sábado, dezembro 12

Badanas

Sempre me fascinou a literatura de badanas. Por vezes os editores transcreviam, na contra-capa ou nas orelhas dos livros, bocados de textos que iam buscar à crítica literária. Podia ser assim:

...explorando um cosmos inabitado, esta é talvez a sua novela mais ambiciosa... grande entretenimento... Tenho inveja de todos os que ainda não começaram a ler "...", porque os espera o prazer que eu já tive...

Actualmente a tendência vai mais no sentido de fabricar pequenos textos anónimos que constituem a apresentação da obra pelo editor. Possivelmente os profissionais desta mini-literatura frequentaram cursos de escrita criativa. Em certos casos prevalece o tom encomiástico:

Idealizado e concebido com magistral perícia, "..." é um périplo dos temas caros ao autor que, ao mesmo tempo que amplia o universo das suas personagens obsessivas, nos lega o testemunho de um tempo ensombrado pela incerteza e pela tragédia.

Mas por vezes surgem nas contra-capas obras primas que incorporam na perfeição a essência do livro:

"..." aborda os encobrimentos, artifícios e metáforas com que a memória tinge e decalca as camadas de realidade a que chamamos passado. Celebração do hedonismo imaturo de uma adolescência tardia, e ao mesmo tempo perífrase melancólica de uma idade adulta que não chegou a sê-lo, é uma implacável radiografia das ficções que interpomos entre a vida que nos coube e aquela que desejaríamos. Reconstruindo na voz dos narradores um carrossel de recordações ambíguas que habitam o terreno movediço entre o real e a efabulação do que não chegou a cumprir-se, o autor edifica um fresco enternecedor e cruel onde emergem o trágico e o cómico da condição humana. O subtil artifício literário mais não faz do que devolver-nos, em forma de arte, toda a verdade da pulsão amorosa e das paixões arrebatadoras, e o mecanismo da angústia que pode fazer do mundo um lugar inabitável.

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