terça-feira, julho 10

Misérias da ficção

José Luis Corral, especialista em história medieval e novelista, ficcionou a saga do desaparecimento do Códice Calixtino num livro recente onde, com um padrão de enredo muito em voga e cansativo, talvez à la danbrown, os maus são um grupo ultraortodoxo da Igreja.

Corral mostra-se desiludido com a realidade e teima em ver apenas a ponta do iceberg nos factos revelados na última semana. Como é que um aparentemente pacato electricista pode usurpar o papel da organização sinistra que ele tinha inventado?

A realidade, tanto quanto me apercebo, deve estar também desiludida com Corral. Como contou o arguto juiz instrutor, o electricista Manuel Fernández Castiñeiras é uma pessoa astuta. Nem a mulher, que sabia que ele roubava dinheiro, estava ao corrente da subtracção do Códice. Parece que o protagonista da versão real já tinha arrecadado uns euros da Igreja, na ordem do milhão, e prossegue a investigação sobre as suas contas. Mas tinha um comportamento reservado e modesto. A sua maior preocupação de momento era a reparação do seu velho automóvel, que iria custar uns 2000 euros. São estas pessoas simples, discretas, que iludem não só as esposas como também os romancistas distraidos.

No estado actual da história, tudo indica que o Códice não foi objecto de transacções, nem extorsões, nada, nem luvas... refiro-me a luvas reais, daquelas de pôr nas mãos, porque nas fotos publicadas todos pudemos ver arcebispos e primeiros-ministros a folhear enternecidamente o milenário  livro com as mãos que Deus lhes deu. Algo estará por contar, e o que falta é com certeza mais interessante do que as ficções que ainda cairão em tentações de se dar a ver.

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