José Sócrates construiu a sua própria personagem, a começar pelo nick em que o nome de família não entra. Personagem de um roman-feuilleton pós-moderno, é autor da sua própria narrativa ficcional, inverosímil, a mascarar uma realidade composta de fragmentos desconcertantes que lhe comprometem irremediavelmente os primeiros e rombos drafts.
Entre as peripécias que tem vindo a protagonizar, os episódios que poderíamos classificar como menores, do ponto de vista de poderem, ou não, conter matéria de delito, são muito interessantes. O episódio do livro, noticiado nos últimos dias, é certamente um dos mais instrutivos sobre os comportamentos da pessoa em questão. Para se atribuir notoriedade e prestígio intelectual, um homem a quem não se conhece nenhuma reflexão sobre nada, e que fala um francês medíocre, apresenta uma tese numa faculdade francesa e publica-a em português com um sucesso de livraria que ele próprio instrumentaliza. Este é sem dúvida um dos capítulos mais engraçados da auto-novela em construção. Para qualquer observador medianamente desperto, há muito que a dúvida sobre a autoria do “mémoire” bilingue se levantava. Tendo sido apontada como explicação para a compra maciça da “Confiança” a simulação de sucesso, parece-me que pode haver outra: ao tornar o livro indisponível, ele escapa melhor a eventuais atenções e escrutínios que poderiam ter resultados incómodos. Por exemplo, a possibilidade de ficar a descoberto a mais que provável chateza da obra, seja lá quem for que a escreveu: não devo errar muito ao presumir que se trata de uma colecção de previsíveis lugares comuns sem interesse editorial. Após a encenação do lançamento, a que se prestaram algumas figuras do nosso inflacionado estrelato político e intelectual, abrilhantada por Lula como guest star, nunca mais se ouviu mencionar do livro uma só linha. A obra foi a encenação. Enquanto o autor (por assim dizer) se preparava para o fazer desaparecer das livrarias, os oportunistas ou tontos úteis escreviam prefácios, posfácios e badanas para as edições seguintes. Se já tinha perdido a confiança no mundo não sei, mas parece que no título que subscreveu não tinha lá muita.
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