A este propósito é importante não desvalorizar esta visão da realidade contemporânea definindo-a como ideológica e imputando-a portanto ‘simplesmente’ à imposição violenta de uma ordem interpretativa por parte dos sistemas de regulação dos tráfegos económicos/culturais do capitalismo avançado. O discurso da modernidade e da civilização representa claramente uma herança da ideologia colonial, que chega aos jovens mediada (e certamente pouco transformada) mediante as ideias de progresso e desenvolvimento que plasmaram e continuam a plasmar não só as políticas dos estados africanos no período pós-independência, mas até o tom das relações internacionais entre o Eurocentro e o resto do planeta.
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A marginalização da África por parte do colonialismo e do capitalismo ocidental não é só um problema de representação, mas também e sobretudo de estratégias concretas políticas e económicas.
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A Europa torna-se, através da junção de fragmentos de representações, o lugar ideal para onde "ir formar-se para poder desenvolver-se", a oportunidade de participar na "cultura da modernidade".
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As palavras dos meus interlocutores mostram claramente um alto nível de consciência e atitude crítica face às estratégias marginalizantes inegavelmente presentes na Europa. Além disso, a cultura juvenil urbana dos emigrantes ou seus filhos em Portugal indicia um aumento gradual de caminhos alternativos, reivindicando (por vezes criando) uma especificidade cultural "africana" em oposição aos centros do capitalismo europeu. O poder e a superioridade do "centro" é posto continuamente em causa por forças que se movem em direcção contrária, e neste movimento encontra lugar uma nova interpretação do sentimento de saudade, do desejo de retorno ao país de origem (...) A saudade representa uma manifestação de falência da ordem dominante, enquanto sintoma de um laço imprescindível com o contexto de origem (...) que se manifesta frente à progressiva substituição dos fantasmas do ocidente pelo quotidiano de Lisboa, pelo "cansaço da Europa".
Não ficaria deslocado, a não ser talvez pela erudição da escrita, como fragmento de um debate neste acampamento, ou pelo menos como pré-requisito teórico. Mas trata-se de algo muito diferente (ou não?). São fragmentos de um artigo de Lorenzo Bordonaro, bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no ISCTE e docente do módulo "Cultura transnacional" no curso de verão de Antropologia organizado por este instituto em 2008.
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