segunda-feira, dezembro 28
World crumbling apart
Com o mundo a desmoronar-se à nossa volta, logo escolhemos este momento para nos apaixonarmos, diz Ilse a Rick em Casablanca. O tema do desmoronamento do mundo à volta das pessoas resulta óptimo na boca de personagens do cinema, sobretudo a preto e branco e com vozearia da Gestapo em fundo, como no caso daquela cena. Também pode ser usado com sucesso em textos de badanas: ...retrato de um tempo cruel e de uma sociedade em rotura, onde as personagens não encontram escape do mundo que parece desmoronar-se à sua volta...
Tudo isto tem a sua estética e o seu lugar. Mas o desmoronamento está francamente a mais nas mensagens políticas de Natal no Portugal de 2009:
... em que se celebra esse núcleo essencial na estrutura da nossa sociedade que é a família. Nunca será demais realçar a sua importância na coesão social, necessária ao progresso social que todos desejamos. E é nas épocas em que por vezes julgamos que tudo se desmorona à nossa volta que ganham especial importância os laços de solidariedade, de afectos e de apoio que podemos encontrar na família.
A época podia ser melhor, mas alto lá. Não há bárbaros a caminho das cidades nem cheira a guerra civil. Manuela tem de ser mais crítica com o teor literário das suas mensagens.
Quanto ao resto, está menos mal.
As leituras mais imediatistas dirão que o desmoronamento é uma referência ao fim do mundo, trazido por uns novos casamentos que por aí se anunciam. Mas, embora o texto seja algo críptico, estão lá todas as razões básicas para, pelo contrário, os apoiar. Sim, se estruturação e afecto são tão essenciais na nossa vida, só um coração de pedra poderia querer negá-los a uma parte, mesmo que minoritária, dos cidadãos. E se há quem não queira passar por coração empedernido são as personagens da política. O sentido só pode ser então: tenham calma, que dos escombros da velha família emergirá uma outra, fresquíssima vicejante e universal.
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2 comentários:
Excelente post este!
Concordo com o que se disse. Mas acrescento; o tema da “família” é recorrente nas mensagens de natal. A rainha Isabel II falou dela na mensagem de 2008 e já o tinha repetido. O que me parece essencial dizer sobre a inacreditável mensagem de Ferreira Leite, é que se esta a usar uma visão particular e exclusiva de família tradicional para negar a existência de modelos alternativos. O conceito de família mudou. Se o considerarmos uma agremiação de afectos e lealdades que nos permite fazer a jornada da vida, ganhamos todos. É raro um político se dirigir ao povo naqueles termos, fazendo da união familiar um privilégio de alguns e não um direito de todos.
Em CasaBlanca era fácil distinguir os bons e os maus: agora nem por isso.
Uma família forte é um berço ideal para criar crianças equilibradas, com melhor desempenho escolar e mais felizes dando adultos mais responsáveis, resistentes à droga e à criminalidade.
Evita ainda ou limita a entrada na pobreza das pessoas e das crianças a cargo quando há desemprego ou qualquer outra infelicidade.
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