domingo, junho 7

Sílvio coisificado

Assim é que deve ser já que todos somos europeus. Em face da impotência e inabilidade da oposição em Itália para destronar Silvio, transfere-se a oposição para a Península Ibérica, com o El País imparável a mostrar fotos escandalosas de umas pessoas à beira de uma piscina sem saias nem gravatas, e a publicar uma fatwa do nosso Saramago sobre o incrível cavaliere. Há pelo um cu de mulher à mostra e o que parece ser uma pila de homem, tudo muito banal. Claro que as fotos podem ser apenas um trailer ou aperitivo do que virá a seguir, mas para já servem de apoio à prosa que desanca valentemente no Sílvio mitómano, a-cultural, esquecido de que é um avôzinho operado à próstata quando senta aos joelhos as suas crisálidas de 18 anos. Saramago vai mais longe, despromovendo Sílvio a "coisa que organiza orgias", mas ao mesmo tempo cobrindo-o da importância suficiente para ser o "causador da morte moral da Itália de Verdi". Saramago não lhe perdoa e chama-lhe "acompanhante de menores": o plumitivo é casado com uma senhora apenas 28 anos mais nova e tudo o que exceda esse número deverá deixá-lo desorientado e sem referências.

Mas quem explica com enquadramento teórico porque é que Berlusconi soma e segue são os sociólogos. Em entrevista ao El Mundo, Giuseppe de Rita analisa a admiração dos italianos pelo governante. Silvio personifica "a liberdade de cada um ser ele próprio" e esse é um traço estruturante do presente ciclo histórico-cultural. Os italianos admiram o seu perfil. Todos gostariam de ser "evasor fiscal, estudante que agride a professora, jovem que se droga, empresário que não paga impostos ou salários". Além disso acham que as chavalitas de 15-16 anos são todas umas putinhas, pelo modo como vestem e andam por aí: de modo que ninguém vai censurar o cavaliere por andar com uma miúda de 18. Nem os problemas com a justiça os demovem de o admirar: como a justiça tem péssima imagem pela ineficácia e pela lentidão, Silvio consegue até fazer passar a ideia de que é um perseguido por um sistema pouco limpo. E, acima de tudo, a Itália é o país do perdão, do indulto, da moratória, por maior que o pecado seja. Se o sociólogo tem razão, estão errados os que lamentam a pouca sorte dos italianos, vivendo num regime opressivo comandado por um ditador delinquente. Ao mesmo tempo podemos ficar descansados: um tal fenómeno nunca poderia acontecer entre nós, porque felizmente, como povo, não temos aqueles defeitos execráveis dos italianos.

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