terça-feira, julho 8

O mistério dos exames

O exame de Matemática do 12º ano foi muito fácil, o de Português não tanto. O assunto é interessante porque parece jogar a favor do Ministério da Educação e do GAVE, fornecendo-lhes um argumento para desmentir os que os acusam de promover o facilitismo. No entanto, mesmo descontando o problema da ambiguidade de uma das questões do exame de Português, olhando para os dois testes fico com uma impressão diferente.

O facto que me parece relevante é que, com o actual figurino dos testes, a avaliação em Matemática tornou-se mais fácil de falsificar. O carácter unívoco das respostas e a sua redutibilidade a um pequeno número de "esquemas" permite, com poucos conhecimentos e apenas um pouco de habilidade, uma dose de sucesso razoável, desde que as questões postas se mantenham num nível bastante elementar. Quando o Ministério diz que está a avaliar estas 21 competências

• Uso correcto do vocabulário específico da Matemática;
• Utilização e interpretação da simbologia da Matemática;
• Utilização de noções de lógica indispensáveis à clarificação de conceitos;
• Domínio correcto do cálculo em R e em C, operando com expressões racionais, irracionais,
exponenciais, logarítmicas e trigonométricas;
• Conhecimento dos conceitos de continuidade, derivadas e limites;
• Desenvolvimento de raciocínios demonstrativos, usando métodos adequados;
• Desenvolvimento de raciocínios demonstrativos, a partir da Axiomática das Probabilidades;
• Resolução de problemas envolvendo cálculo de probabilidades;
• Resolução de problemas de contagem;
• Resolução de problemas no contexto das disciplinas de Matemática, de Físico-Química, de
Economia e de Ciências Naturais;
• Resolução algébrica, numérica e gráfica de equações, inequações e sistemas;
• Selecção de estratégias de resolução de problemas;
• Formulação de hipóteses e previsão de resultados;
• Análise de situações da vida real (em casos simples), usando modelos matemáticos que
permitam a sua interpretação e a sua resolução;
• Interpretação e crítica dos resultados no contexto do problema;
• Interpretação e resolução de problemas, recorrendo a funções e aos seus gráficos, por via
intuitiva ou por via analítica, e usando a calculadora gráfica;
• Aplicação dos conhecimentos de Análise Infinitesimal no estudo de funções reais de
variável real;
• Relacionação de conceitos da Matemática;
• Expressão do mesmo conceito em diferentes formas ou linguagens;
• Apresentação dos textos de forma clara e organizada;
• Comunicação de conceitos, raciocínios e ideias, com clareza e rigor lógico.


está a dar-nos música para os ouvidos. Em contrapartida, enquanto nos exames de Português se valorizar ortografia e sintaxe, não será possível obter uma boa classificação sem um conhecimento mínimo da estrutura da língua. Reduzida a preparação em Matemática a testes-tipo que se podem resolver sem domínio das principais características da disciplina (o rigor, a ampla conexão lógica que torna os factos compreensíveis a partir de outros factos), caberá ao Português o papel de seleccionar quem ainda entende alguma estrutura de alguma coisa.

A acção persistente dos ministérios de educação nas últimas décadas favoreceu a transformação da disciplina de Matemática numa colecção de "unidades" desconexas mas fáceis de "estudar para exame". No futuro próximo, as Universidades terão de seleccionar os alunos de cursos técnicos e científicos pela nota de Português.

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