segunda-feira, agosto 25

Linhas rectas




Casamento e divórcio noutro mundo

Um tribunal de Riyadh vai apreciar um pedido de divórcio de uma menina de oito anos, casada com um homem de cinquenta. O casamento foi negociado pelo pai da menina, e o processo de divórcio é da iniciativa da mãe. A mãe acusa o pai de nem ter dito nada à criança (senhora?), que está no 4º ano de escola e ignora que já é casada.

domingo, agosto 24

Insensibilidades

Francisco Louçã acusa o Presidente da República de "insensibilidade" na questão do divórcio, recordando que não há casamento unilateral. Aproveita para pedir ao estado que não se meta no que não é do estado e da lei - curiosa reivindicação de quem quer o bedelho do estado metido em tudo, e que muito em breve veremos a defender a institucionalização do casamento homossexual.

Não sei se no caso do divórcio quem tem razão é o Presidente ou o Francisco, mas a posição deste parece-me pouco sólida. O Bloco gosta de aparecer como defensor dos mais fracos e pobres mas a máscara cai-lhe com extrema facilidade: nas situações de criminalidade nunca se identifica com as vítimas, exceptuando os casos em que elas não são olhadas como pessoas, mas sim como elementos de "grupos marginalizados". O Bloco pretende desempenhar o papel de quem, por via da intervenção estatal, quer garantir a felicidade dos cidadãos. Ora, no caso presente, está a preocupar-se objectivamente com o elemento mais leviano do casal, podendo transformar o divórcio num fácil repúdio. Para ser coerente, o Bloco deve apresentar uma emenda à lei: nos casos de repúdio à vista, o estado deve promover desde já a constituição de um banco de suplentes, a fim de garantir ao cônjuge abandonado a substituição provisória do cônjuge anterior. Uma espécie de subsídio de desemprego emocional com prazo fixo, tudo bem monitorizado e verificado por assistentes sociais especializados. Há os pobres de dinheiro e os pobres de amor, e não é evidente quais deles sofrem mais. A "insensibilidade" também não falta ao Francisco.

sábado, agosto 23

Três nomes numa lista

RISO/DOMENICO (CHD): operador de bordo da Air France, italiano, natural de Isola (Sicilia). Acompanhado de uma criança.
CHARILAS/PIERRICK: especialista em ginástica aeróbica, francês residente em Paris.
CHARILAS/ETHAN: o filho de quatro anos de Pierrick.

Os nomes fazem parte da lista de passageiros divulgada pela Spanair após o desastre do voo JK5022.

A viagem de férias para a Gran Canária terminou com a morte à saída da pista 36 de Barajas. A história surgiu com destaque nos principais jornais italianos de ontem: Domenico e Pierrick viviam juntos em Paris e o menino que viajava ao lado de Domenico era Ethan. O bilhete de Domenico fora obtido com tarifa mais favorável por incluir uma criança e por se tratar de um funcionário de outra companhia aérea. Foi um primo (e homónimo) de Domenico, que conhecia a situação do par, quem deu a informação aos jornais. A imprensa (Stampa, Repubblica, Corriere) tratou o caso com graus diversos de discreção e pudor: relativamente a Domenico, Pierrick é descrito como "um caro amigo", ou "companheiro", e por vezes o trio é descrito como uma família (com aspas). As televisões parecem não ter dado pormenores.

A mãe de Ethan confirma que o filho teve a sua curta infância muito feliz. No fundo, uma história normal.

A militância gay não gostou, claro. O Arcigay e vários blogs da órbita do pensamento único vieram com toda a pressa falar de homofobia, censura e hipocrisia.

Se alguém actua sem pudor é este tipo de activistas que não hesitam em utilizar uma tragédia para se fazerem ouvir, sempre prontos a assumir supostas causas de quem tem, simplesmente, vidas. Ninguém cuidou de saber, por exemplo, se Domenico e Pierrick gostariam de ver a sua situação exposta aos familiares e ao grande público. Além disso, também não se preocuparam com o facto de os meios de comunicação não terem investigado as relações de parentesco e orientações sexuais dos restantes 150 falecidos. Dizem não querer ser discriminados mas reivindicam discriminação sem respeito pelas pessoas.

quarta-feira, agosto 20

Aniversários, transplantes e uma Santa Aliança

O Grande Mufti da Arábia Saudita acaba de desmentir o estudioso Salman Al-Oadah, que teve a ousadia de emitir uma fatwa autorizando a celebração de aniversários e datas de casamento. Salman não vê nisso nada de contrário ao Islão.


O Mufti relembra que para os muçulmanos há apenas duas datas a celebrar, o Eid Al-Fitr, fim do Ramadão, e o Eid Al-Adha, também com significado religioso. Para além disso há ainda o culto de sexta-feira a que todos têm direito, e basta. Outros estudiosos de alto estatuto vieram apoiar este ponto de vista, sustentando que celebrar casamentos e aniversários poderia ser considerado uma imitação de práticas associadas a outras religiões. Ora o Profeta, a paz seja com ele, ensinou que isso é um erro. Os muçulmanos não podem assumir comportamentos típicos dos infiéis. Isso afectaria a sua identidade própria.

Estas directivas, que à primeira vista estão no âmbito do absurdo, são um exemplo do que une o islão radical e a esquerda de cariz socialista: a utopia de retirar aos indivíduos a sua identidade como pessoas para a substituir por um figurino ideologicamente imposto.

Por outro lado, ainda ontem se soube que a ordem dos médicos do Egipto, dominada pela Irmandade Muçulmana, se opõe a transplantes entre muçulmanos e coptas. E, tendo em conta estes preceitos sobre as condições em que a doação de órgãos é admissível, é caso para perguntar que confiança se pode ter num médico muçulmano.

Entretanto, o governo de Espanha tem novas regras para a promoção na carreira militar: os candidatos devem fazer um curso que inclui as bases teóricas da Aliança de Civilizações e políticas de igualdade de género. Mas sobre o que a dita Aliança terá ou não a dizer sobre casos como os descritos nunca ninguém fala. Caberá na agenda de Zapatero e Sampaio (tão ciosos da sua laicidade) alguma iniciativa discordante dos ensinamentos destes religiosos inclassificáveis?

Convergências

...não sou suficientemente retrógrada para ser contra ligações homossexuais, aceito, são opções de cada um, é um problema de liberdades individuais sobre o qual não me pronuncio. Pronuncio-me, sim, sobre tentar-se atribuir o mesmo estatuto àquilo que é uma relação de duas pessoas do mesmo sexo, igualmente ao estatuto de pessoas de sexo oposto... (Manuela Ferreira Leite)

The reason that people believe there needs to be a constitutional amendment, some people believe, is because, uh, of the concern that, uh, uh, about same-sex marriage. I'm not somebody who's [sic] promotes same-sec [sic] marriage, but I do believe in civil unions. I do believe that we should not, um, that that for a gay partners [sic] to want to visit each other in the hospital, for the state to say, you know what, that's all right, I don't think in any way inhibits my core beliefs about what marriage are [sic]. (Barak Obama) (Via Althouse)

domingo, agosto 17

A polícia em sua casa



Verifique aqui a taxa de criminalidade dentro das paredes da sua casa e aprecie como o sistema de ensino gosta de empacotar coisas na cabeça das criancinhas, desde que não sejam verbos complicados e cálculos com fracções.




O fabrico do prestígio

A nomeação de Ali Kordan como ministro do interior do governo iraniano está a embaraçar o presidente Ahmadinejad. A história vem contada no Guardian: Membros do parlamento insinuaram que o homem não tinha qualificação para o cargo, ao que Kordan respondeu com um certificado de licenciatura em Direito pela Universidade de Oxford. Começou a correr nos media que o certificado correspondia apenas a um curso de nível médio, e Kordan seguiu em frente, apresentando um certificado de doutoramento honoris causa em Direito por Oxford. O bocado de papel tinha a assinatura de três professores da instituição. Mas os críticos do presidente não descansaram e remeteram o documento à Universidade, que negou não só a sua validade mas também que Kordan ali tivesse adquirido algum grau académico. A Universidade declarou ainda que os três professores cuja assinatura figura no pretenso certificado não só não assinam certificados como não são da área de Direito.

Ahmadinejad defende o nomeado dizendo que não se deve censurar um homem por causa de um bocado de papel. O presidente anda um pouco distraído: para não perder popularidade entre os seus admiradores entre nós, devia dar uma boa lição a Kordan por tentar ganhar prestígio à custa de uma universidade do corrupto e decadente mundo ocidental.

terça-feira, agosto 12

O fascinante silêncio

Nos poucos dias da guerra que envolve a Rússia e a Geórgia, os mortos civis já se contam aos mihares e os refugiados às dezenas de milhares. Os profissionais do "não à guerra" não se têm feito ouvir muito, em contraste com as múltiplas acções contra a guerra no Iraque. Não é, com certeza, por terem menos pena destes civis do que dos civis iraquianos: porque na verdade não têm pena de civis nenhuns. O problema é que no actual conflito escolher campos é entrar num terreno perigoso e escorregadio. Não é tão evidente quem são os maus, e mesmo os contributos teóricos da esquerda para culpar directamente a admnistração americana apenas surgem em franjas lunáticas. Os sectores de "esquerda" fazem, por um lado, uma velada defesa dos "interesses da Rússia", embora a censurem pelo que fez na Tchetchénia. (Não há contradição: a esquerda tem o papel de idiota útil numa aliança táctica com o islamismo radical.) De qualquer maneira, este post mostra que a reacção a esta guerra é muito menos agressiva do que foi em relação à outra: tudo parece reduzir-se a uma pacífica discussão filosófica sobre coerências (onde não falta a de Bush, bem entendido). Da coerência dos que neste caso reagem tão diferentemente é que não se fala.

segunda-feira, agosto 11

domingo, agosto 10

Massagens

As massagens estão agora também proibidas em praias italianas. A directiva é central, vem de uma sub-secretária de estado. Os argumentos são mais sofisticados do que aquele do "sabe-se como começa mas não como acaba":

Não percebo porque se há-de tolerar a presença de pessoas que abusam da credulidade dos outros. Nem compreendo como as pessoas aceitam que desconhecidos lhes ponham as mãos em cima. Além disso massagens mal feitas arriscam-se a causar problemas sérios, sobretudo na cervical. Um fenómeno deplorável.

Tudo isto parece óbvio, e a primeira frase poderia ser aplicada a uma grande variedade de situações, desde o crédito bancário às promessas dos Scolaris, passando de raspão pelo professor Bambo, pela Maya e pela produção teórica das ciências da educação. Infelizmente, a credulidade dá sentido à vida para uma imensa maioria, assim como o toque por desconhecidos pode bem ressuscitar excitações moribundas.

Se acabarem com elas nas praias, hão-de ressurgir noutra forma ou noutro lugar.

sexta-feira, agosto 8

Luz do sul







Teoria ideológica da sôdade

Como disse um dos meus interlocutores, Fernando: ‘Aqui em Bubaque, na Guiné, temos um atraso de séculos em relação à Europa.'

A este propósito é importante não desvalorizar esta visão da realidade contemporânea definindo-a como ideológica e imputando-a portanto ‘simplesmente’ à imposição violenta de uma ordem interpretativa por parte dos sistemas de regulação dos tráfegos económicos/culturais do capitalismo avançado. O discurso da modernidade e da civilização representa claramente uma herança da ideologia colonial, que chega aos jovens mediada (e certamente pouco transformada) mediante as ideias de progresso e desenvolvimento que plasmaram e continuam a plasmar não só as políticas dos estados africanos no período pós-independência, mas até o tom das relações internacionais entre o Eurocentro e o resto do planeta.

(...)

A marginalização da África por parte do colonialismo e do capitalismo ocidental não é só um problema de representação, mas também e sobretudo de estratégias concretas políticas e económicas.

(...)

A Europa torna-se, através da junção de fragmentos de representações, o lugar ideal para onde "ir formar-se para poder desenvolver-se", a oportunidade de participar na "cultura da modernidade".

(...)

As palavras dos meus interlocutores mostram claramente um alto nível de consciência e atitude crítica face às estratégias marginalizantes inegavelmente presentes na Europa. Além disso, a cultura juvenil urbana dos emigrantes ou seus filhos em Portugal indicia um aumento gradual de caminhos alternativos, reivindicando (por vezes criando) uma especificidade cultural "africana" em oposição aos centros do capitalismo europeu. O poder e a superioridade do "centro" é posto continuamente em causa por forças que se movem em direcção contrária, e neste movimento encontra lugar uma nova interpretação do sentimento de saudade, do desejo de retorno ao país de origem (...) A saudade representa uma manifestação de falência da ordem dominante, enquanto sintoma de um laço imprescindível com o contexto de origem (...) que se manifesta frente à progressiva substituição dos fantasmas do ocidente pelo quotidiano de Lisboa, pelo "cansaço da Europa".


Não ficaria deslocado, a não ser talvez pela erudição da escrita, como fragmento de um debate neste acampamento, ou pelo menos como pré-requisito teórico. Mas trata-se de algo muito diferente (ou não?). São fragmentos de um artigo de Lorenzo Bordonaro, bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no ISCTE e docente do módulo "Cultura transnacional" no curso de verão de Antropologia organizado por este instituto em 2008.

Finalmente, a explicação

O Al-Salam é um jornal alemão de distribuição gratuita e destinado à população árabe. Define-se como portador de uma mensagem de integração.

De acordo com notícias de há dois dias, o jornal acaba de publicar um artigo em que se explica que a homossexualidade é não apenas um pecado que ofende Deus, mas uma doença causada por uma bactéria carnívora que se transmite por contacto. Por esse motivo, não se deve apertar a mão a um homossexual. O artigo termina recordando que de acordo com os ensinamentos do Profeta os homossexuais devem ser mortos. O texto é acompanhado com fotos de dermatoses ilustrativas do perigo que a homossexualidade representa.

Trata-se, sem dúvida, de mais uma importante contribuição da sabedoria muçulmana para a compreensão do mundo.

E, com certeza por respeito à ciência, muitos responsáveis progressistas hesitam já sobre quem vão continuar a apoiar: se os árabo-imigrante-coitadinhos ou os gay-lésbico-coitadinhos. Na dúvida, suspeito que irão ter o cuidado de não ofender ninguém, mas sobretudo os que já se sabe que não toleram ser irritados.

(Via Nueva Europa)

Actualização: vem bem a propósito este artigo de Bruce Bawer no Pajamas Media. Enquanto uma Europa dormente se entretém com o casamento gay e outras fracturâncias, na Noruega já se debate a pena de morte para os homossexuais. Senaid Kobilica, presidente do Conselho Islâmico, dizendo nem sim nem não, ainda não se pronunciou definitivamente: aguarda o parecer do Conselho Europeu para a Fatwa. Kobilica, além de ser secretário de um sindicato, está ligado a uma das mais influentes organizações dentro do Partido Trabalhista (no poder) e não há conhecimento de alguém lá dentro se ter escandalizado com a indefinição de Kobilica sobre a questão. Pelo contrário, tentam justificá-lo pela sua condição de "muçulmano norueguês". Naturalmente, o parecer vai ser suficientemente ambíguo para não causar sobressaltos. Para já, claro: Kobilica representa agora umas dezenas de milhar de muçulmanos na Noruega, mas quando este número tiver mais uns zeros a conversa poderá bem ser outra.