1. Al Gore está a espalhar a sua boa nova numa grande conferência em Málaga. As notícias salientam que o grande arrefecedor do planeta promete que a liderança científica mundial vai voltar à Andaluzia, como até há cerca de 500 anos atrás. Dentro da sua lógica, terá certamente razão, visto que se refere aos projectos do Climate Project Spain, bem financiados pelo governo da Andaluzia. Atendendo a quem mandava na Andaluzia precisamente até há 500 anos atrás, Al Gore confessa assim involuntariamente que o Aquecimento Global é mais uma religião do que ciência.
2. Faranaz Keshavjee irrita-se hoje no PÚBLICO com o facto de Eduardo Lourenço ter admitido em entrevista recente que há uma guerra das civilizações. Faranaz, "estudiosa de temas islâmicos", admite mesmo que Eduardo é um pensador medieval. Depois de recordar a existência de "intelectuais árabes e muçulmanos do mais elevado calibre", queixa-se de alguma "guetização dos muçulmanos na Europa" como "fruto da maneira como a Europa rejeita e estigmatiza o Outro". Faranaz mostra-se assim tão conhecedora das subtilezas hegel-sartre-lacanianas da filosofia ocidental como, certamente, dos versículos do Corão. Mas, de tanto estudar, baralham-se-lhe as ideias, quando escreve que "na escola falamos do colega muçulmano recordando o infiel, o invasor, o mouro (i.e. o escuro) (...), aquele que é vitoriosamente expulso". Se Faranaz fosse menos distraída saberia que infiel no sentido religioso já nada significa para nós há muito tempo, que quem usa a palavra com ódio são os activistas muçulmanos e que mouros, cá em casa, é só o que os adeptos do Porto chamam aos do sul.
3. Já Saramago acredita nas virtudes de uma Aliança de Civilizações mas mostra-se obcecado com o problema de Deus (Outubro 16). Mostra-se também um pouco distraído: quando afirma que deste problema "não se ousa falar" parece esquecer os seus próprios escritos. Se não se ousa falar, não é no mundo cómodo que ele habita. E confunde Deus com Alá, como se fosse apenas um problema de tradução. Se o Deus criado pelas cabeças ocidentais fosse o outro, ele ainda hoje não poderia tranquilamente chamar-lhe um problema. E, ao reduzir Deus à criação das nossas cabeças, não se apercebe de que está a participar noutra criação, igualmente arbitrária, com que certas cabeças se tranquilizam.
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