O caso Sócrates, que o PÚBLICO agora desenterrou da blogosfera onde já era conhecido seguramente há mais de um ano, pode ter implicações morais de relevo, mas talvez aparente mais importância graças a um vício português que os nossos media, naturalmente, assumem em conjunto. Raramente se nomeia uma figura da política nacional sem lhe antepor um título académico. Ele é o dr. Marques Mendes, era o eng. Guterres, é o dr. (ou prof.) Cavaco, o dr. Santana Lopes... tanta reverência deslocada do contexto! Na verdade os jornalistas mais não fazem do que seguir o procedimento normal entre nós. Em Portugal, até numa simples reunião de condóminos há diferenças de tratamento: dum lado o Sr. João, a D. Adelaide, do outro o Eng. Ricardo ou a Dra. Fátima. Médicos, engenheiros e até tristes advogados e professores toleram o epíteto com gosto ou indiferença e não poem os interlocutores na ordem. O grau académico não tem que ser sistematicamente chamado à conversa, e tanto menos nas circunstâncias em que as pessoas não estão a exercer a correspondente função profissional. Noutros países da Europa ou nos Estados Unidos, os presidentes e ministros são tratados por Sr. ou Sra. Fulano de Tal. Entre nós, "Sr." tem conotação quase depreciativa: é o que reservamos para o pintor de paredes ou o mecânico da oficina auto onde mudamos o óleo. Para gente, enfim, que pode desempenhar uma função com competência sem estar agarrado a um canudo obtido talvez com muitos 10 e 11's à força de repetir exames.
José Sócrates, que, por sinal, até nos troca as voltas no modo como se dá a conhecer pelo nome (ocultando o apelido), o primeiro ministro tão hábil a controlar tudo, perdeu uma boa oportunidade de impôr que fosse referido simplesmente como Sr. José... Sócrates, vá lá. Teria dado um exemplo que o poria agora numa posição mais confortável. Com o adjectivo(?) Engº colado ao nome, o caso será mais difícil de esquecer.
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