Já que nos posts anteriores, sobre a situação na Líbia, a personagem tem sido várias vezes citada, é oportuno referir esta notícia de há dois dias, segundo a qual al-Megrahi se encontra em coma.
Actualização. Como previ, já há quatro versões para a vida ou a morte de Hana.
terça-feira, agosto 30
segunda-feira, agosto 29
Saif
Com o seu discurso inflamado e caótico de 20 de Fevereiro na TV líbia, Saif, o segundo filho de Gaddafi, desiludiu muitos dos que lhe tinham sido próximos. Personagem de relevo na família que se julgava dona da Líbia e que como tal agia, o jovem trintão Saif era apontado como sucessor do pai no comando do poder. Nele se depositavam piedosas esperanças de liberalização do regime e instauração de uma democracia. Mas em 20 de Fevereiro Saif declarou-se ao lado de Muammar e prometeu apenas luta e sangue.
Al-Hawni, um intelectual seu amigo e confidente durante onze anos, chegou a escrever o discurso que Saif à última hora rejeitou. Os laços familiares e de clã foram mais fortes do que o apego aos valores da democracia, aprendidos na Europa mas certamente colados com cuspo. Aprendizagem mesmo assim suficiente para concluir um PhD na LSE em 2008, com a tese "The role of the civil society in the democratization of global governance institutions".
Al-Hawni descreve Saif como "generoso" mas "privado de bom senso político". Ilustra a apreciação com as declarações de Saif quando viajou com Al-Megrahi para a Líbia em 2009, anunciando aos quatro ventos que tudo estivera combinado com altos responsáveis britânicos e que a libertação do terrorista tinha por trás um negócio de petróleo. Enfim, uma boa pessoa que ninguém gostaria de ter como confidente.
Quem não fica bem na foto é a LSE. O caso levou à demissão do Professor David Held, que só por meias palavras dá a entender que orientou a dissertação de Saif. Uma série de incomodidades, sabendo-se que Gaddafi doou 2,5 milhões de dólares à LSE em 2009 através da Qaddafi International Charity and Development Foundation, de que Saif é presidente.
Foi através dos imensos fundos que controla que Saif contratou mercenários no norte de África para combaterem ao lado das forças leais ao regime em extinção. A investigação do caso por um procurador do TPI está bastante avançada. Dizia Saif, nos tempos de boa vida na Europa, que ambicionava para o seu país todas as liberdades possíveis, como as que por exemplo se gozam na Holanda. Quem sabe se o destino lhe reserva uma viagem a Haia, mas não em liberdade.
A história toda vem contada por Philippe Sands na Vanity Fair.
Al-Hawni, um intelectual seu amigo e confidente durante onze anos, chegou a escrever o discurso que Saif à última hora rejeitou. Os laços familiares e de clã foram mais fortes do que o apego aos valores da democracia, aprendidos na Europa mas certamente colados com cuspo. Aprendizagem mesmo assim suficiente para concluir um PhD na LSE em 2008, com a tese "The role of the civil society in the democratization of global governance institutions".
Al-Hawni descreve Saif como "generoso" mas "privado de bom senso político". Ilustra a apreciação com as declarações de Saif quando viajou com Al-Megrahi para a Líbia em 2009, anunciando aos quatro ventos que tudo estivera combinado com altos responsáveis britânicos e que a libertação do terrorista tinha por trás um negócio de petróleo. Enfim, uma boa pessoa que ninguém gostaria de ter como confidente.
Quem não fica bem na foto é a LSE. O caso levou à demissão do Professor David Held, que só por meias palavras dá a entender que orientou a dissertação de Saif. Uma série de incomodidades, sabendo-se que Gaddafi doou 2,5 milhões de dólares à LSE em 2009 através da Qaddafi International Charity and Development Foundation, de que Saif é presidente.
Foi através dos imensos fundos que controla que Saif contratou mercenários no norte de África para combaterem ao lado das forças leais ao regime em extinção. A investigação do caso por um procurador do TPI está bastante avançada. Dizia Saif, nos tempos de boa vida na Europa, que ambicionava para o seu país todas as liberdades possíveis, como as que por exemplo se gozam na Holanda. Quem sabe se o destino lhe reserva uma viagem a Haia, mas não em liberdade.
A história toda vem contada por Philippe Sands na Vanity Fair.
sábado, agosto 27
Hana
Com a guerra a Gaddafi nas primeiras páginas, o nome de Hana volta à cena pública. Da primeira vez envolto em tragédia, agora sob a forma de episódio folhetinesco ou reviravolta não confirmada.
É antigo o ódio entre Gaddafi e os Estados Unidos. O apoio do ditador a acções terroristas determinou um bombardeamento sobre a Líbia em 15 de Abril de 1986, por ordem do presidente Ronald Reagan. A operação foi cirúrgica e complexa, levada a cabo de noite, com a participação de dois porta aviões e perto de uma centena de aviões, atingindo quatro alvos em simultâneo. Alguns dos aviões partiram de bases britânicas da RAF e tiveram de contornar a linha de costa europeia, porque a França recusou autorização para uso do seu espaço aéreo e nisso foi seguida por Espanha e Portugal.
Em resultado dos ataques aéreos teria falecido Hana, filha adoptiva de Gaddafi, então com 15 meses. Ontem, uma notícia do Irish Times sustentava que afinal Hana está viva, mencionando documentação agora descoberta. Parece que tem uma licenciatura em medicina e exercia a profissão em Tripoli. Se é verdade, ainda bem para ela. O Corriere della Sera dá outros pormenores. Quanto à encenação, se de facto disso se tratou, enquadra-se bem no enredo envolvente. Pode até ser uma de várias versões que ainda nos serão servidas, deixando a verdade à escolha do espectador.
É antigo o ódio entre Gaddafi e os Estados Unidos. O apoio do ditador a acções terroristas determinou um bombardeamento sobre a Líbia em 15 de Abril de 1986, por ordem do presidente Ronald Reagan. A operação foi cirúrgica e complexa, levada a cabo de noite, com a participação de dois porta aviões e perto de uma centena de aviões, atingindo quatro alvos em simultâneo. Alguns dos aviões partiram de bases britânicas da RAF e tiveram de contornar a linha de costa europeia, porque a França recusou autorização para uso do seu espaço aéreo e nisso foi seguida por Espanha e Portugal.
Em resultado dos ataques aéreos teria falecido Hana, filha adoptiva de Gaddafi, então com 15 meses. Ontem, uma notícia do Irish Times sustentava que afinal Hana está viva, mencionando documentação agora descoberta. Parece que tem uma licenciatura em medicina e exercia a profissão em Tripoli. Se é verdade, ainda bem para ela. O Corriere della Sera dá outros pormenores. Quanto à encenação, se de facto disso se tratou, enquadra-se bem no enredo envolvente. Pode até ser uma de várias versões que ainda nos serão servidas, deixando a verdade à escolha do espectador.
terça-feira, agosto 23
Sopra um vento novo em Tripoli?
Grita-se vitória às portas de Tripoli: “Allah Akhbar!”. Os rebeldes podem ter razão. É impossível provar que não foi Allah quem guiou por vias tortas os navios e os aviões da NATO.
Ao olhar para a semelhança das multidões agora em júbilo com as que ainda há pouco vitoriavam o ditador, Robert Fisk recorda com amarga ironia o "Ils sont les mêmes" de De Gaulle. E sugere algumas coisas curiosas que podem estar para acontecer: o acesso aos dossiers do petróleo e das relações com governantes ocidentais, e mesmo o destino a dar a Abdulbaset al-Megrahi, o supostamente-com-os-pés-prá-cova condenado pelo atentado de Lockerbie, libertado da Escócia há precisamente dois anos com uma esperança de vida de três meses. Ainda se discute no Reino Unido esta libertação, havendo vozes a favor do regresso à prisão e também os que advogam que a culpabilidade foi fabricada por uma conspiração. Quando a ficção se ocupar disto, vai ter que trabalhar bem para superar os enigmas da realidade, mas fios de enredo não lhe vão faltar. Por agora, esperemos que alguma coisa de bom aconteça à Líbia nos tempos que já estão aqui.
Ao olhar para a semelhança das multidões agora em júbilo com as que ainda há pouco vitoriavam o ditador, Robert Fisk recorda com amarga ironia o "Ils sont les mêmes" de De Gaulle. E sugere algumas coisas curiosas que podem estar para acontecer: o acesso aos dossiers do petróleo e das relações com governantes ocidentais, e mesmo o destino a dar a Abdulbaset al-Megrahi, o supostamente-com-os-pés-prá-cova condenado pelo atentado de Lockerbie, libertado da Escócia há precisamente dois anos com uma esperança de vida de três meses. Ainda se discute no Reino Unido esta libertação, havendo vozes a favor do regresso à prisão e também os que advogam que a culpabilidade foi fabricada por uma conspiração. Quando a ficção se ocupar disto, vai ter que trabalhar bem para superar os enigmas da realidade, mas fios de enredo não lhe vão faltar. Por agora, esperemos que alguma coisa de bom aconteça à Líbia nos tempos que já estão aqui.
sábado, agosto 20
Livros de que não gostámos
Na sequência deste post, encontrei também esta curiosa e extensa discussão sobre o possivelmente duvidoso prestígio que rodeia algumas grandes obras literárias. Lá tornam a bater no Ulysses e no Quixote, há quem diga que Dante é uma seca e que o Quarteto de Alexandria é de fugir logo que se abre. O Grande Gatsby também é zurzido. Catcher in the Rye tem setas para baixo. Entre os comentadores, dá-se bola preta ao Corão mas a Bíblia salva-se. Fogo também sobre Não Matem a Cotovia, Guerra e Paz, Os Irmãos Karamazov e a Viagem ao Fim da Noite.
Números e jornalismo programático
Num blog do Guardian, Andrew Brown reflecte sobre a atitude dos jornais e das tvs, que deram mais importância a 5000 contestatários do que a um milhão e meio de apoiantes de um acontecimento. Uma coisa já esperada, de resto, pois os jornalistas de programa preferem à realidade os preconceitos próprios.
Depois dos recentes motins de Londres, os jornalistas de programa não tiveram tempo de adaptar e recentrar a atenção: compreendem mal que uns milhões encham ruas e praças sem destruir e incendiar casas e lojas.
Depois dos recentes motins de Londres, os jornalistas de programa não tiveram tempo de adaptar e recentrar a atenção: compreendem mal que uns milhões encham ruas e praças sem destruir e incendiar casas e lojas.
sexta-feira, agosto 19
Os livros que não lemos
As pessoas públicas que supõem dever mostrar-se kultas aparecem por vezes nas entrevistas citando livros que leram. Por vezes as citações são tão artificiais ou desajeitadas que ficamos logo a duvidar da koltura das ditas. Seria bem mais interessante, numa reviravolta para um procedimento de verdade, abrirem-nos a lista longa dos livros que não leram porque não foram capazes.
E nós, pessoas anónimas? Que grandes livros deixámos por ler? Serão os "grandes livros" realmente grandes? Não falamos da extensão, mas também ela terá um papel nas razões por que os deixámos na estante depois de um manuseio breve. As horas que nos foram atribuidas para permanência neste planeta estão longe de ser sufucientes para lermos tudo o que quereríamos, e agora ainda por cima consumimos tempo com blogs e livros de caras. Mas para além do número de páginas, pode haver outro problema com um livro: ou ele não nos agarra no início ou nós não nos deixamos prender.
A questão foi posta por Umberto Eco num blog do Guardian. Nas respostas e comentários, os leitores referem os livros onde tiveram dificuldade em entrar, ou que abandonaram mesmo. Da lista constam Ulysses, Don Quixote, Moby Dick, Guerra e Paz, Crime e Castigo e até a Bovary e os Cem anos de Solidão. Destes, eu só li os três últimos e foram inúteis as tentativas de entrar nos dois primeiros. Um comentador aconselha para o Ulysses a seguinte receita: começar pelo capítulo 4; pode-se sempre voltar atrás se se quiser. Quanto à Moby Dick, salte-se a introdução que não faz falta nenhuma. Não sei se irei seguir o conselho. A Bíblia, aprende-se também com os comentadores, como outros grandes livros de poesia, é para ler aos bocados, espreitando aqui e ali.
E nós, pessoas anónimas? Que grandes livros deixámos por ler? Serão os "grandes livros" realmente grandes? Não falamos da extensão, mas também ela terá um papel nas razões por que os deixámos na estante depois de um manuseio breve. As horas que nos foram atribuidas para permanência neste planeta estão longe de ser sufucientes para lermos tudo o que quereríamos, e agora ainda por cima consumimos tempo com blogs e livros de caras. Mas para além do número de páginas, pode haver outro problema com um livro: ou ele não nos agarra no início ou nós não nos deixamos prender.
A questão foi posta por Umberto Eco num blog do Guardian. Nas respostas e comentários, os leitores referem os livros onde tiveram dificuldade em entrar, ou que abandonaram mesmo. Da lista constam Ulysses, Don Quixote, Moby Dick, Guerra e Paz, Crime e Castigo e até a Bovary e os Cem anos de Solidão. Destes, eu só li os três últimos e foram inúteis as tentativas de entrar nos dois primeiros. Um comentador aconselha para o Ulysses a seguinte receita: começar pelo capítulo 4; pode-se sempre voltar atrás se se quiser. Quanto à Moby Dick, salte-se a introdução que não faz falta nenhuma. Não sei se irei seguir o conselho. A Bíblia, aprende-se também com os comentadores, como outros grandes livros de poesia, é para ler aos bocados, espreitando aqui e ali.
Excitações
À informação mainstream, naturalmente mais excitada com os indignados anti-papa do que com a visita de Ratzinger a Madrid, não escapa qualquer indício de ameaça ultra que possa levar a etiqueta de "católica". Nos últimos dias os jornais falaram de um terrorista mexicano que se preparava para atacar a marcha dos indignados contra a presença dos que esperavam o papa, e imediatamente o sujeito foi rotulado como seria de esperar. O homem em questão não bate bem da bola e parece ser mais simplesmente um homofóbico empedernido. Claro que isto não contradiz, de modo nenhum, em princípio, que seja um militante católico ultra. Mas o esvaziamento posterior da notícia é bem descrito, no comentário de ontem, pelo Elentir, que fez uma investigação exaustiva do caso. Acontece que o suposto terrorista ultra-católico tinha como referência um blog ultra-esquerdista, coisa de que os jornais excitados não falaram.
QI e genes
Uma das explicações mais provocatórias para as variações de QI a nível de grandes agregados (estados, nações) é que as diferenças resultam de diferenças genéticas. É difícil, no entanto, encontrar estudos empíricos que suportem esta hipótese. Com estas considerações começa o resumo deste artigo aceite para publicação na Intelligence. Segundo os autores, trata-se de um dos primeiros estudos com o objectivo de suprir aquela ausência na literatura. Os autores usaram o agregado escola e estudaram as diferenças de QI médio em confronto com as distribuições de genes associados à dopamina (há resultados consolidados sobre as relações entre dopamina e capacidades cognitivas). Com todos os cuidados na interpretação dos resultados, a conclusão é que as variações de QI são resultado de factores genéticos. O Inductivist comenta que os resultados contradizem o ponto de vista de que 1) a raça é uma construção social e 2) diferenças de QI entre brancos e negros não têm a ver com diferenças genéticas.
quarta-feira, agosto 17
Canção da má sorte
Em 2008, uma bolha do lado de lá trouxe-nos uma vaga de pouca sorte.
Agora estamos nós (na insólita companhia da primavera árabe e do tsunami no Japão) a dar pouca sorte aos outros.
E temos que nos aturar mutuamente, porque não há para onde fugir.
Estas poucas sortes foram previstas, lá e cá, por umas pessoas designadas como radicais, loucos ou bota-abaixo.
Em prol da verdade, todos os candidatos a líder em futuras campanhas eleitorais devem acrescentar "if we are lucky" ao "we can".
Com muita sorte qualquer um se safa bem. Nem precisa de habilidade e bom senso.
Agora estamos nós (na insólita companhia da primavera árabe e do tsunami no Japão) a dar pouca sorte aos outros.
E temos que nos aturar mutuamente, porque não há para onde fugir.
Estas poucas sortes foram previstas, lá e cá, por umas pessoas designadas como radicais, loucos ou bota-abaixo.
Em prol da verdade, todos os candidatos a líder em futuras campanhas eleitorais devem acrescentar "if we are lucky" ao "we can".
Com muita sorte qualquer um se safa bem. Nem precisa de habilidade e bom senso.
segunda-feira, agosto 15
O mistério das livrarias
Contam vários relatos que os intervenientes nos distúrbios em Londres trataram as livrarias com total indiferença. Destruiram e assaltaram sem cerimónias restaurantes, lojas de roupa desportiva e de material electrónico. Queimaram carros e edifícios. Apoderaram-se de ténis, playstations, flatscreens e o que mais apetece ter. Mas livros, nada. Os danos em livrarias foram marginais. Em face deste curioso dado empírico, o Huffington Post avança com duas engenhosas tentativas de explicação para a sobrevivência das livrarias: respeito pelos livros ou total desinteresse por eles. Nos comentários ao artigo são colocadas hipóteses mais chãs mas carregadas de verosimilhança. Por exemplo: os livros são mais pesados e mais difíceis de vender do que tvs, gadgets electrónicos e calçado em moda. Ou então: a malta dos protestos não está habituada a ler textos com mais de 140 caracteres. Um comerciante de Brixton observou ao Financial Times, com alívio, que os assaltos privilegiaram o grande comércio: não houve motins, houve um "saque inteligente".
sexta-feira, agosto 12
Social disease
A partir do minuto 1:21, o génio, a arte e o humor de Stephen Sondheim e Leonard Bernstein mostram os gangs juvenis e as explicações que os adultos para eles inventaram (e de que eles se riem). Neste video a qualidade de som e imagem não é grande coisa mas há a vantagem de se poder apreciar a graça das palavras.
Agora uma curiosa versão de amadores:
E também é divertida esta interpretação:
domingo, agosto 7
Do onanismo terminológico
O PÚBLICO refere-se hoje ao caos do ensino do Português. A tenebrosa TLEBS não acabou: embora reduzida, regressa sob as vestes do novo dicionário terminológico. Mais do que as incompetências que muito têm vindo a prejudicar o ensino da Matemática através do desenho de programas e metodologias, as que vêm afectando o ensino da língua exibem com grande descaramento a loucura de que o planeamento do ensino básico foi, e continua, possesso. A estrutura da língua e a classificação em gramática são certamente matérias estimulantes e dignas, mas... será normal transformar um assunto em discussão entre especialistas, com aspectos inacabados e não consensuais, em matéria para o ensino básico??? Com a agravante de a coisa ser extensa, complicada, e em parte inútil. No longo rosário dos nomes propostos há agora modificadores, determinantes, sujeitos expletivos, complementos oblíquos. Mas a plasticidade da língua resistirá sempre à utopia da classificação universal. A solução proposta para o sujeito em chove muito continuará a ser discutível, tal como a ambiguidade se manterá nas formas vende-se casas e vendem-se casas. Já agora, não compro a classificação de ladrar como verbo unipessoal: isso impedir-me-ia de escrever ladras mas não mordes, e pode apetecer-me. Para lá dos exemplos contidos no documento, os professores e autores de manuais enfrentarão um oceano de dúvidas. Estas terminologias são claramente coisa para adultos e mesmo assim não devem ser impostas sem consentimento mútuo (sim, estou a repetir-me).
Como tudo isto poderia ser pouco, introduz-se ao mesmo tempo o acordo ortográfico. O novo acordo ortográfico com o grande Brasil em fundo dá imenso jeito para escrever sms. Poupam-se uns cês de vez em quando. Mas não foi suficientemente longe. Porquê escrever para em vez de pra? Poupava-se um a (que só os afetados pronunciam) e desaparecia a ambiguidade com a homónima pertencente ao verbo parar. Telefone pode passar a tfone e vizinho a vzinho, porque na região de Lisboa, onde estão os que fazem os acordos, ninguém pronuncia as vogais. É tempo de simplificar a grafia do acento e escrever ahquele, ou ah, que é de teclagem mais simples, tipo pah. Abandone-se essa mariquice do acento grave, que só a três palavras convém.
Como tudo isto poderia ser pouco, introduz-se ao mesmo tempo o acordo ortográfico. O novo acordo ortográfico com o grande Brasil em fundo dá imenso jeito para escrever sms. Poupam-se uns cês de vez em quando. Mas não foi suficientemente longe. Porquê escrever para em vez de pra? Poupava-se um a (que só os afetados pronunciam) e desaparecia a ambiguidade com a homónima pertencente ao verbo parar. Telefone pode passar a tfone e vizinho a vzinho, porque na região de Lisboa, onde estão os que fazem os acordos, ninguém pronuncia as vogais. É tempo de simplificar a grafia do acento e escrever ahquele, ou ah, que é de teclagem mais simples, tipo pah. Abandone-se essa mariquice do acento grave, que só a três palavras convém.
sábado, agosto 6
A leitura no tempo da internet
A internet não é só uma ferramenta. É um utensílio que passa a ser prolongamento do nosso próprio corpo, do nosso próprio cérebro, o qual se vai também, de modo discreto, adaptando pouco a pouco a esse novo sistema de informar-se e de pensar, renunciando pouco a pouco às funções que esse sistema faz por ele e, por vezes, melhor que ele.
Mário Vargas Llosa discorre, em artigo no EL PAÍS, sobre os efeitos da internet nos hábitos de leitura e procura de informação. Há perguntas que ficarão muito tempo sem resposta. Quem vai dar-se ao trabalho de ler um livro de ponta a ponta, podendo encontrar na net resumos e comentários, provavelmente com qualidade? O número de horas a consumir com o Crime e Castigo (digamos) não é coisa negligenciável em presença de uma agenda preenchida. Que cavernícola vai sobrecarregar a memória com dados que a coreografia do teclado e do rato torna acessíveis em segundos? Para quê encher estantes com a sabedoria dos mestres e a erudição dos clássicos? O Google sabe mais.
Na verdade, possivelmente lemos mais agora, mas de forma mais fragmentada. A própria internet concorre consigo mesma. Como o tempo escasseia para ler todos os artigos que nos parecem interessantes, percorremo-los em diagonal e vamos em directo aos comentários, onde encontramos uma pré-avaliação do interesse do conteúdo, justificando ou não uma atenção mais demorada. Isto vale tanto para artigos de jornais e magazines online como para blogs. E até para coisas-tipo-facebook, embora nestas a dimensão do texto já esteja limitada pela formatação do sítio. Será o facebook a perspectiva mais aterradora do fim da leitura? Iremos acabar por consumir apenas a "boca" breve, comprimida, zipada, que é suportável pelo cérebro interneticamente modificado do leitor moderno?
Mário Vargas Llosa discorre, em artigo no EL PAÍS, sobre os efeitos da internet nos hábitos de leitura e procura de informação. Há perguntas que ficarão muito tempo sem resposta. Quem vai dar-se ao trabalho de ler um livro de ponta a ponta, podendo encontrar na net resumos e comentários, provavelmente com qualidade? O número de horas a consumir com o Crime e Castigo (digamos) não é coisa negligenciável em presença de uma agenda preenchida. Que cavernícola vai sobrecarregar a memória com dados que a coreografia do teclado e do rato torna acessíveis em segundos? Para quê encher estantes com a sabedoria dos mestres e a erudição dos clássicos? O Google sabe mais.
Na verdade, possivelmente lemos mais agora, mas de forma mais fragmentada. A própria internet concorre consigo mesma. Como o tempo escasseia para ler todos os artigos que nos parecem interessantes, percorremo-los em diagonal e vamos em directo aos comentários, onde encontramos uma pré-avaliação do interesse do conteúdo, justificando ou não uma atenção mais demorada. Isto vale tanto para artigos de jornais e magazines online como para blogs. E até para coisas-tipo-facebook, embora nestas a dimensão do texto já esteja limitada pela formatação do sítio. Será o facebook a perspectiva mais aterradora do fim da leitura? Iremos acabar por consumir apenas a "boca" breve, comprimida, zipada, que é suportável pelo cérebro interneticamente modificado do leitor moderno?
sexta-feira, agosto 5
Bolha discreta
Subida acelerada do número de funcionários públicos em anos recentes. Pensões de aposentação e cobertura de serviços de saúde desenhados sob os pressupostos mais optimistas. Reformas aos 55 anos, cociente aposentados/activos já assustador e em perigoso crescimento. Certas vozes já pedem o adiamento da idade de aposentação para os 65 e o cálculo das pensões com base na carreira contributiva. Parece que falamos dos PIIGS ou algo assim, não? Nem por isso. Trata-se da bolha dos salários e direitos de funcionários públicos nos Estados Unidos, se acreditarmos neste artigo. É a nível municipal e local que a insustentabilidade da situação começa a exigir medidas.
quinta-feira, agosto 4
Parking livre da intromissão do estado
No Parking Jules Guesde, concessionado a uma construtora pela câmara de Marselha, as caixas automáticas começaram por aparecer frequentemente incendidas. Depois, violências e ameaças levaram ao abandono do parque por parte da empresa. Dezenas de queixas não tiveram qualquer resultado: concessionário e prefeitura não se entendem sobre a quem compete manter a segurança. Agora, o estacionamento faz-se sem bilhetes nem moedas em ranhuras ou quaisquer outras formalidades. Por cada carro que entra, 5 euros passam directamente para o saco dos okupas - jovens, diz o jornal, utilizando o código apropriado às estórias com acção em bairros sensíveis.
Descompressão
Agora que já sabemos que os Estados Unidos não entram em incumprimento este mês, apreciemos esta versão rap de um debate que será difícil encerrar em algum momento. A letra está aqui.
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