quinta-feira, dezembro 31

Os PIIGS da fringe

O NYTimes de ontem traz um artigo sombrio sobre o que podem esperar alguns "países fracos" da Europa.

At that point, the laggards on the union’s fringe — Portugal, Ireland, Italy, Greece and Spain (the so-called Piigs) — will face even tougher choices to cope with what looks like several more years of stagnant economies, high unemployment and gaping budget deficits.

...on the periphery, the hangover from more than five years of a credit-infused boom shows little sign of diminishing.

Ireland, the first economy to stumble, has taken the most severe fiscal action, cutting public wages sharply. A new Greek government, punished by the rough treatment of bond investors no longer willing to countenance soft promises of reform, is just now promising steep spending cuts. But it is not clear whether the political system in Greece will accept them.

Meanwhile, Spain, to the frustration of many major lenders, seems to be putting off difficult fiscal questions in the hope that its economy will soon recover.

Critics of the euro zone contend that weak governments in the peripheral economies, facing high unemployment and restive voters, will not have the stomach to hold down wages, pensions and public expenditures.

“Are these people serious about reform, or are they just telling people what they want to hear?” asked Edward Hugh, a British-trained macroeconomist who lives in Barcelona and has been critical of Spain’s unwillingness to take difficult economic decisions.


Felizmente que em matéria de reformas e decisões difíceis, podemos estar descansados porque cá em Tugal já se tratou disso tudo. Uf! Espanha que se cuide.

terça-feira, dezembro 29

Professores e ministérios

A nova ministra das normas para as escolas e das carreiras dos professores encontrou-se ontem com os sindicatos deles. Continua a discussão da avaliação e do estatuto da carreira. A impressão com que se fica é que se vão repetir os erros da política do ministério anterior. Sejamos claros: a tarefa de M. Lurdes Rodrigues, que esta ministra "simpática" tem a incumbência de continuar, é a de reduzir a despesa incomportável com os docentes em tempo que, para mais, é de crise. Trata-se então de embrulhar o pacote de medidas numa capa que o possa justificar perante aqueles que votam. A ministra anterior avançou com a divisão da carreira e o processo de avaliação. Ambas são medidas não só razoáveis como necessárias. A maneira como ambas foram postas em prática foi desastrosa. Mostrou (tal como outras medidas - ocorre-me o plano para a Matemática) que M. L. Rodrigues nunca percebeu por onde passa a linha divisória do que há de mau e de bom nas escolas e no sistema de ensino.

Agora o governo abre mão da divisão da carreira, ao mesmo tempo que tenta entupir a progressão nos escalões. Medidas erradíssimas. Ao não admitir duas categorias de professores aceita-se que todos se equivalem potencialmente, como se nas escolas não houvesse necessidade de exercer tarefas com carácter de liderança ou supervisão, que deveriam estar a cargo dos professores mais competentes e experientes. Maior salário e maior responsabilidade seria uma combinação fácil de explicar a todos. A vida seria mais fácil nas escolas se determinado trabalho fosse concentrado nas mãos dos mais responsabilizados para o fazer, em vez de se pôr todos os professores numa roda viva de reuniões e grelhas a preencher. Por outro lado, fazendo depender as progressões de avaliações bianuais, já se antevê um mecanismo pesado e sufocante que vai continuar a ser contestado e a prejudicar, no terreno, o ensino - a única coisa de que ne nunca se fala, certamente, nestas reuniões entre ministras e sindicatos.

segunda-feira, dezembro 28

World crumbling apart



Com o mundo a desmoronar-se à nossa volta, logo escolhemos este momento para nos apaixonarmos, diz Ilse a Rick em Casablanca. O tema do desmoronamento do mundo à volta das pessoas resulta óptimo na boca de personagens do cinema, sobretudo a preto e branco e com vozearia da Gestapo em fundo, como no caso daquela cena. Também pode ser usado com sucesso em textos de badanas: ...retrato de um tempo cruel e de uma sociedade em rotura, onde as personagens não encontram escape do mundo que parece desmoronar-se à sua volta...

Tudo isto tem a sua estética e o seu lugar. Mas o desmoronamento está francamente a mais nas mensagens políticas de Natal no Portugal de 2009:

... em que se celebra esse núcleo essencial na estrutura da nossa sociedade que é a família. Nunca será demais realçar a sua importância na coesão social, necessária ao progresso social que todos desejamos. E é nas épocas em que por vezes julgamos que tudo se desmorona à nossa volta que ganham especial importância os laços de solidariedade, de afectos e de apoio que podemos encontrar na família.

A época podia ser melhor, mas alto lá. Não há bárbaros a caminho das cidades nem cheira a guerra civil. Manuela tem de ser mais crítica com o teor literário das suas mensagens.

Quanto ao resto, está menos mal.

As leituras mais imediatistas dirão que o desmoronamento é uma referência ao fim do mundo, trazido por uns novos casamentos que por aí se anunciam. Mas, embora o texto seja algo críptico, estão lá todas as razões básicas para, pelo contrário, os apoiar. Sim, se estruturação e afecto são tão essenciais na nossa vida, só um coração de pedra poderia querer negá-los a uma parte, mesmo que minoritária, dos cidadãos. E se há quem não queira passar por coração empedernido são as personagens da política. O sentido só pode ser então: tenham calma, que dos escombros da velha família emergirá uma outra, fresquíssima vicejante e universal.

Domingo em Teerão



Ontem gritou-se nas ruas de Teerão "Este é o mês do sangue, Khamenei será derrubado."

sábado, dezembro 26

Utopias fixes


Não sei como ninguém se lembrou disto para tema musical da cimeira de Copenhaga. O clima regulado por decreto. (Musical de Alan Jay Lerner e Frederic Loewe, versão em filme de 1967, Richard Harris e Vanessa Redgrave).

quinta-feira, dezembro 24

quarta-feira, dezembro 23

Estilhaços de minaretes

Os jornais franceses de hoje relatam o episódio que terá ocorrido ontem na reunião dos deputados da maioria, onde se discutiria a proibição do "véu integral". O antigo ministro da justiça Pascal Clément terá dito

no dia em que houver tantos minaretes como catedrais em França, já não será a França

A frase provocou a indignação e a saída da secretária de estado Nora Berra. Clément já tem a folha feita na wikipédia, que não brinca em serviço ("controverse").
Até aqui tudo normal: as atitudes dos europeus face ao Islão, com certeza não por acaso, dão sinal de uma divisão que não é a da brecha partidária tradicional. O que encontro de curioso no relato é o comentário de Nora. Fica em francês que é mais bonito, com sublinhado meu.

Qu’un ancien garde des Sceaux tienne ces propos anti-laïcs dans une enceinte symbole de la République comme l’Assemblée nationale, c’est insupportable ! C’est ça la démocratie ?

A apreciação contém uma contradição insanável. É-se anti-laico por lamentar que as catedrais sejam ultrapassadas em número pelas mesquitas, mas não se é anti-laico por deixar andar até que as mesquitas ultrapassem em número as catedrais.

Coerência

Já chegou há uma semana ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, pela mão de Hafid Ouardiri, uma acção contra o resultado do referendo que determinou na Suiça a proibição da construção de minaretes.

Hafid Ouardiri é um apreciador dos mecanismos legais europeus. Já os usou em 1993 e em 2005 para conseguir a proibição da leitura pública de uma peça de Voltaire.

domingo, dezembro 13

Objectivos da política educativa



Instantes depois de uma reunião estratégica no ministério da educação...
Em www.e-faro.info.

sábado, dezembro 12

Badanas

Sempre me fascinou a literatura de badanas. Por vezes os editores transcreviam, na contra-capa ou nas orelhas dos livros, bocados de textos que iam buscar à crítica literária. Podia ser assim:

...explorando um cosmos inabitado, esta é talvez a sua novela mais ambiciosa... grande entretenimento... Tenho inveja de todos os que ainda não começaram a ler "...", porque os espera o prazer que eu já tive...

Actualmente a tendência vai mais no sentido de fabricar pequenos textos anónimos que constituem a apresentação da obra pelo editor. Possivelmente os profissionais desta mini-literatura frequentaram cursos de escrita criativa. Em certos casos prevalece o tom encomiástico:

Idealizado e concebido com magistral perícia, "..." é um périplo dos temas caros ao autor que, ao mesmo tempo que amplia o universo das suas personagens obsessivas, nos lega o testemunho de um tempo ensombrado pela incerteza e pela tragédia.

Mas por vezes surgem nas contra-capas obras primas que incorporam na perfeição a essência do livro:

"..." aborda os encobrimentos, artifícios e metáforas com que a memória tinge e decalca as camadas de realidade a que chamamos passado. Celebração do hedonismo imaturo de uma adolescência tardia, e ao mesmo tempo perífrase melancólica de uma idade adulta que não chegou a sê-lo, é uma implacável radiografia das ficções que interpomos entre a vida que nos coube e aquela que desejaríamos. Reconstruindo na voz dos narradores um carrossel de recordações ambíguas que habitam o terreno movediço entre o real e a efabulação do que não chegou a cumprir-se, o autor edifica um fresco enternecedor e cruel onde emergem o trágico e o cómico da condição humana. O subtil artifício literário mais não faz do que devolver-nos, em forma de arte, toda a verdade da pulsão amorosa e das paixões arrebatadoras, e o mecanismo da angústia que pode fazer do mundo um lugar inabitável.

Variações sobre um tema com IVA


O director da Europol já falou do assunto e o Telegraph referiu-se-lhe há dias: fraude de uns cinco biliões à volta do comércio das emissões de carbono. Está descrito no video da EUX.tv: uma companhia compra créditos de emissão num país europeu diferente daquele onde tem sede, depois os créditos são exportados e vendidos a intermediários ainda num outro país. Os intermediários cobram IVA mas não devolvem às autoridades fiscais aquele que receberam. Já se fazia com outros bens de consumo. Transformado o CO2 em coisa transaccionável, o crime fica com oportunidade para variar o tema.
(Via Desde el exilio.)

Alta quê?

Que sigla virá a ser usada para o nosso comboio de alta velocidade? Dá que pensar o exemplo de Itália, onde os comboios Frecciarossa demoram, na melhor das hipóteses, 52minutos a percorrer os 138 km entre Milão e Turim. Os preços em 2ª classe, no entanto, excedem o triplo dos do comboio normal, que demora 1:55. Basta consultar os horários na Trenitalia para ver. Não sei se é apenas o efeito das pequenas distâncias. Não sei se um comboio destes deverá chamar-se de alta velocidade ou de alto preço. É claro que nos enormes percursos ao longo da península italiana a poupança em tempo é atraente. Mas já agora seria interessante termos uma perspectiva realista dos tempos de viagem entre cidades projectados para as nossas futuras linhas.

quarta-feira, dezembro 9

terça-feira, dezembro 8

Propostas para teses de mestrado e doutoramento em coisas globais

Uma questão pelo menos tão interessante como a possível realidade do "aquecimento global" (ou mais modestamente "alterações climáticas"), ou o crédito que merecerá ou não o alarme montado em seu torno, é: porque será que as pessoas que alinham politicamente à "esquerda" tendem mais provavelmente a aderir à atitude alarmista do que as pessoas que se colocam à "direita", entre as quais haverá talvez maior número das que dão crédito aos mais prudentes e cépticos?

Está fora de causa que a adesão a uma ou outra linha se faça com base racional. A crença na teoria apocalíptica está, aparentemente, legitimada pela ciência; mas não é de agora que a ciência está dividida sobre o assunto, e depois do que se sabe há uns dias as dúvidas podem também ficar igualmente legitimadas. Certo é que o grande público não vai examinar os dados e a complexa literatura disponível, dada a tecnicidade da questão. Portanto, adere por uma questão de fé, ou não adere por outra razão qualquer.

As pessoas que aderem fazem-no por uma atitude política com cambiantes religiosos subjacentes. O "aquecimento global antropogénico" é um conceito de sucesso: não só proporciona uma oportunidade para execrar o capitalismo e culpar a civilização pelas desgraças do clima (muito à custa do CO2, veremos até quando) como ainda permite exibir sentimentos altruistas (sinceros da parte de muitos), tipo os mais pobres é que vão sofrer mais se não actuarmos rapidamente. (Os mais pobres, de resto, ficam lixados de qualquer maneira.)

Os que apoiam a facção céptica fazem-no por motivos mais prosaicos, também políticos mas menos religiosos: desconfiam de que valha a pena o gigantesco dispêndio que se anuncia para fazer face a uma ameaça duvidosa e vêem na manobra uma extorsão aos estados e destes aos cidadãos, através da oportunidade para criar novos impostos e novas medidas de controlo das vidas particulares. Pragmaticamente, também os pobrezinhos estão em pano de fundo: o corte no crescimento económico seria ele próprio uma catástrofe não desprezável.

É também interessante notar que com o advento da Climastrologia estamos perante um novo paradigma do uso da ciência ou seja o que for que se faz passar por ela. Saltou-se do ofício intelectual de compreender o funcionamento do mundo real e, naturalmente, prevê-lo, para a tentativa de impôr um modelo que tem muito de especulativo com motivações políticas numa escala nunca antes vista.

Com o que quer que seja

... ..."gay" significa pessoa do género masculino que se entrega a intimidade sexual com outra pessoa do mesmo sexo;
"género" significa masculino ou feminino;
"homossexual" significa pessoa que se entrega ou tenta entregar-se a actividade sexual com pessoa do mesmo género;
"ministro" significa o Ministro responsável pela ética e a integridade;
"tocar" inclui tocar
(a) com qualquer parte do corpo;
(b) com outra coisa qualquer;
(c) por intermédio do que quer que seja.

... ... ...

2. Uma pessoa comete o crime de homossexualidade se
... ...
(c) toca outra pessoa com a intenção de cometer o acto de homossexualidade.
Uma pessoa que cometa o crime descrito nesta secção fica sujeita, se condenada, a prisão perpétua.

3. Uma pessoa comete o crime de homossexualidade agravada se
(a) a pessoa contra quem o crime é cometido tem menos de 18 anos;
(b) aquele que comete o crime é portador de HIV;
... ... ...
Uma pessoa que cometa o crime de homossexualidade agravada fica sujeita, se condenada, à pena de morte.

... ... ...
7. Uma pessoa que ajude, incite, aconselhe ou intermedie para que outra se envolva em actos de homossexualidade comete um crime e fica sujeita, se condenada, a sete anos de prisão.

... ... ...
14. Uma pessoa ou autoridade que, tendo conhecimento de algum crime descrito nesta lei, não faça denúncia às autoridades competentes no prazo de 24 horas, comete crime e fica sujeita, se condenada, a multa até 250 unidades de conta ou a prisão até 3 anos.

... ...

16. Esta lei aplica-se a crimes cometidos fora do Uganda se
(a) cometidos por pessoa com nacionalidade ugandesa ou com residência permanente no Uganda;
... ... ...

17. Uma pessoa acusada de crime ao abrigo da presente lei fica sujeita a extradição de acordo com a legislação existente.

... ... ...

As definições de "orientação sexual", "direitos sexuais", "minorias sexuais", "identidade de género" não poderão ser usadas, sob forma alguma, para legitimar a homossexualidade, doenças de identidade de género e práticas relacionadas no Uganda.


Esta proposta de lei, da autoria de um cristão evangélico, estará em discussão no parlamento do Uganda em Janeiro próximo. Provavelmente dá votos. Provavelmente reflecte uma certa cultura africana. Provavelmente constitui uma afirmação identitária em oposição a algumas tendências do mundo ocidental (Europa e USA): no preâmbulo é referido o objectivo de esconjurar o casamento de pessoas do mesmo sexo. A Igreja Católica tem estado muito calada sobre o assunto. Com excepção de vozes isoladas, a Igreja Anglicana evita também tocar-lhe - com o que quer que seja.

terça-feira, dezembro 1

Lula no labirinto

Em Junho deste ano, o presidente Lula foi um dos primeiros líderes a reconhecer a vitória de Ahmadinejad. E ainda há poucos dias recebeu, com pompa e sob algumas críticas, o presidente do Irão.

"os dois casos são completamente diferentes", já que as eleições iranianas "não violaram a Constituição", enquanto as hondurenhas foram organizadas "por um golpe repudiado por todo o mundo".
"O golpista travestiu-se de político eleito e convocou as eleições sem permitir que o presidente Zelaya fosse responsável pelo processo", criticou.


Oscar Arias, mediador e Nobel da Paz, era de opinião, em Setembro, que as eleições (já marcadas antes do golpe) poderiam resolver a crise. E recordou que a validação de eleições feitas sob regimes tirânicos já permitiu a transição para a democracia em países da América do Sul.

Apesar da situação de crise política e do ambiente de pressão, a participação do eleitorado parece ter sido pelo menos não inferior ao que é habitual no país.

A América Latina e o Mundo estão divididos. Mas mesmo os que não gostam da situação a que se chegou não terão muito que se preocupar: o mandato do eleito, se vier a efectivar-se, durará o par de anos regulamentares. O de Zelaya, de acordo com os planos do próprio, poderia durar o resto do século.