domingo, novembro 15
Silêncios
Nos sítios do PSD e do PS na internet não há até este momento qualquer referência ao que se passou em Paris na sexta feira. Se alguma nota de imprensa passou nos jornais ou na rádio, deve ter sido muito discreta porque não me recordo de a ter lido ou ouvido. Assim, estou sem saber o que o nosso actual PM, e o que aquele que está ansioso por o substituir, pensam sobre o assunto em termos de importância e impacto no nosso futuro próximo. O CDS tem lá uma pequena nota, muito discreta, com referência a "terrorismo" assim sem mais, em abstracto. Há um comunicado solene do gabinete de imprensa do PCP, em que a preocupação principal é o crescimento das forças xenófobas e racistas. O sítio do Bloco refere preocupações semelhantes mas em linguagem menos formal (presumo que não combinaram nada entre ambos) e oferece, além disso, a visão da candidata Marisa, que pede meças às melhores opiniões jamais publicadas das misses sobre os problemas da paz no mundo. Esta, ao menos, disse alguma coisa, mas também não me recordo de ouvir nem sequer os outros candidatos que têm números com 2 dígitos nas sondagens pronunciarem-se. Que pensarão Nóvoa, Belém e Rebelo de Sousa? Talvez que ser PR é fazer uns discursos nos feriados, antigos ou repostos, gerindo com tranquilidade e discreção o cantinho de paz que Portugal parece ocupar na Europa, e onde os grandes problemas que se esperam não ultrapassarão as coreografias de incidência parlamentar e as subtilezas de natureza constitucional.
domingo, novembro 1
Sorrisos na caixa do correio
Esta semana chegou mais um número da revista da minha freguesia. Na linha de uma tradição já longa, a revistinha tece loas às "lutas", às "vitórias" e às "conquistas" realizadas sob a batuta da nossa junta. Os títulos dos artiguinhos terminam em regra com um ponto de exclamação. São discretamente escalpelizadas as maldades do inimigo externo, que é ora o governo ora a Câmara de Lisboa. Mas a mensagem que sobra é de um optimismo inexcedível. Vivemos num lugar "mágico" (a palavra tem sido utilizada diversas vezes) e a felicidade transbordante que é exibida excede a de qualquer cartaz chinês dos bons tempos de Mao. Nas 22 fotos incluídas no último número, contei 27 sorrisos, dos quais 17 escancarados e com fileiras de dentes impecáveis. Só posso ficar contente.
Asunta Yong Fang
No dia 21 de setembro de 2013, quase certamente entre as 18:22 e as 20:00, na povoação de Teo (Galiza), a menina Asunta Yong Fang foi atada com cordas cor de laranja e morta por asfixia. Do relatório de autópsia consta: "discreta hemorragia nasal; erosão no interior da boca
[possível consequência da marca dos dentes pela pressão exercida do exterior com um objecto mole]; hemorragia pulmonar com rotura dos
tabiques alveolares; um rasgão na
boca do estômago, na união com o esófago", revelando que Asunta chegou a sofrer "náuseas ou vómitos no processo de
morte". O cadáver foi descoberto, na noite desse dia, junto a uma estrada florestal, por dois homens que se dirigiam a um bar de alterne e que, por conduzirem embriagados, quiseram evitar uma estrada de maior movimento. Junto ao corpo, cordéis cor de laranja semelhantes aos que a polícia encontraria horas mais tarde na vivenda em Teo, e que Rosário, visivelmente ansiosa, terá tentado esconder.
Asunta foi adoptada em em 2001 por Alfonso e Rosário, um casal muito bem visto na sociedade de classe média-alta de Santiago de Compostela. Alfonso e Rosário foram acusados do assassinato da filha. No julgamento, que tem estado a decorrer em Santiago, o júri considerou-os culpados no passado dia 30.
Alfonso e Rosario viveram em casas separadas desde o início de 2013, quando Alfonso descobre que Rosário tem um amante. Mas, sem grandes meios de subsistência e dependendo das ajudas da mulher, volta a casa, na rua da República Argentina, em Maio.
No dia 21 de setembro de 2013 a menina almoçou com o pai em Santiago. Ao fim do dia terá sido levada pela mãe à vivenda desta em Teo. A câmara de uma gasolineira filmou as duas no Mercedes às 18:22.
A autópsia revelou também a ingestão por Asunta de grandes quantidades de lorazepam. Está fora de dúvida que desde o início do verão que Alfonso comprara várias embalagens de Orfidal, medicamento que tem por base aquele princípio activo, na farmácia da rua Hórreo. E várias testemunhas comprovaram o estado de sonolência de Asunta em diversas ocasiões nesse período.
O júri pensa que Alfonso e Rosário actuaram em conjunto no planeamento do crime. Na ausência de detecção por câmaras de filmar, a presença de Alfonso na casa de Teo não pôde ser provada. Quanto a Rosário, não há dúvidas: uma vizinha que ela cumprimentou à pressa viu-a sair da vivenda às 20:45. Alfonso sustenta que passou toda a tarde em Santiago, e o posicionamento do seu telemóvel não o desmente. Rosário diz que deixou a menina a fazer os trabalhos de casa e voltou à casa de Santiago. Voltou, curiosamente, com o telemóvel desligado. Nenhum rasto de passos ou pneus foi detectado no sítio onde o cadáver foi descoberto.
Rosário conheceu Alfonso num café de Santiago em 1990. Casaram em 1996. Ambos profissionais medíocres, foram muito apoiados pelos pais endinheirados de Rosário, que os pressionaram no sentido da adopção da menina. A mãe de Rosário, catedrática de História de Arte na Universidade de Santiago, morreu durante uma noite de sono tranquilo em dezembro de 2011. O pai, advogado de sucesso num tempo em que havia poucos, e que gostava tanto da neta que lhe terá destinado em testamento boa parte do património, finou-se do mesmo modo sete meses depois. A respeito destas ocorrências uma prima de Rosário levantou, na ocasião, insinuações pouco edificantes que sairam nos jornais.
Tendo ficado por explicar detalhes importantes para a reconstituição dos passos de Alfonso e Rosário no fim de tarde de 21 de setembro, mas em presença de indícios comprometedores abundantes, de contradições e de falta de explicações convincentes por parte dos arguidos, o júri pronunciou-se mesmo assim por unanimidade pela culpabilidade do casal.
Um problema central e não satisfatoriamente resolvido é o do móbil do crime. Ficou no ar a suspeita de que a menina foi morta por se ter tornado um estorvo para os pais. Conversas telefónicas entre ambos, após o crime, registadas em escutas sem valor em tribunal, mostraram que um e outro nunca mencionam a filha, estando unicamente preocupados com eles próprios. É possível simplesmente que se trate de duas pessoas que não prestam, uma delas dependente da outra por razões económicas, talvez as duas ligadas pela partilha de algo mais que os envergonha e que não podem revelar.
Fontes: El País, La Vanguardia, El Correo Gallego, La Voz de Galicia.
quarta-feira, outubro 21
Em busca da madalena
Faça-se um intervalo para as notícias verdadeiramente importantes.
De acordo com rascunhos da Recherche a serem publicados esta semana, a madalena esteve para ser uma tosta com mel.
No fundo isto não será grande novidade. O mais interessante, como agora sucede frequentemente nas notícias de jornal, são os comentários ao artigo do Guardian e em particular algum bom humor que eles transmitem. Alguns têm graça sem o saber. Gostei deste, de fflambeau
Does anyone really read Proust? I've tried several times (and I have several higher degrees and read a lot of literature). This man needed a team of editors and something to say.
e da resposta de DickenBroom:
Yes. He had something to say: "everything". And he did. Try again. It is worth it.
De acordo com rascunhos da Recherche a serem publicados esta semana, a madalena esteve para ser uma tosta com mel.
No fundo isto não será grande novidade. O mais interessante, como agora sucede frequentemente nas notícias de jornal, são os comentários ao artigo do Guardian e em particular algum bom humor que eles transmitem. Alguns têm graça sem o saber. Gostei deste, de fflambeau
Does anyone really read Proust? I've tried several times (and I have several higher degrees and read a lot of literature). This man needed a team of editors and something to say.
e da resposta de DickenBroom:
Yes. He had something to say: "everything". And he did. Try again. It is worth it.
domingo, outubro 18
Carta ao Editor da Nature sugere suspensão da democracia
Numa carta ao Editor publicada esta semana na Nature, os subscritores afirmam:
Seria surpresa, se fôssemos ingénuos, o subtítulo que os editores deram à carta:
"Climate change: Climate justice more vital than democracy."
Democratic decision-making involves multiple stakeholders, and democracy emphasizes the mutual roles of actors: all preferences are treated as equal. In many regions of the world, however, the results of democratic choices can be strongly influenced by power relations and inequitable social arrangements, owing to differences in economic development, access to technology and knowledge.
Elites may use democratic processes to entrench their status or encroach on other social goals. This can lead to incremental or undesirable results, which might explain why large democratic nations such as the United States continue to oppose progressive climate legislation.
In our view, sound climate and energy planning should not treat all stakeholders in the same way. Instead, preferences and roles should be weighted to consider criteria related to equity, due process, ethics and other justice principles. This would ensure that stakeholder discussions and resulting policies serve to eradicate, rather than exacerbate, socio-economic vulnerability to a changing climate.
Seria surpresa, se fôssemos ingénuos, o subtítulo que os editores deram à carta:
"Climate change: Climate justice more vital than democracy."
A carta responde a uma outra, de Nick Stern, que a Nature publicou em 22 de setembro sob o título mais moderado "Climate policy: Democracy is not an inconvenience", com a explicação suplementar "Climate scientists are tiring of governance that does not lead to action. But democracy must not be weakened in the fight against global warming, warns Nico Stehr."
Os ataques à liberdade de expressão vindos da academia não são surpresa. No caso das ciências ditas do clima, as guerras são bem conhecidas. O tema fornece pretextos magníficos aos que pensam que as coisas só estão bem se forem eles a mandar. As universidades estão cheias de pessoas que pensam assim: para além de muitos e variados exemplos, basta observar como têm recentemente vindo a gerar os quadros fundadores de partidos de vocação totalitária escondidos sob o nome de algum verbo.
Ainda há dias Philippe Verdier, meteorologista na France 2, foi afastado por ter publicado um livro herético. Num tempo em que revistas científicas se dedicam à grande política, não podemos surpreender-nos.
sábado, outubro 17
Centenário
Passa hoje o centenário de Arthur Miller, um dos grandes dramaturgos do século passado. Criticou a amoralidade do capitalismo e também a duvidosa ética de algumas das suas vítimas da classe média. Na sua obra prima, Morte de um caixeiro viajante, não há rapazes bons.
BIFF: No, you’re going to hear the truth — what you are and what I am!
LINDA: Stop it!
WILLY: Spite!
HAPPY (coming down toward Biff): You cut it now!
BIFF (to Happy): The man don’t know who we are! The man is gonna know! (To Willy) We never told the truth for ten minutes in this house!
HAPPY: We always told the truth!
BIFF (turning on him): You big blow, are you the assistant buyer? You’re one of the two assistants to the assistant, aren’t you?
HAPPY: Well, I’m practically —
BIFF: You’re practically full of it! We all are! And I’m through with it. (To Willy.) Now hear this, Willy, this is me.
WILLY: I know you!
BIFF: You know why I had no address for three months? I stole a suit in Kansas City and I was in jail. (To Linda, who is sobbing.) Stop crying. I’m through with it. (Linda turns away from them, her hands covering her face.)
WILLY: I suppose that’s my fault!
BIFF: I stole myself out of every good job since high school!
WILLY: And whose fault is that?
BIFF: And I never got anywhere because you blew me so full of hot air I could never stand taking orders from anybody! That’s whose fault it is!
WILLY: I hear that!
LINDA: Don’t, Biff!
BIFF: It’s goddam time you heard that! I had to be boss big shot in two weeks, and I’m through with it.
BIFF: No, you’re going to hear the truth — what you are and what I am!
LINDA: Stop it!
WILLY: Spite!
HAPPY (coming down toward Biff): You cut it now!
BIFF (to Happy): The man don’t know who we are! The man is gonna know! (To Willy) We never told the truth for ten minutes in this house!
HAPPY: We always told the truth!
BIFF (turning on him): You big blow, are you the assistant buyer? You’re one of the two assistants to the assistant, aren’t you?
HAPPY: Well, I’m practically —
BIFF: You’re practically full of it! We all are! And I’m through with it. (To Willy.) Now hear this, Willy, this is me.
WILLY: I know you!
BIFF: You know why I had no address for three months? I stole a suit in Kansas City and I was in jail. (To Linda, who is sobbing.) Stop crying. I’m through with it. (Linda turns away from them, her hands covering her face.)
WILLY: I suppose that’s my fault!
BIFF: I stole myself out of every good job since high school!
WILLY: And whose fault is that?
BIFF: And I never got anywhere because you blew me so full of hot air I could never stand taking orders from anybody! That’s whose fault it is!
WILLY: I hear that!
LINDA: Don’t, Biff!
BIFF: It’s goddam time you heard that! I had to be boss big shot in two weeks, and I’m through with it.
quarta-feira, setembro 30
Domingos, intuição e emoção
Votar para escolher como vamos ser governados é um assunto sério. Mas votamos em face de escolhas racionais? À primeira vista não há razão para o negar. Assim, a visão mais simples do que se passa num domingo de eleições é que cada um vota de acordo com o julgamento que fez das políticas em competição, tendo naturalmente em vista a que intui que melhor se ajustará à satisfação dos seus interesses ou de um interesse colectivo.
Na verdade não me parece que seja bem assim. Estou a conjecturar gratuitamente, eu sei, mas olhar para o que se passa dá-nos o direito de formar algumas convicções. Ora eu estou convencido que uma enorme parte dos eleitores age nos tais domingos em função de uma adesão emocional, não totalmente consciente, a certa área ou linha do espectro político. Assim, aquilo que se escolhe ao domingo pode ter pouca relação com a inteligência de cada um ou com a sua capacidade de ler a realidade sem preconceitos. Daí que, por exemplo, pessoas inteligentes e com honestidade a toda a prova votem descansadamente em dirigentes que no mínimo são próximos de cliques mergulhadas em corrupção. Na melhor das hipóteses, mesmo reconhecendo essa corrupção, desvalorizam-na em face daquela que afecta os partidos adversários do seu. Pelo contrário, pessoas menos emocionais fazem a sua escolha desapaixonadamente, frequentemente pelo critério de mal menor.
Isto passa-se nos tais domingos em muitos países democráticos.
No entanto (mais uma conjectura minha) o grau de emocionalidade presente na escolha não é o mesmo em todos os segmentos de preferência política ou ideológica. O modo e o grau com que isso sucede pode variar de país para país e em função de conjunturas particulares. Na Catalunha, os independentistas reuniram uma larga adesão do eleitorado, apesar da proximidade com a cúpula dos Pujol, fortemente suspeita de corrupção. Mas de um modo geral, em Espanha ou em Portugal, a escolha motivada por adesão afectiva, inconsciente, está presente com prevalência no espaço que por comodidade classificamos como "esquerda". O enorme apoio que o PS reúne, de acordo com as sondagens, é revelador de uma fé inabalável de larguíssimos sectores de cidadãos. Enquanto os que votam na "direita" (digamos assim, para usar a terminologia habitual), lá ou cá, não o fazem embevecidos com os líderes Passos ou Rajoy, não deixa de ser admirável como uma pessoa politicamente tão cinzenta e medíocre como Costa vem alimentando sonhos de regresso a um paraíso perdido.
Na verdade não me parece que seja bem assim. Estou a conjecturar gratuitamente, eu sei, mas olhar para o que se passa dá-nos o direito de formar algumas convicções. Ora eu estou convencido que uma enorme parte dos eleitores age nos tais domingos em função de uma adesão emocional, não totalmente consciente, a certa área ou linha do espectro político. Assim, aquilo que se escolhe ao domingo pode ter pouca relação com a inteligência de cada um ou com a sua capacidade de ler a realidade sem preconceitos. Daí que, por exemplo, pessoas inteligentes e com honestidade a toda a prova votem descansadamente em dirigentes que no mínimo são próximos de cliques mergulhadas em corrupção. Na melhor das hipóteses, mesmo reconhecendo essa corrupção, desvalorizam-na em face daquela que afecta os partidos adversários do seu. Pelo contrário, pessoas menos emocionais fazem a sua escolha desapaixonadamente, frequentemente pelo critério de mal menor.
Isto passa-se nos tais domingos em muitos países democráticos.
No entanto (mais uma conjectura minha) o grau de emocionalidade presente na escolha não é o mesmo em todos os segmentos de preferência política ou ideológica. O modo e o grau com que isso sucede pode variar de país para país e em função de conjunturas particulares. Na Catalunha, os independentistas reuniram uma larga adesão do eleitorado, apesar da proximidade com a cúpula dos Pujol, fortemente suspeita de corrupção. Mas de um modo geral, em Espanha ou em Portugal, a escolha motivada por adesão afectiva, inconsciente, está presente com prevalência no espaço que por comodidade classificamos como "esquerda". O enorme apoio que o PS reúne, de acordo com as sondagens, é revelador de uma fé inabalável de larguíssimos sectores de cidadãos. Enquanto os que votam na "direita" (digamos assim, para usar a terminologia habitual), lá ou cá, não o fazem embevecidos com os líderes Passos ou Rajoy, não deixa de ser admirável como uma pessoa politicamente tão cinzenta e medíocre como Costa vem alimentando sonhos de regresso a um paraíso perdido.
domingo, setembro 20
Duas ou três coisas que me chamaram a atenção nos jornais, hoje
Foto de praia com menino morto: Mário Vargas LLosa resume o problema da emigração massiva em direcção à Europa. O diognóstico feito com o bom senso que é tão difícil de aplicar no mundo real.
A foto do menino afogado aparece também em destaque na revista do ISIS (sim, claro que têm uma revista) com a advertência de que sair das terras do Islão para as dos infiéis é pecado muito grave. O ISIS culpa os emigrantes sírios de causarem a perdição dos corpos e das almas dos seus filhos. Naturalmente, o ISIS quer ser ele próprio a fazê-lo.
Também hoje vários jornais europeus (El País, El Mundo, Telegraph) e dos EUA (NY Times, WaPo) noticiam com algum destaque a morte aos 77 de Jackie Collins, escritora prolífica e adorada pelos leitores. Aproveitei para querer saber quem era a senhora. Escreveu mais de 30 livros com descrições de sexo explícito, e vendeu milhões de exemplares. Parece que aos 13 anos já lia Harold Robbins.
A secção light do El País contém dicas valiosas para homens que queiram enviar uma primeira mensagem de aproximação amorosa. Precioso o alerta contra erros ortográficos: dão equivalência ao mau hálito.
A foto do menino afogado aparece também em destaque na revista do ISIS (sim, claro que têm uma revista) com a advertência de que sair das terras do Islão para as dos infiéis é pecado muito grave. O ISIS culpa os emigrantes sírios de causarem a perdição dos corpos e das almas dos seus filhos. Naturalmente, o ISIS quer ser ele próprio a fazê-lo.
Também hoje vários jornais europeus (El País, El Mundo, Telegraph) e dos EUA (NY Times, WaPo) noticiam com algum destaque a morte aos 77 de Jackie Collins, escritora prolífica e adorada pelos leitores. Aproveitei para querer saber quem era a senhora. Escreveu mais de 30 livros com descrições de sexo explícito, e vendeu milhões de exemplares. Parece que aos 13 anos já lia Harold Robbins.
A secção light do El País contém dicas valiosas para homens que queiram enviar uma primeira mensagem de aproximação amorosa. Precioso o alerta contra erros ortográficos: dão equivalência ao mau hálito.
sábado, setembro 5
r > g
Está fora de dúvida que não tenho tempo de ler o novo Capital de Picketty, mas felizmente há um resumo em quatro parágrafos no Economist. Pelo que se lê nos comentários, o resumo não é muito apreciado, mas a recomendação de Bill Gates tem o seu peso.
domingo, agosto 23
Alguém está a exagerar
O terrorista do comboio "não compreende como é que esta história assumiu tais proporções" e com razão. Com o à vontade de que goza para viajar para fora e dentro da Europa e com o sossego e tempo livre que lhe deixam para se dedicar a encontrar armas de guerra perdidas em parques, e para viajar em TGV, o que mais surpreende é que se faça tanto barulho à volta do caso. Como se determinadas causas não tivessem as naturais consequências. E mesmo assim as notícias são discretas e muito cautelosas. Por exemplo, só no La Razon nos informam de que estava previsto provocar um grande incêndio à entrada de Paris.
terça-feira, agosto 11
Teoria da literatura de praia
Nem só o Correio da Manhã, a Bola e o Record são lidos na praia. O expositor de livros é imenso ao longo do areal, e mesmo com um olhar distraído fico a saber que há títulos que de outro modo não me chamariam a atenção. Não tenho dados fiáveis, mas diria que este verão o top das leituras vai para a rapariga no comboio.
É provável que o "policial" tenha um atractivo especial. O que um leitor pretende é que lhe contem histórias, e o mistério que envolve um crime confere ao conto o picante procurado.
Há dias atrás gostei do título "A verdade e outras mentiras", exibido com destaque num expositor, e comprei o livro sem me aperceber de que estava na categoria dos policiais. Não vou lamentar-me, não: foi um passatempo interessante, mesmo que desde cedo fosse visível uma certa artificialidade do enredo. A narrativa é leve, como convém, por vezes pontuada por uns ditos que oscilam entre um bom achado, o bem humorado, e o mau gosto gratuito. Sem surpresas, o livro comporta-se mais como um eficaz script para tv ou cinema do que como uma novela de qualidade.
Qual é a distância entre esta "verdade e outras mentiras" e um livro fascinante? Para além da inverosimilhança exibida sem cerimónia (por vezes parece que estamos a ler as versões que os autores de delitos compõem para se justificarem), confiar ao narrador omnisciente aquele entramado todo só pode reforçar a impressão de que tudo se vai desenrolando com a ajuda de uns truques e toques de magia. Há uma personagem má (o protagonista), o que é bom, mas não mau a tempo inteiro, o que é mau; a Martha, coitada, não tem credibilidade, e o perseguidor Fasch é pouco mais que redundante.
O criminoso sabe, e repete, que é necessário um cuidado imenso para não deitar tudo a perder por algum detalhe ou partida do acaso. É esse toque de realidade que falta na novela: mesmo que o mau escape sem castigo, o leitor prefere que ele tenha estado em muito maior risco de se perder. Apesar de tudo, o livro entretém e fica bem em qualquer biblioteca à beira mar.
Post scriptum: A internet está cheia de recensões entusiásticas que o livro, quanto a mim, não merece. A crítica mais certeira encontrei-a no Cabaret Bizanzio.
domingo, agosto 9
As questões difíceis
Os pré-candidatos já falam todos os dias. Falam em circuito fechado, limitando-se por vezes cada um a desdizer o adversário. Por vezes até falam de temas importantes. Tecem algumas controvérsias onde a artificialidade fica à mostra e em que são difíceis de discernir as linhas de clivagem.
Para lá dos aspectos anedóticos que recentemente nos têm sido oferecidos (a comédia dos cartazes), adivinha-se uma campanha enfadonha e difícil de suportar.
O que mais me impressiona por parte da oposição é o ar estonteado e caótico como são geridas as intervenções. É admirável a futilidade com que esta gente, que parece saída de um curso de formação apressada para candidatos a governantes, se propõe liderar o país. Quanto tempo investem a reflectir e a estudar os problemas difíceis, aqueles com que vão (vamos) ser confrontados no futuro muito breve, num mundo perigoso, e que transcendem as pequenas variações em torno de cortes e reformas sob orientação da Europa (digamos assim, por comodidade de expressão)? Que opinião têm sobre os resultados das primaveras no norte de África e na Síria? Como valoram as actuações passadas de Sarkozy, Cameron e Obama, que opinam sobre actuações futuras da Europa neste âmbito? Como encaram a tragédia do Mediterrâneo? Pensam que Portugal não vai ser afectado pelas rotas, que por agora terminam em Calais, dos que fogem da miséria e da morte? Têm opinião sobre o acordo nuclear com o Irão? Já ouviram falar do IS? Estas seriam algumas das questões interessantes, embora pouco agradáveis, que os que aspiram a ser governo deviam abordar e trazer para a discussão com os adversários. Não o fazer significa que quem quer que nos governe se prepara para ir a reboque dos mais influentes, abdicando de uma contribuição própria, quando no futuro houver a realidade impuser acção.
Para lá dos aspectos anedóticos que recentemente nos têm sido oferecidos (a comédia dos cartazes), adivinha-se uma campanha enfadonha e difícil de suportar.
O que mais me impressiona por parte da oposição é o ar estonteado e caótico como são geridas as intervenções. É admirável a futilidade com que esta gente, que parece saída de um curso de formação apressada para candidatos a governantes, se propõe liderar o país. Quanto tempo investem a reflectir e a estudar os problemas difíceis, aqueles com que vão (vamos) ser confrontados no futuro muito breve, num mundo perigoso, e que transcendem as pequenas variações em torno de cortes e reformas sob orientação da Europa (digamos assim, por comodidade de expressão)? Que opinião têm sobre os resultados das primaveras no norte de África e na Síria? Como valoram as actuações passadas de Sarkozy, Cameron e Obama, que opinam sobre actuações futuras da Europa neste âmbito? Como encaram a tragédia do Mediterrâneo? Pensam que Portugal não vai ser afectado pelas rotas, que por agora terminam em Calais, dos que fogem da miséria e da morte? Têm opinião sobre o acordo nuclear com o Irão? Já ouviram falar do IS? Estas seriam algumas das questões interessantes, embora pouco agradáveis, que os que aspiram a ser governo deviam abordar e trazer para a discussão com os adversários. Não o fazer significa que quem quer que nos governe se prepara para ir a reboque dos mais influentes, abdicando de uma contribuição própria, quando no futuro houver a realidade impuser acção.
domingo, maio 17
Teoria do injusto ascendente
Há uns minutos, num jornal da TV, dizia uma avó, ex-professora primária, que não dava ajuda à neta para preparação do exame de Português que vai ter de fazer esta semana. A razão da senhora é muito simples: não concorda nada com o programa da disciplina e portanto não está disposta a preparar a criança dentro do espírito de uma coisa que reprova.
As razões da avó são muito diferentes das que levariam Swift e Brighouse, dois filósofos ou assim australianos, a louvar mesmo assim a sua atitude de recusa. Para Swift e Brighouse, o ideal seria que a avozinha, pensando em todas as crianças que não têm à disposição no ambiente familiar alguém que as ajude, tivesse decidido ela própria abster-se também, a fim de não aumentar as desigualdades neste mundo injusto. Avozinhas a ensinar, mandar meninos para colégios privados, mas sobretudo ler histórias na caminha antes de eles adormecerem, não fazem senão acentuar o fosso entre as oportunidades de uns e a falta delas para outros. Cada pai que rodeia um filho de carinhos cava mais fundo o abismo em que se encontram as crianças a quem tudo falta. Numa palavra: se os papás vão por esse caminho sem reflectir, os felizes ficarão cada vez mais felizes e os desafortunados cada vez mais tristes. De resto, segundo estes pensadores, com uma escolha tão ampla à disposição, nem se percebe porque é que os pais biológicos têm que assumir necessariamente o papel de "pais" como educadores da criança. O próprio número de pais (dois) pode ser também posto em causa: porquê dois? Mas pronto, estes intelectuais também não querem fazer publicidade à dissolução da família e concedem que 10 seria um pouco exagerado, nem que fosse por razões práticas.
As razões da avó são muito diferentes das que levariam Swift e Brighouse, dois filósofos ou assim australianos, a louvar mesmo assim a sua atitude de recusa. Para Swift e Brighouse, o ideal seria que a avozinha, pensando em todas as crianças que não têm à disposição no ambiente familiar alguém que as ajude, tivesse decidido ela própria abster-se também, a fim de não aumentar as desigualdades neste mundo injusto. Avozinhas a ensinar, mandar meninos para colégios privados, mas sobretudo ler histórias na caminha antes de eles adormecerem, não fazem senão acentuar o fosso entre as oportunidades de uns e a falta delas para outros. Cada pai que rodeia um filho de carinhos cava mais fundo o abismo em que se encontram as crianças a quem tudo falta. Numa palavra: se os papás vão por esse caminho sem reflectir, os felizes ficarão cada vez mais felizes e os desafortunados cada vez mais tristes. De resto, segundo estes pensadores, com uma escolha tão ampla à disposição, nem se percebe porque é que os pais biológicos têm que assumir necessariamente o papel de "pais" como educadores da criança. O próprio número de pais (dois) pode ser também posto em causa: porquê dois? Mas pronto, estes intelectuais também não querem fazer publicidade à dissolução da família e concedem que 10 seria um pouco exagerado, nem que fosse por razões práticas.
domingo, abril 5
Morte de um homem feliz
Manuel de Oliveira viveu uma vida interessante e feliz. Mestre de vários ofícios, com destaque para o de realizador de filmes, tirou o melhor partido das oportunidades e, seja porque fez filmes pouco convencionais ou porque caiu nas graças da crítica francesa e da indústria internacional dos festivais, ofereceu a Portugal um lugar, ainda que imaginário, no mapa do cinema mundial.
Gostei de bocados de filmes dele e cheguei a gostar de um filme inteiro. Por alturas do Quinto Império, não me apeteceu ficar até ao fim.
Oliveira é agora um curioso elemento de consensualidade, ao menos ao nível dos depoimentos em formato de epitáfio. Como com Amália ou Eusébio, mas num campo de acesso infinitamente mais restrito (o cinema que quase ninguém vê), o seu desaparecimento tornou imperioso que todos construissem a pequena frase de veneração. Sem falar já dos colegas e actores e de outras pessoas ligadas ao cinema aqui e em França, os altos representantes do estado fizeram a sua pronúncia (suponho que com grande parte da elite tuga a olhá-los com desprezo, por não serem pessoas cultas à altura do falecido; mas se não falassem seriam deprezados na mesma), acompanhados por representantes de partidos (oportunidade para vermos a Catarina em pose não irritada), dirigentes do ACP, da FPF, Comissão Episcopal, etc. Houve até um excêntrico (descrito num jornal como "investigador") que aproveitou para acenar à criação de uma disciplina de cinema nas escolas secundárias.
Tudo isto não tem mal nenhum, talvez pelo contrário, mas cria a ideia de que os portugueses são dados à extravagãncia em matéria de homenagens. Daí a podermos recear ausência de critério vai um passo. Com um tão abrangente e expressivo memorial, ficamos perplexos com este quadro, sabendo que Manuel de Oliveira realizou 7 longas metragens a partir de 2004. Mesmo que todos os representantes parlamentares, bispos, corpos dirgentes do ACP ou da FPP tenham visto ao menos uma delas, é óbvio que aqueles que representam não estiveram em sintonia.
Gostei de bocados de filmes dele e cheguei a gostar de um filme inteiro. Por alturas do Quinto Império, não me apeteceu ficar até ao fim.
Oliveira é agora um curioso elemento de consensualidade, ao menos ao nível dos depoimentos em formato de epitáfio. Como com Amália ou Eusébio, mas num campo de acesso infinitamente mais restrito (o cinema que quase ninguém vê), o seu desaparecimento tornou imperioso que todos construissem a pequena frase de veneração. Sem falar já dos colegas e actores e de outras pessoas ligadas ao cinema aqui e em França, os altos representantes do estado fizeram a sua pronúncia (suponho que com grande parte da elite tuga a olhá-los com desprezo, por não serem pessoas cultas à altura do falecido; mas se não falassem seriam deprezados na mesma), acompanhados por representantes de partidos (oportunidade para vermos a Catarina em pose não irritada), dirigentes do ACP, da FPF, Comissão Episcopal, etc. Houve até um excêntrico (descrito num jornal como "investigador") que aproveitou para acenar à criação de uma disciplina de cinema nas escolas secundárias.
Tudo isto não tem mal nenhum, talvez pelo contrário, mas cria a ideia de que os portugueses são dados à extravagãncia em matéria de homenagens. Daí a podermos recear ausência de critério vai um passo. Com um tão abrangente e expressivo memorial, ficamos perplexos com este quadro, sabendo que Manuel de Oliveira realizou 7 longas metragens a partir de 2004. Mesmo que todos os representantes parlamentares, bispos, corpos dirgentes do ACP ou da FPP tenham visto ao menos uma delas, é óbvio que aqueles que representam não estiveram em sintonia.
sexta-feira, abril 3
A desconfiança do escrevedor
José Sócrates construiu a sua própria personagem, a começar pelo nick em que o nome de família não entra. Personagem de um roman-feuilleton pós-moderno, é autor da sua própria narrativa ficcional, inverosímil, a mascarar uma realidade composta de fragmentos desconcertantes que lhe comprometem irremediavelmente os primeiros e rombos drafts.
Entre as peripécias que tem vindo a protagonizar, os episódios que poderíamos classificar como menores, do ponto de vista de poderem, ou não, conter matéria de delito, são muito interessantes. O episódio do livro, noticiado nos últimos dias, é certamente um dos mais instrutivos sobre os comportamentos da pessoa em questão. Para se atribuir notoriedade e prestígio intelectual, um homem a quem não se conhece nenhuma reflexão sobre nada, e que fala um francês medíocre, apresenta uma tese numa faculdade francesa e publica-a em português com um sucesso de livraria que ele próprio instrumentaliza. Este é sem dúvida um dos capítulos mais engraçados da auto-novela em construção. Para qualquer observador medianamente desperto, há muito que a dúvida sobre a autoria do “mémoire” bilingue se levantava. Tendo sido apontada como explicação para a compra maciça da “Confiança” a simulação de sucesso, parece-me que pode haver outra: ao tornar o livro indisponível, ele escapa melhor a eventuais atenções e escrutínios que poderiam ter resultados incómodos. Por exemplo, a possibilidade de ficar a descoberto a mais que provável chateza da obra, seja lá quem for que a escreveu: não devo errar muito ao presumir que se trata de uma colecção de previsíveis lugares comuns sem interesse editorial. Após a encenação do lançamento, a que se prestaram algumas figuras do nosso inflacionado estrelato político e intelectual, abrilhantada por Lula como guest star, nunca mais se ouviu mencionar do livro uma só linha. A obra foi a encenação. Enquanto o autor (por assim dizer) se preparava para o fazer desaparecer das livrarias, os oportunistas ou tontos úteis escreviam prefácios, posfácios e badanas para as edições seguintes. Se já tinha perdido a confiança no mundo não sei, mas parece que no título que subscreveu não tinha lá muita.
domingo, março 22
Andaluzia: 2015, princípio ou fim de uma ilusão
Os nossos vizinhos andaluzes têm hoje o seu dia de protagonismo no grande laboratório político onde novos produtos vão ser testados. Comunistas mal disfarçados por terem verbo em vez de nome, e o novo grupo do centro que por agora parece ser o que menos gente corrupta inclui, aparecem a desafiar o "bipartidismo" conservador dos fósseis PSOE e PP. Que grandeza revestirão as minorias dos novos insurgentes? Que peripécias terão de enfrentar no jogo de aproximações que poderá abrir-se? Que aliança queimará mais quem convida e quem aceita? Para os menos optimistas, tudo dará uma volta de 360º. A ilusão segue até às 20:00, hora de Sevilha.
domingo, fevereiro 15
Albert, o cidadão
Estamos no tempo dos políticos bonitos. Mas os eleitores não se deixam levar: a música que mais agrada aos ouvidos de cada um continua a ter um papel determinante na popularidade. Como em Tugal não se passa nada de novo, olhemos para os vizinhos do lado. Assim, enquanto Pedro Sánchez não segura o desmoronamento do corrupto PSOE, os eleitores declaram manter fidelidade ao insípido e corrupto PP e uma adesão sem precedentes a um grupo "fora do sistema", as múmias comunistas do Podemos que, sendo feias, já estão no poder em Atenas e até têm um ministro alegadamente giro.
De Albert Rivera fala-se muito menos. No entanto, ele é provavelmente a novidade mais interessante da oferta espanhola para a nova estação eleitoral. Catalão, espanhol, rosto dos Ciudadanos, que tem subido nas sondagens a um nível modesto mas significativo, é individualmente o político mais bem avaliado pelo público. É um homem de qualidades: suficientemente hábil no discurso, evita a banalidade e a redondeza, ao mesmo tempo que revela um sentido de humor pronto a disparar. Nesta presença no Hormiguero, tem alguns momentos muito bons. A meio do programa há uma sondagem aos espectadores presentes: Que faria com Rivera? 1- votava nele, 2- dava uma cambalhota com ele, 3- não sei quem é, 4- punha-lhe um rabo de cavalo. No resultado, entre 110 votantes, 41 respondem 1 e 26 respondem 2; Albert comenta que uma coisa não exclui a outra. Sobre a recente saída de Bárcenas da cadeia sob fiança, comenta: o homem tem 48 milhões e 200 mil e pediram-lhe os 200 mil. No fim, mostra a habilidade em polemizar, argumentando a favor da "tortilla" com cebola. A frivolidade não é um tema menor!
Já agora: Juntos Podemos é, antes de ser nome de um alegado partido tuguês (que a nossa Joana descobriu que afinal não podia), o título de um livro de Albert Rivera, editado há um ano.
domingo, janeiro 4
Um amor de Madame
Na Femme abandonnée, Balzac narra os amores de Madame de Beauséant com Gaston de Nueil. A pequena novela contém dois temas caros ao autor: dois amantes com diferença de idades que leva ao rompimento, e a contradição entre amor e casamento como instituição social.
A Madame, que nunca é referida pelo seu nome próprio (Claire), vive em solidão na sua residência de Courcelles, depois de o seu amante português ter rompido para se casar. E é uma reprise desta história que vai viver com Gaston, desta vez com o enquadramento homem jovem - mulher mais velha como ameaça em pano de fundo. No início, Gaston tem 22 anos e ela está a atingir os 30. Depois de alguma resistência ao ímpeto conquistador do rapaz, a cedência de Madame dá lugar a um período de intensa felicidade, cerca de nove anos de vida a dois em Genebra. Os problemas surgem quando Gaston passa os 30 e Madame (cujo marido, de que há muito se separou, continua vivo e de perfeita saúde) chega aos 40. Vence a pressão da mãe para casar o rapaz: é tempo de fazer a sua vida de homem.
As cartas têm um papel de relevo na exposição de sentimentos das personagens, que frequentemente comunicam entre si por longas mensagens escritas. Na que envia a Gaston, quando pressente que o fim da relação está iminente, Madame revela conhecer e compreender a separação que aí vem; serve-lhe de consolo que mais nenhuma mulher o terá como ela o conheceu - no fulgor da juventude e sem as inquietações que a "vida de homem" lhe irá trazer no rolar dos dias. A senhora que se segue não irá encontrar o Gaston que ela amou, nem no corpo nem na alma.
Gaston abandona Madame e casa, como previsto, com uma rapariga nova e rica. Certo dia, a saudade de Madame torna-se-lhe insuportável e vai de improviso visitá-la. Madame repele-o, ameaçando que se atira da janela. De regresso a casa, Gaston escreve uma carta a Madame, declarando que se trata de um caso de vida ou de morte para ele. Senta-se à lareira, em frente da esposa, enquanto aguarda que o mensageiro traga a resposta. Quando esta lhe é entregue, Gaston pega na espingarda de caça e mata-se.
O narrador termina explicando que a Madame não deve ter previsto onde poderia levar o desespero de Gaston. Possivelmente pensava que só ela estaria a sofrer. Mas estava no seu direito de recusar a mais humilhante das partilhas, "que uma esposa pode sofrer por razões sociais, mas que deve repugnar a uma amante, já que é na pureza do seu amor que reside a própria justificação".
A Madame, que nunca é referida pelo seu nome próprio (Claire), vive em solidão na sua residência de Courcelles, depois de o seu amante português ter rompido para se casar. E é uma reprise desta história que vai viver com Gaston, desta vez com o enquadramento homem jovem - mulher mais velha como ameaça em pano de fundo. No início, Gaston tem 22 anos e ela está a atingir os 30. Depois de alguma resistência ao ímpeto conquistador do rapaz, a cedência de Madame dá lugar a um período de intensa felicidade, cerca de nove anos de vida a dois em Genebra. Os problemas surgem quando Gaston passa os 30 e Madame (cujo marido, de que há muito se separou, continua vivo e de perfeita saúde) chega aos 40. Vence a pressão da mãe para casar o rapaz: é tempo de fazer a sua vida de homem.
As cartas têm um papel de relevo na exposição de sentimentos das personagens, que frequentemente comunicam entre si por longas mensagens escritas. Na que envia a Gaston, quando pressente que o fim da relação está iminente, Madame revela conhecer e compreender a separação que aí vem; serve-lhe de consolo que mais nenhuma mulher o terá como ela o conheceu - no fulgor da juventude e sem as inquietações que a "vida de homem" lhe irá trazer no rolar dos dias. A senhora que se segue não irá encontrar o Gaston que ela amou, nem no corpo nem na alma.
Gaston abandona Madame e casa, como previsto, com uma rapariga nova e rica. Certo dia, a saudade de Madame torna-se-lhe insuportável e vai de improviso visitá-la. Madame repele-o, ameaçando que se atira da janela. De regresso a casa, Gaston escreve uma carta a Madame, declarando que se trata de um caso de vida ou de morte para ele. Senta-se à lareira, em frente da esposa, enquanto aguarda que o mensageiro traga a resposta. Quando esta lhe é entregue, Gaston pega na espingarda de caça e mata-se.
O narrador termina explicando que a Madame não deve ter previsto onde poderia levar o desespero de Gaston. Possivelmente pensava que só ela estaria a sofrer. Mas estava no seu direito de recusar a mais humilhante das partilhas, "que uma esposa pode sofrer por razões sociais, mas que deve repugnar a uma amante, já que é na pureza do seu amor que reside a própria justificação".
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