bem mais recentes, sobre as quais nem um século ainda passou. É falha imperdoável que, numa exposição tão dada ao que é político, onde Darwin e Lamarck são figuras de referência, esteja ausente a figura de T. D. Lysenko - o homem que quis forçar as leis da natureza a estar de acordo com a ideologia do regime estalinista, e graças a cuja acção muitos cientistas foram demitidos ou simplesmente desapareceram. Que melhor lição sobre as relações entre política e ciência do que essa curiosa e sinistra perversão, nada materialista, que arruinou durante anos a agricultura soviética? Estou convencido de que, apesar de não estar no site, vai estar na Quinta da Atalaia nos primeiros dias de Setembro.
Mas o conhecimento não é neutro e a exposição é política de ponta a ponta. Daí, diz a organização, a atenção dada à Idade Média e [a] um bocadinho do Renascimento, períodos nos quais a defesa de uma abordagem evolucionista podia valer a fogueira; a seguir tratamos da revolução francesa e do Lamarck, depois do Darwin, que nasce entre duas grandes revoluções, a francesa e a industrial, e que por isso tem todo o seu pensamento influenciado pela época em que nasce.
Continuando a ler a informação do site, não se encontram outras referências à atribulada relação das ideias evolucionistas com os acidentes históricos. Talvez a organização atravesse uma fase de negação com respeito à URSS. Não se vê outro motivo para esquecer fogueiras bem mais recentes, sobre as quais nem um século ainda passou. É falha imperdoável que, numa exposição tão dada ao que é político, onde Darwin e Lamarck são figuras de referência, esteja ausente a figura de T. D. Lysenko - o homem que quis forçar as leis da natureza a estar de acordo com a ideologia do regime estalinista, e graças a cuja acção muitos cientistas foram demitidos ou simplesmente desapareceram. Que melhor lição sobre as relações entre política e ciência do que essa curiosa e sinistra perversão, nada materialista, que arruinou durante anos a agricultura soviética? Estou convencido de que, apesar de não estar no site, vai estar na Quinta da Atalaia nos primeiros dias de Setembro.
quarta-feira, agosto 5
Resgates
O presidente Clinton regressou de Pyongyang com as duas reféns americanas. Vitória da diplomacia americana? O tempo o dirá, mas não maior que a de Kim Jong-il, esse homenzinho maroto que quis Bill e teve-o lá. Para o consumo externo e interno que der e vier. Há até quem diga que Bill transmitiu verbalmente a Kim um pedido de desculpas de Obama, embora pouco se saiba de que temas se falou durante o jantar de estado oferecido a Clinton.
Há obviamente aqui um resgate, se não com um cheque, pelo menos em géneros. Chantagem de estado é uma das especialidades de governos como o da Coreia do Norte. O que faz lembrar, em contraponto, a actuação bem mais materialista de Kadhafi.
Em 1988 um acto terrorista fez explodir sobre Lockerbie um avião da Pan Am, causando a morte dos 270 ocupantes. Depois de longas negociações, a Líbia acabou por reconhecer a responsabilidade no acto criminosso, tendo acordado em 2003 pagar entre 5 e 10 milhões de dólares a cada uma das famílias das vítimas. Não sei o que efectivamente foi pago, mas um facto de que ainda a semana passada se voltou a falar mostra que Kadhafi trabalhou bem para recuperar parte do rombo. À custa das enfermeiras búlgaras feitas reféns e libertadas em 2007, a Líbia pode ter recebido 72 milhões de dólares. Pelo menos o actual primeiro ministro búlgaro acusa o seu antecessor de ter pago esse resgate. É sem dúvida um típico episódio de luta política interna, mas o que se disse sobre o assunto e o que sabe das personagens não deixa muitas dúvidas de que uns milhões pingaram para a Líbia. O caso teve ainda como efeito colateral o relançamento de Kadhafi numa tournée europeia de "charme", se é que esta palavra se pode aplicar à grotesca criatura. A quem não convém lembrar tudo isto, também se sabe. Nicolas Sarkozy, que ao tempo ainda amava Cécile e não Carla, detinha oficialmente os louros da libertação, supostamente após uma difícil diplomacia, e com foto da primeira dama ao lado dos resgatados do inferno líbio.
Há obviamente aqui um resgate, se não com um cheque, pelo menos em géneros. Chantagem de estado é uma das especialidades de governos como o da Coreia do Norte. O que faz lembrar, em contraponto, a actuação bem mais materialista de Kadhafi.
Em 1988 um acto terrorista fez explodir sobre Lockerbie um avião da Pan Am, causando a morte dos 270 ocupantes. Depois de longas negociações, a Líbia acabou por reconhecer a responsabilidade no acto criminosso, tendo acordado em 2003 pagar entre 5 e 10 milhões de dólares a cada uma das famílias das vítimas. Não sei o que efectivamente foi pago, mas um facto de que ainda a semana passada se voltou a falar mostra que Kadhafi trabalhou bem para recuperar parte do rombo. À custa das enfermeiras búlgaras feitas reféns e libertadas em 2007, a Líbia pode ter recebido 72 milhões de dólares. Pelo menos o actual primeiro ministro búlgaro acusa o seu antecessor de ter pago esse resgate. É sem dúvida um típico episódio de luta política interna, mas o que se disse sobre o assunto e o que sabe das personagens não deixa muitas dúvidas de que uns milhões pingaram para a Líbia. O caso teve ainda como efeito colateral o relançamento de Kadhafi numa tournée europeia de "charme", se é que esta palavra se pode aplicar à grotesca criatura. A quem não convém lembrar tudo isto, também se sabe. Nicolas Sarkozy, que ao tempo ainda amava Cécile e não Carla, detinha oficialmente os louros da libertação, supostamente após uma difícil diplomacia, e com foto da primeira dama ao lado dos resgatados do inferno líbio.
terça-feira, agosto 4
A queda das ciências tontas
O artigo está a caminho de fazer um ano mas vale a pena lê-lo. Encontra-se no Gene Expression. Trata da decadência de determinados conceitos que surgiram nas teorias académicas mais ligadas às ciências sociais. A partir dos arquivos bibligráficos do JSTOR e procurando a ocorrência de palavras-chave relacionadas com modas "científicas" relativamente recentes, o autor (agnostic) constrói gráficos que revelam a ascenção e declínio de conceitos entre os quais: construção social, psicanálise, pós-moderno, pós-colonialismo, orientalismo, marxismo, feminismo, desconstrução. De um modo geral, observa-se a partir dos anos 90 uma queda nas ocorrências. O autor observa alguns factos interessantes:
-embora feminismo e marxismo sejam muito mais velhos que o resto, o declínio dá-se aproximadamente na mesma altura, como se uma lufada de ar fresco tivesse vindo varrer o lixo.
-a interacção entre crentes em determinada teoria, e não crentes, pode ter efeitos muito limitados: apesar de muito se ter escrito contra o pós-modernismo e o marxismo, os danos causados nas fileiras dos crentes são moderados, tendo a queda do pós-modernismo sido suave mesmo depois de o caso Sokal ter posto a nu a tolice do assunto.
-as novas gerações são menos susceptíveis de serem influenciadas pelas teorias tontas. Diz o autor (então com 27 anos) que mais valia conversar com gente na casa dos 20 do que socializar com os da sua idade: a expectativa de ter uma discussão inteligente com estes revelava-se frustrante por causa das crenças com que já estavam infectados.
(agnostic, que não brinca em serviço, iniciou um novo blog, Patterns in science and culture. Os artigos requerem muito tempo e trabalho e por isso o acesso será pago. Por 10 dólares será permitido o acesso a 20 artigos de fundo. )
-embora feminismo e marxismo sejam muito mais velhos que o resto, o declínio dá-se aproximadamente na mesma altura, como se uma lufada de ar fresco tivesse vindo varrer o lixo.
-a interacção entre crentes em determinada teoria, e não crentes, pode ter efeitos muito limitados: apesar de muito se ter escrito contra o pós-modernismo e o marxismo, os danos causados nas fileiras dos crentes são moderados, tendo a queda do pós-modernismo sido suave mesmo depois de o caso Sokal ter posto a nu a tolice do assunto.
-as novas gerações são menos susceptíveis de serem influenciadas pelas teorias tontas. Diz o autor (então com 27 anos) que mais valia conversar com gente na casa dos 20 do que socializar com os da sua idade: a expectativa de ter uma discussão inteligente com estes revelava-se frustrante por causa das crenças com que já estavam infectados.
(agnostic, que não brinca em serviço, iniciou um novo blog, Patterns in science and culture. Os artigos requerem muito tempo e trabalho e por isso o acesso será pago. Por 10 dólares será permitido o acesso a 20 artigos de fundo. )
Os homens não se querem bonitos (no Afegnanistão)?
Os Taliban, em campanha contra as eleições do próximo dia 20, estão a deixar avisos ao povo afegão através de "cartas nocturnas", conta a Reuters. Possuir no telemóvel imagens de mulheres que não são da família ou de rapazes bonitos é contra a dignidade exigida pela religião islâmica. A própria posse de telemóvel com funções de imagem e video não é bem vista.
À primeira vista, passado o óbvio conservadorismo de proibir fotos de mulheres "fora da família", poderia parecer despontar aqui um sinal de superioridade moral do Islão, ao dar oportunidades competitivas aos rapazes de feição grosseira, barrigudos ou de peitorais descaídos. Mas, se a notícia é correcta, notando que para as mulheres o problema nem sequer é posto, facilmente concluimos que das duas duas: o Islão é empedernidamente discriminador das mulheres e os Taliban são afinal umas bichas encapotadas.
À primeira vista, passado o óbvio conservadorismo de proibir fotos de mulheres "fora da família", poderia parecer despontar aqui um sinal de superioridade moral do Islão, ao dar oportunidades competitivas aos rapazes de feição grosseira, barrigudos ou de peitorais descaídos. Mas, se a notícia é correcta, notando que para as mulheres o problema nem sequer é posto, facilmente concluimos que das duas duas: o Islão é empedernidamente discriminador das mulheres e os Taliban são afinal umas bichas encapotadas.
domingo, agosto 2
"O Convite"
Não é novidade, nas obras de ficção, a substituição do narrador omnisciente pelo puzzle caleidoscópico dos múltiplos pontos de vista das personagens. Desde a novela epistolar do século 18 até à obra prima de Vargas Llosa "Conversa na Catedral", passando pelas jeunes mariées de Balzac, pelo Drácula de Stoker, pelo Tempo de Proust e pelo muito popular mas datado Quarteto de Alexandria, deu-nos a literatura obras magníficas onde uma história é contada por acumulação de narrativas que se reflectem e ampliam, adicionando camadas de luz sobre os factos, que ora se sobrepõem, ora se contradizem.
Nas formas mais populares de entretenimento (cinema e novelas da tv) o género não tem sido explorado. É necessário chegarmos ao século 21 e à decadência da qualidade da acção política em Tugal, ou mais geralmente, ao desempenho medíocre dos actores e candidatos a actores em órgãos de soberania, para assistirmos ao despontar de um novo género ficcional que vai entroncar naquela nobre tradição literária. Não é literatura nem é novela de tv: à multiplicidade de ângulos de visão junta-se nesta nova forma de contar histórias a variedade de meios que veiculam o conteúdo. Pode tratar-se de jornais, televisão, rádio ou blogs.
É claro que o novo género está a dar os primeiros passos, mas os resultados são pouco entusiasmantes. Veja-se o caso da última produção - "O Convite". O enredo, construído em torno de 4 ou 5 personagens, conta-se em duas linhas, e nem vale a pena resumi-lo aqui porque os meus 10 leitores já o sabem de cor. O que é certo é que os diálogos são de uma pobreza alarmante. Por exemplo, a personagem feminina principal diz "é uma pessoa que só vi uma vez na vida, mas... não há condições para eu aceitar", referindo-se a um dos personagens masculinos, o qual retorque "Telefonou-me depois e disse-me que tinha reflectido e não estava interessada e por isso nem fiz participação desta conversa a ninguém". Outro diz: "É muito feio fugir ao rigor dos factos". Isto é pior do que os sripts de novelas da TVI, com tiradas do tipo "Zulmira, eu tenho que ter uma conversa muito séria contigo", ou "Pois fica a saber que se continuas a rondar o Renato vais sofrer as consequências".
Há em "O Convite" a agravante de não se passar nada, o que tornaria a produção mais adequada a um festival de arte e ensaio do que ao consumo de massas, mas para isso teria de estar muitos furos acima na caracterização e espessura das personagens, as quais se limitam a desmentir-se umas às outras. É afinal uma reposição, para pior, da técnica já usada numa novela anterior, "Free Report", que se manteve em exibição até há pouco tempo, mas em que, apesar de tudo, transpirava alguma acção.
O elemento novo e subtil nesta emergente forma de entretenimento é que as personagens julgam-se dotadas de vida própria, pensam existir fora do plano ficcional. Mal uma diz uma deixa logo outra aparece a reagir, ignorando que debita um guião de baixo nível. Infelizmente, não passam de imitações baratas dos caracteres da Rosa Púrpura de Woody Allen. Os media colaboram, não distinguindo a ficção das notícias.
Nas formas mais populares de entretenimento (cinema e novelas da tv) o género não tem sido explorado. É necessário chegarmos ao século 21 e à decadência da qualidade da acção política em Tugal, ou mais geralmente, ao desempenho medíocre dos actores e candidatos a actores em órgãos de soberania, para assistirmos ao despontar de um novo género ficcional que vai entroncar naquela nobre tradição literária. Não é literatura nem é novela de tv: à multiplicidade de ângulos de visão junta-se nesta nova forma de contar histórias a variedade de meios que veiculam o conteúdo. Pode tratar-se de jornais, televisão, rádio ou blogs.
É claro que o novo género está a dar os primeiros passos, mas os resultados são pouco entusiasmantes. Veja-se o caso da última produção - "O Convite". O enredo, construído em torno de 4 ou 5 personagens, conta-se em duas linhas, e nem vale a pena resumi-lo aqui porque os meus 10 leitores já o sabem de cor. O que é certo é que os diálogos são de uma pobreza alarmante. Por exemplo, a personagem feminina principal diz "é uma pessoa que só vi uma vez na vida, mas... não há condições para eu aceitar", referindo-se a um dos personagens masculinos, o qual retorque "Telefonou-me depois e disse-me que tinha reflectido e não estava interessada e por isso nem fiz participação desta conversa a ninguém". Outro diz: "É muito feio fugir ao rigor dos factos". Isto é pior do que os sripts de novelas da TVI, com tiradas do tipo "Zulmira, eu tenho que ter uma conversa muito séria contigo", ou "Pois fica a saber que se continuas a rondar o Renato vais sofrer as consequências".
Há em "O Convite" a agravante de não se passar nada, o que tornaria a produção mais adequada a um festival de arte e ensaio do que ao consumo de massas, mas para isso teria de estar muitos furos acima na caracterização e espessura das personagens, as quais se limitam a desmentir-se umas às outras. É afinal uma reposição, para pior, da técnica já usada numa novela anterior, "Free Report", que se manteve em exibição até há pouco tempo, mas em que, apesar de tudo, transpirava alguma acção.
O elemento novo e subtil nesta emergente forma de entretenimento é que as personagens julgam-se dotadas de vida própria, pensam existir fora do plano ficcional. Mal uma diz uma deixa logo outra aparece a reagir, ignorando que debita um guião de baixo nível. Infelizmente, não passam de imitações baratas dos caracteres da Rosa Púrpura de Woody Allen. Os media colaboram, não distinguindo a ficção das notícias.
Corazón
Quando o presidente Marcos convocou eleições para 7 de Fevereiro de 1986, ainda pensava que daí sairia a sua legitimação interna e aos olhos do mundo.
Depois de proclamar vitória as coisas complicaram-se: a partir de 9 de Fevereiro começam a emergir sinais de fraude em grandes proporções, indicando que Corazón Aquino tinha a preferência dos eleitores.
A divisão no exército e o apoio da Igreja a Corazón Aquino tornaram as coisas complicadas para Marcos. A administração Reagan comportou-se inicialmente de modo hesitante, pendendo para o lado do presidente, mas o abandono, em fins de Fevereiro, de tropas leais a Marcos pode ter determinado a atitude de governos de todo o mundo, e em particular dos Estados Unidos, de deixar cair o reconhecimento do ditador cessante. Em menos de um mês, a democracia chegava às Filipinas numa revolução sem sangue.
No Irão houve eleições em 12 de Junho.
Subscrever:
Mensagens (Atom)