domingo, maio 14

A estratégia epistolar



(www.filibustercartoons.com)

Há já muito tempo que Ahmadinejad fala não apenas para o mundo islâmico mas, sobretudo, para os ocidentais. Isto mesmo é sublinhado hoje no editorial do PÚBLICO por José Manuel Fernandes, a propósito da famosa carta a Bush, de que o jornal hoje publica o essencial. A leitura do texto confirma essa impressão e exibe como a opinião pública na Europa e nos Estados Unidos abriu caminho fácil à estratégia mediática dos dirigentes iranianos. É impossível, em face da carta, não sentir o incómodo de constatar que ela poderia ter sido escrita, e facilmente subscrita, por figuras notórias do nosso mundo político e cultural, e por não poucos entre os nossos amigos, conhecidos e vizinhos. Nalguns casos, pequenas alterações de pormenor seriam suficientes: conjecturo que Louçã e Drago recomendassem a retirada das referências a Jesus Cristo e que Freitas do Amaral, Mário Soares e Maria do Céu Guerra, cada um pelas suas razões, requeressem uma alteração de forma no parágrafo final, em que o convite à conversão é apontado como solução para os problemas do mundo.

O Ayatollah Ahamd Jannati, grande leader da oração de 6ª feira em Teerão, tem uma opinião que choca com esta minha visão, porque ele afirma que a carta teve inspiração divina. (Terá o pensamento dos nossos políticos e mentores de opinião, mesmo dos mais empedernidamente laicos, sido contaminado, sem que eles o saibam, pela luz proveniente de um Todo Poderoso?)

Claro que a opinião de Jannaty é que pode estar minada pela conveniência política que a circunstância lhe aconselha. Se é de um apelo à conversão que se trata, porque é que, como nota o analista iraniano Mehran Riazaty, Ahmadinejad não se dirigiu em primeiro lugar aos dirigentes ateus chineses e russos? Só porque estes não têm dificultado o caminho para a bomba?

Com suprema ironia, Ahmadinejad pergunta ao destinatário se acha que os resultados das políticas recentes dos EEUU são compatíveis com os ensinamentos de Jesus Cristo e os direitos humanos. Ele sabe que a questão não lhe pode ser devolvida. Direitos humanos é coisa com a qual o Corão nada tem a ver: a teocracia está no rumo certo.

1 comentário:

Nino disse...

O seu raciocínio é brilhante.