segunda-feira, maio 8

O amor nos tempos de internet (11)

Decorridos cinco meses sobre a fuga de Sofia, sentia-me na corda bamba. Já não era a ausência dela que me atormentava, mas a indefinição e vagueza dos meus próprios sentimentos. Tinha-me apercebido de que já não sofria desde aquela manhã que a empregada, a D. Adília, dedicara a uma limpeza mais profunda: aspirou o ralo da banheira com o desentupidor, atirou restos do cabelo alourado de Sofia pelo cano abaixo e eu, que ainda estava em casa e presenciei a cena, não senti nada.

A Rita tinha-me salvo de um naufrágio mais completo, mas não poderia mentir a mim próprio convencendo-me de que quereria estar com ela a longo prazo. A Matilde caiu como lava sobre gelo. O fim de semana no Norte tinha sido perfeito e, se não sou demasiado ingénuo a avaliar as mulheres, convenci-me de que para ela tinha sido tão agradável como para mim. No entanto, quando lhe sugeri timidamente um convite para vir a Lisboa, ela enredou e desviou o assunto. Seguiram-se ambíguos sinais de esfriamento. Quando na segunda à noite lhe liguei, antes de sair do escritório, fui parar à caixa de correio. Diabos, pensei, lá em casa com a Rita não posso telefonar, a não ser que lhe conte tudo, mas neste momento nem tenho a certeza do que é tudo. Tentei passados dez minutos e apareceu o timbre doce e firme: Olá!
-Olá, amor, já tinha tentado há bocado, onde estavas?
-Tinha ficado sem bateria. Agora já carreguei
-Tinha tantas saudades de te ouvir. Já pensaste no que te disse?
-Disseste-me tanta coisa, não sei se já pensei em tudo
-Parece que estás a falar a medo, os teus pais estão aí perto?
-Não, devem estar a chegar
-Eu como te disse estou seguro de mim, só espero a tua decisão
A chamada caiu. Senti um alívio amargo, porque na realidade as coisas iriam complicar-se se a Matilde dissesse que sim, que viria para Lisboa, para viver comigo. Se não nos déssemos bem eu não a prenderia. Sim, mas com que cara fico diante dos meus pais? era, aparentemente, a grande questão dela. Eu sabia tão bem como ela que a questão não era nada simples, mas o meu feitio aventureiro impelia-me para diante. Voltei a marcar e fui parar outra vez à caixa de correio e ao pânico de não saber o que se passava do outro lado. Nos dias seguintes não houve contacto nem por telefone nem no chat. Na quinta feira seguinte, quando liguei o pc na Companhia, apareceu-me a caixa de diálogo do messenger: a terezinha18, nick que eu desconhecia, queria ser adicionada à minha lista. Intrigado, fiz ok. Ao fim da tarde, quando me preparava para sair do escritório, a terezinha18 apareceu online.

terezinha18 diz:
ola
L. diz:
ola, conhecemo-nos?
terezinha18 diz:
quem sabe, mas podemos vir a conhecer-nos
L. diz:
nao me lembro de termos contactado aqui antes
terezinha18 diz:
és de lisboa?
L. diz:
sim, e tu?
terezinha18 diz:
estou perto
L. diz:
mas que misterio
terezinha18 diz:
o misterio sera desfeito em breve. Como vais de amores?

Uma que me conhece ou ao serviço de alguma que me conhece, pensei.

L diz:
confesso que estou atrapalhado
terezinha18 diz:
se es casado nao quero atrapalhar
L. diz:
Por isso nao será, estou separado
terezinha18 diz:
a sério? e nao há namorada à espera
L. diz:
porque queres saber, se eu não te conheço?
terezinha18 diz:
não quero, estava a brincar contigo
L. diz:
que alívio
terezinha18 diz:
e dás conta do recado com os filhos?
L. diz:
filhos só tenho um

Aqui caí em mim, gravei o diálogo e desliguei-me. Estava a cair no jogo como um adolescente: falar de mim com uma brincalhona ou pior que tem a vantagem do anonimato. O que a princípio me pareceu uma ajuda para esquecer a Matilde por uns momentos acabou por assumir o aspecto de potencial ameaça. Fragilizado, dei-me conta de sentir medo: em situação normal, não deixaria de tirar partido do episódio nem que fosse só pelo gozo inconsequente.

Mas na sexta feira todos estes acontecimentos e dúvidas estavam destinados a descer de categoria, expulsos do pódio por um documento que descobri, de modo fortuito, no pc de casa. Tinha trazido cópia da conversa com a terezinha18 para guardar no computador, e ao abrir a pasta chamou-me a atenção um documento desconhecido com o título cb0412. Fui ver e logo me apercebi de que era parte de uma conversa tida, no messenger, pelo Eduardo com alguém de Coimbra, no fim de semana anterior. Com certeza por descuido, o Eduardo tinha-se esquecido de a apagar. Quando li pela terceira vez, tive a noção de ter intuído, com grande segurança, quem era o interlocutor. E de ouvir uma voz de consciência, se é que existe, a martelar: tens um filho e não lhe ligas nada, não admira que não saibas nada dele. A Rita apercebeu-se da minha perturbação e tive que inventar uma dor de estômago, que rapidamente se tornou real.

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