O primeiro sinal da fuga iminente de Sofia, a que verdadeiramente não prestei atenção, surgiu pouco depois da Páscoa do ano passado. Ela tinha começado nesse ano a dar um curso de formação noutra empresa fora de horas. As aulas terminavam às 11 da noite e costumava chegar a casa entre as 11.15 e as 11.20. Certa noite do fim de Abril, eu estava muito cansado e deitei-me antes de ela chegar. Adormeci pesadamente mas acordei passado pouco tempo. Estendi o braço e toquei na ausência de Sofia. Acendi a luz, vi que passava da meia noite. Levantei-me a correr, e quando confirmei que não estava corri para o telemóvel. A chamada foi recusada, mas passado um minuto a chave rodava na porta.
Que foi, amor? Perguntei, já estava assustado. Os alunos hoje retiveram-me imenso tempo depois da aula, explicou, tranquilizante. Gerou-se uma discussão enorme à volta de um problema prático que confundiu a turma toda. Cortei-te a chamada porque não valia a pena gastares o impulso, já estava na garagem. Abraçou-me e beijou-me de fugida e passados menos de dez minutos estávamos a adormecer abraçados, como era hábito. Mas, meses mais tarde, este episódio iria ser revisto por mim como o primeiro sintoma do que estava a preparar-se. Embora sem voltar a falar nisso, fiquei com a certeza de que, naquela noite, Sofia tinha estado com o outro, talvez apenas num passeio nocturno a seguir à aula, talvez algo mais.
No início de Maio o comportamento de Sofia começou a chamar-me a atenção. Um domingo de manhã, num fim de semana quente que o Eduardo não tinha vindo passar connosco, estava ela no escritório a folhear dossiers e eu entrei para lhe perguntar, como era hábito, o que íamos fazer. Ela levou instintivamente a mão ao telemóvel que estava em cima da secretária. Foi um gesto muito rápido, inconsciente, indício de um receio comprometido. Este sinal perturbou-me, mas por ser isolado não me entretive a dar-lhe importância. Depois de almoço passeámos longamente costa do Alentejo abaixo e mergulhámos em Melides. No regresso jantámos num restaurante da estrada, a caminho de Comporta, frente à planície e ao pôr do sol com uma luz magnífica feita de vermelhos e azuis-cinzentos. Como sempre, foi a Sofia que escolheu com prazer o vinho. Quando brindámos disse, também como era hábito: À tua, meu querido, muitos anos de vida para me fazeres feliz.
Semanas mais tarde, esta cena iria intrigar-me. O dia havia de ser depois recordado como o último em que tinha estado na praia com Sofia. Talvez ela não quisesse, de facto, deixar-me, mas alguma coisa mais forte do que a sua vontade já tinha posto em marcha o golpe de ruptura.
O aviso final surgiu no fim de Maio. A aula de formação à sexta-feira terminava às dez da noite. Eu ficava a trabalhar até mais tarde e ia buscá-la para jantar fora. Dessa vez não aconteceu, e não voltaria a acontecer. Na véspera à noite tinha-me dito: A minha mãe tem insistido tanto para eu ir lá, por causa do problema da casa... estou a pensar ir lá jantar amanhã, importas-te? Senti um golpe interior e reagi sem grande firmeza. Oh, mas porquê mesmo amanhã? Porque já não os vejo há bastante tempo e também lá está amanhã o meu irmão, a justificação veio pronta, mostrando que a decisão estava tomada. Como as relações com os meus sogros eram geladas, para usar um eufemismo, nada do que acontecesse nessa sexta seria fácil de verificar. Deitei-me às duas, sem Sofia e sem sono.
sábado, fevereiro 18
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