Manuel de Oliveira viveu uma vida interessante e feliz. Mestre de vários ofícios, com destaque para o de realizador de filmes, tirou o melhor partido das oportunidades e, seja porque fez filmes pouco convencionais ou porque caiu nas graças da crítica francesa e da indústria internacional dos festivais, ofereceu a Portugal um lugar, ainda que imaginário, no mapa do cinema mundial.
Gostei de bocados de filmes dele e cheguei a gostar de um filme inteiro. Por alturas do Quinto Império, não me apeteceu ficar até ao fim.
Oliveira é agora um curioso elemento de consensualidade, ao menos ao nível dos depoimentos em formato de epitáfio. Como com Amália ou Eusébio, mas num campo de acesso infinitamente mais restrito (o cinema que quase ninguém vê), o seu desaparecimento tornou imperioso que todos construissem a pequena frase de veneração. Sem falar já dos colegas e actores e de outras pessoas ligadas ao cinema aqui e em França, os altos representantes do estado fizeram a sua pronúncia (suponho que com grande parte da elite tuga a olhá-los com desprezo, por não serem pessoas cultas à altura do falecido; mas se não falassem seriam deprezados na mesma), acompanhados por representantes de partidos (oportunidade para vermos a Catarina em pose não irritada), dirigentes do ACP, da FPF, Comissão Episcopal, etc. Houve até um excêntrico (descrito num jornal como "investigador") que aproveitou para acenar à criação de uma disciplina de cinema nas escolas secundárias.
Tudo isto não tem mal nenhum, talvez pelo contrário, mas cria a ideia de que os portugueses são dados à extravagãncia em matéria de homenagens. Daí a podermos recear ausência de critério vai um passo. Com um tão abrangente e expressivo memorial, ficamos perplexos com este quadro, sabendo que Manuel de Oliveira realizou 7 longas metragens a partir de 2004. Mesmo que todos os representantes parlamentares, bispos, corpos dirgentes do ACP ou da FPP tenham visto ao menos uma delas, é óbvio que aqueles que representam não estiveram em sintonia.
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